O Parlamento Europeu está a apertar o cerco a Fernando Medina devido ao envio de dados pessoais de manifestantes anti-Putin para a embaixada da Rússia. O presidente da Comissão das Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento Europeu (a LIBE), o socialista López Aguilar, elaborou uma carta — que será esta quinta-feira enviada ao presidente da câmara de Lisboa e à qual o Observador teve acesso — a afirmar que, depois de analisado o caso, fica claro para esta comissão do Parlamento Europeu que “estas transferências de dados pessoais [no caso da manifestação em solidariedade com Navalny em Lisboa] violaram o direito da União“. Os deputados da comissão assumem ainda ter visto este caso com “grande preocupação”.
López Aguilar, que é do PSOE e dos S&D (família política do PS na Europa), lembra a Medina que a comissão que dirige tem competências para fiscalizar a forma como os Estados-membros cumprem os direitos fundamentais “consagradas nos Tratados e na Carta da UE, como é o caso da proteção das pessoas em relação ao tratamento de dados pessoais”. É, por isso, “da maior importância para LIBE saber como os Estados-Membros da UE cumprem as suas obrigações legais.”
Mais do que isso, esta Comissão do Parlamento Europeu exige explicações a Fernando Medina e que responda por escrito à carta com vários dados sobre este procedimento. Mesmo que o presidente da Câmara de Lisboa não tenha a obrigação legal de responder à carta — como teria numa comissão de inquérito em Portugal — fica a pressão política para o fazer. E o que o presidente da LIBE convida Medina a responder não é pouca coisa:
- “Clarificar a base jurídica ao abrigo do Capítulo V do RGPD que tem sido utilizada na transferência dos dados pessoais para países terceiros nestes casos e se a autoridade portuguesa para a Protecção de Dados foi informada desta prática;”
- “Explicar a situação no terreno no que diz respeito à violação de dados ocorrida em janeiro de 2021 e as medidas de acompanhamento que foram tomadas;”
- “Confirmar para que outros países não pertencentes à UE essas transferências foram feitas;”
- “Fornecer o número de pessoas afetadas por essas transferências;”
- “Esclarecer há quanto tempo esta prática já existe na cidade de Lisboa e se já terminou;”
- “Definir se a cidade de Lisboa ou o Governo português tem tomado medidas para proteger os ativistas expostos de potenciais consequências repressivas por parte de países terceiros com os quais os dados pessoais foram partilhados;”
- “Explicar se as autoridades portuguesas tomaram medidas para assegurar a eliminação desses dados pessoais do lado da embaixada beneficiária ou se solicitaram garantias de que não ocorreram transferências subsequentes.”
A carta do socialista é particularmente dura para Fernando Medina e começa logo com López Aguilar a dizer “estou a escrever-lhe (…) a propósito de uma violação de dados ocorrida em janeiro de 2021 na cidade de Lisboa, durante uma manifestação política organizado contra a detenção pelas autoridades russas do Sr. Alexei Navalny”. O socialista espanhol admite que “de acordo com o regime jurídico português, os organizadores são obrigados a fornecer ao município os seus dados pessoais, nomeadamente nome, morada, RG e números de telefone”, mas há “grande preocupação” a partir do momento que Medina confirmou que os dados foram enviados para paíes como a Rússia, Israel e China, todos exteriores à UE.
Para o presidente da comissão “as transferências de dados pessoais detidos por autoridades nacionais de um Estado-Membro da UE para missões diplomáticas fora da UE nesse Estado-Membro da UE devem ser consideradas transferências internacionais de dados pessoais, congruentes com a interpretação dada pelo Conselho Europeu de Proteção de Dados sobre o âmbito territorial do RGPD (Artigo 3)”. López Aguilar diz a Medina que, neste âmbito, “gostaria de recortar que RGPD “contém disposições específicas sobre a transferência de dados pessoais para um país que não é membro da UE”. E uma delas é que “uma transferência só pode ocorrer mediante a provisão de salvaguardas adequadas e na condição de que direitos executórios e recursos legais efetivos estejam disponíveis para os visados”. Ou seja: até é possível e há mecanismos para enviar dados para países terceiros, mas têm de seguir regras não cumpridas neste caso.