António Fonseca trocou o movimento independente “Porto, O Nosso Movimento” pelo Chega. Depois de ter sido eleito por duas vezes presidente da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto pelo movimento de Rui Moreira, é agora adversário do próprio presidente da Câmara Municipal do Porto, ao candidatar-se à segunda mais importante autarquia do país.

Durante o percurso ao lado do movimento independente nem sempre tudo correu bem: houve uma retirada de confiança política por parte de Rui Moreira ainda no primeiro mandato, um membro do executivo a sair em desacordo com o autarca (alvo de muitas críticas) e uma moção de censura aprovada.

O ponto final na relação aconteceu há alguns dias, quando António Fonseca confirmou que aceitou o convite para ser candidato do Chega à Câmara Municipal do Porto, deixando para trás o movimento encabeçado por Rui Moreira e qualquer possibilidade de dar continuidade ao trabalho feito até aqui.

A relação de António Fonseca e Rui Moreira começou muito antes da política, na altura devido aos transportes internacionais, e continuou quando Moreira era presidente da Associação Comercial do Porto e Fonseca já liderava a Associação de Bares da Zona Histórica do Porto. “Rui Moreira chamava-lhe o ‘Chico Fininho’, era o ‘gajo’ típico da Ribeira”, conta ao Observador quem acompanhou de perto a relação dos dois.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Longe de ser consensual, a poucos meses de terminar o mandato foi alvo de uma moção de censura aprovada por PSD, PS, CDU, BE e dois elementos do próprio movimento de Rui Moreira, sem que daqui fossem retiradas quaisquer consequências práticas.

Os problemas com funcionários, colegas de executivo e oposição vêm de longe, alguns já do primeiro mandato em que Rui Moreira lhe retirou a confiança política um ano e meio depois da primeira vitória nas urnas, pelo facto de ter assumido “posições políticas” e de ter tomado “decisões executivas” que se afastavam dos “princípios de lealdade e solidariedade” em que o movimento de Rui Moreira se revia.

Foi sobretudo este último aspeto que, ainda em 2015, motivou a rutura entre Moreira e Fonseca. Os sinais de desgaste eram evidentes. A 15 de março desse ano, a junta presidida por Fonseca discutiu uma proposta da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto (ABZHP) — presidida por Fonseca — de pagamento remunerado a agentes da PSP na noite da cidade.

Sampaio Pimentel, vereador e um dos grandes apoiantes de Rui Moreira, que morreu em 2016, atirou-se a Fonseca e criticou-o publicamente. “Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”. Fonseca respondeu a Pimentel e o diferendo tornou-se público. A 24 de março, Moreira retirou a confiança política ao presidente da junta.

Certo é que, dois anos depois, o atual presidente da Câmara do Porto acabaria por reintegrar António Fonseca na equipa. António Fonseca diz ao Observador que, aos seus olhos, o convite para a segunda candidatura, em 2017, foi uma forma de Rui Moreira pedir “desculpa”, já que “nunca se fez de convidado”.

“Ele é que me convidou”, insiste, ao argumentar que a retirada de confiança política surgiu por um desencontro sobre o acordo do movimento com o CDS, pela denúncia de casos de portugueses que viviam em situações indignas e, sobretudo, pela sua opinião sobre o policiamento.

Além de liderar a junta é também presidente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto, mas nunca colocou em causa deixar a política e não se candidatar às próximas eleições autárquicas. Em novembro de 2020 garantiu ao jornal Etc e Tal que estava a formar uma lista e vários membros da junta e da assembleia de freguesia confirmaram ao Observador que essa conversa foi tida por diversas vezes, sem nunca ter avançado o partido ou mesmo se ia como independente.

Uma fonte próxima de Rui Moreira conta ao Observador que, até ao momento, António Fonseca ainda não tinha informado oficialmente o movimento independente pelo qual foi candidato em 2013 e 2017. E o próprio confirma-o ao Observador: “Não tinha nada de informar. Eu vou ser leal até aos 15 dias necessários para a campanha. Vou continuar a fazer o meu trabalho certinho e a ser leal ao programa.”

Para quem vê de fora, a impressão é outra. “De certeza absoluta que não ia ser reconduzido pelo movimento”, sugere uma das pessoas que nos últimos quatro anos trabalhou perto do presidente da junta e que critica uma forma de ser baseada no “eu é que mando, eu é que sei, eu é que imponho”. Assim, reitera, António Fonseca quis dar a “sensação de que saiu pelo próprio pé e em vez de passar de cavalo para burro, passa de cavalo para camelo”.

A decisão de Rui Moreira ainda não era conhecida, mas António Fonseca diz ao Observador que estava “descontente” com o presidente da Câmara, principalmente desde o início da pandemia, em que diz que a junta “não recebeu um euro da Câmara Municipal do Porto” para apoiar a população. “Um presidente de câmara que se desligue das juntas de freguesia é o mesmo que se desligar das populações”, aponta.

