Vivem-se duas realidades completamente opostas no futebol francês. Enquanto a seleção campeã do Mundo é provavelmente a principal favorita para vencer o Euro 2020, agrava-se a situação dos clubes e da Ligue 1, a primeira divisão em França, considerada um dos cinco maiores campeonatos da Europa, o chamado Big Five.

Enquanto os clubes franceses continuam a vender jogadores para outros campeonatos, a verdade é que os direitos televisivos constituem grande parte das receitas financeiras. Agora, no entanto, a crise com os canais e a negociação dos direitos pode afetar e muito as equipas. A exceção, claro está, é o PSG, com o dinheiro da Qatari Sports Investments.

Mas vamos a contas. Há sensivelmente um ano adivinhavam-se bons tempos para o futebol francês, que havia conseguido o segundo maior contrato de direitos televisivos da Europa. Estava acordado que a Mediapro pagaria cerca de 815 milhões de euros por época para transmitir os jogos da Ligue 1, enquanto a BeIn Sports pagaria 330 milhões. Estamos a falar, portanto, de mais de mil milhões de euros.

As coisas já estavam tremidas para vários canais (e para os clubes) devido ao terrível contexto provocado pela pandemia e apenas piorou quando a Mediapro não cumpriu os pagamentos que estavam agendados. No final do ano passado foi mesmo anunciado que não conseguiria liquidar o que estava contratualizado, deixando o futebol francês “descalço”, quando se julgava que o acordo ia salvar os clubes. Entrou então em jogo o Canal+, parceiro da Liga francesa desde 1984, ano em que surgiu a estação, para transmitir o remanescente da época.

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Com dois jogos por semana, estava agora contratualizado que o Canal+ (em parceria com a BeIN Sports) pagaria cerca de 330 milhões de euros pelos tais dois jogos por semana. Agora, no entanto, a estação diz que não vai pagar, com a primeira prestação a ser já em agosto. Tudo porque entrou em campo… a Amazon.

Sim, o gigante tecnológico norte-americano está a entrar no mercado da transmissão de eventos desportivos e conseguiu mesmo chegar a acordo com a federação francesa por “apenas” 250 milhões de euros. A Amazon poderia assim, por menos dinheiro, transmitir oito jogos, algo que não agradou nada ao Canal+. No entanto, a grave crise que já atinge os clubes fez com que os responsáveis escolhessem receber o dinheiro da Amazon, não adivinhando que o Canal+ iria inclusivamente para os tribunais. “Prefiro que o risco seja tomado com a Amazon do que com alguém novo que não tem uma boa estrutura financeira”, afirmou, segundo o Politico, Cédric Roussel, deputado francês do partido de Emmanuel Macron e condutor de um inquérito à questão dos direitos televisivos no desporto.

Do lado do Canal+, contudo, a posição também é clara, com Maxime Saada, responsável da estação, a afirmar de forma perentória uma tomada de posição que pode alterar as regras desde “jogo”: “Não vamos pagar 332 milhões por 20% dos jogos, quando a Amazon transmite 80% por 250 milhões de euros”.

Voltando à justiça, a primeira decisão dos tribunais perante o pedido do Canal+, que não quer pagar o que está estipulado no contrato, foi contra a estação, que apresentou recurso. Todas estas “guerras” apenas favoreceram a Amazon, que conseguiu facilmente o contrato.

Fácil, no entanto, não está a situação dos clubes franceses, que até têm sobrevivido com empréstimos promovidos pelo Estado, e para os quais mais dinheiro das transmissões será essencial. Macron, durante a pior altura da pandemia, até alertou o Canal+ para que cumprisse as suas obrigações perante a Ligue 1, o único dos principais campeonatos europeus que decidiu suspender em definitivo a temporada, ao contrário do que aconteceu noutras ligas como Inglaterra, Espanha, Alemanha e Itália, que jogou o resto à porta fechada.

Segundo o New York Times, um membro da Liga Francesa de Futebol envolvido na decisão disse que a Ligue 1 está confiante de que o Canal+ cumprirá o contrato, e que segundo a lei francesa, uma ação legal pode ser colocada em cima da mesa se em 15 dias não for efetuado o pagamento.

A verdade é que esta confusão pode dar caos, e o caos pode criar uma situação ainda mais complicada para os clubes do principal escalão do futebol francês. Esperam-se decisões, dentro e fora dos tribunais.