As críticas e queixas que se multiplicam

António Fonseca nunca foi filiado em nenhum partido, já foi secretário na junta de freguesia de São Nicolau pelo PSD — em que o PS venceu e se coligou com os sociais-democratas —, fez parte do movimento de Rui Moreira e agora aceitou representar o partido de André Ventura. Diz ser um homem de “aceitar desafios” e alguém que “como autarca e pessoa não muda”.

“A maior parte das pessoas, mesmo as que estão contra mim, já me quiseram”, atira, certo de que é o facto de “não alimentar caciques” que o torna um alvo para algumas pessoas. “Foi preferível manifestar agora esse descontentamento do que o fazer daqui a quatro anos”, acredita o autarca, já que nessa altura cumpriria o seu terceiro e último mandato na junta, sendo obrigado a sair.

O Chega surge por “convite”. António Fonseca aceitou-o porque o partido “põe a mão na ferida” e porque carrega bandeiras em que acredita. Quando tem de as destacar, não tem dúvidas: a segurança e a corrupção. “Preocupo-me muito com a segurança das pessoas e o Chega preocupa-se com as questões sociais”, ressalva, ao exemplificar que não há creches, que no Porto “fecharam três creches porque os custos são elevadíssimos e a comparticipação da Segurança Social não justifica os recursos humanos”. As propostas concretas ficam para mais tarde, até porque, tal como insiste várias vezes, ainda tem um mandato para acabar.

Uma das pessoas ouvidas pelo Observador considera que António Fonseca “está a ser pela primeira vez coerente” ao escolher o Chega. Durante os anos em que esteve à frente da junta de freguesia recebeu muitas críticas internas, desde funcionários à oposição.

“Maltrata as pessoas, é absolutamente vingativo”, atira uma das pessoas que trabalhou diretamente com o presidente de junta, que descreve António Fonseca como alguém que “não olha a meios para atingir os fins”, um “déspota, ditador”. “A praxis do Chega tem tudo a ver com a de António Fonseca”, aponta uma ex-funcionária da junta.

Na oposição e entre algumas das pessoas que trabalharam com António Fonseca surgem críticas ao presidente de junta. Em 2019, os serviços de atendimento social da autarquia foram centralizados num único edifício e o atendimento passou a ser feito “obrigatoriamente” pelo próprio presidente, o que levou o Bloco de Esquerda, a CDU e o PS a acusarem Fonseca de assédio laboral às funcionárias.

A deslocação “sem aparente motivo”, o “feitio nada fácil” do presidente da junta e a “pega com as funcionárias por tudo e por nada” são apontados pela oposição como problemas criados pelo autarca que geram “um ambiente de cortar à faca”.

As acusações de “falta de transparência” multiplicam-se pelos partidos da oposição, que apontam a António Fonseca por não entregar vários documentos pedidos nos últimos dois anos. Por outro lado, também a gestão e venda do património da junta de freguesia, um dos temas presentes na moção de censura que foi aprovada por maioria.

Assim, além da moção de censura, foi ainda chumbado um orçamento em janeiro de 2021 e dois relatórios de prestação de contas, sendo que as contas estão reprovadas há dois anos. Fontes ouvidas pelo Observador concordam que a gestão por parte de António Fonseca terá deixado Rui Moreira “desconfortável”, a ponto de se ter afastado por diversas vezes de dar opinião sobre assuntos das juntas de freguesias.

António Fonseca desvaloriza os críticos e garante que são muitos mais os que gostam do seu trabalho: “Assédio laboral não é comigo.” “Eu arranjo as testemunhas de funcionárias, que são 90%, que dizem que sou um excelente presidente e arranja-me três ou quatro ou cinco que dizem que sou mau”, desafia, assegurando que na junta que preside se trata “bem o pessoal”.

Ainda sobre os funcionários, António Fonseca fez várias queixas contra funcionários da junta. Maria de Deus Pinto de Carvalho deixou o executivo por divergências com o presidente e foi acusada de peculato, tal como Isabel Moreira da Silva, que faz parte do movimento de Rui Moreira e esteve no primeiro executivo de António Fonseca, e que também foi alvo de queixa durante as funções.

Aos olhos de quem conhece o presidente de junta este tipo de atitudes apenas servem para “desestabilizar” e “causar mau ambiente”. Mas o autarca garante que nada é uma decisão pessoal: “Qualquer queixa que é feita é decidida em reunião de junta, não é o presidente.”

O presidente da junta do centro histórico do Porto defende-se ao ataque. “São pessoas que faziam parte de executivos anteriores, algumas até passaram pelo meu executivo, são os caciques que estão ali no centro histórico, que estão sempre ali, são sempre os mesmos.

Ora vão para a assembleia, ora vão para o executivo”, atira, frisando que alguns dos que lhe apontam o dedo são os “corresponsáveis” pelas dívidas que a junta tinha e que a oposição quer “transparência” mas chumba “contas auditadas por uma entidade exterior”. “Sou tão ditador que os trabalhadores souberam que não me ia candidatar e ficaram com pena”, continua o presidente da junta portuense.

Com Rui Moreira ou com André Ventura, António Fonseca usa o povo como bandeira para justificar a permanência na justiça e um novo voo: “A minha bandeira, independentemente da cor é a qualidade de vida da população.”