E se Rui Pinto pudesse consultar os emails que terá roubado nas instalações da Polícia Judiciária em vez de lhe ser dada uma cópia? A solução foi apresentada pelo tribunal — depois de discutida à porta fechada — esta quinta-feira, naquela que é a 44.ª sessão do julgamento do caso Football Leaks. Desta forma, justificaram os juízes, o alegado hacker poderia fazer uma “análise essencial” para a sua defesa, “não ficando na posse de tais cópias”. O Ministério Público concordou com a proposta, a maioria dos assistentes também, mas os advogados da sociedade PLMJ não se quiseram pronunciar já: os juízes deram-lhes cinco dias para o fazer.

Portanto, para já, Rui Pinto continua à espera de saber se terá acesso ao chamado apenso F: uma parte do processo do caso Football Leaks que tem sobretudo caixas de email integrais alegadamente acedidas e roubadas por Rui Pinto. Pertencem a responsáveis de clubes de futebol, a alguns dos mais importantes escritórios de advogados portugueses, a magistrados do Ministério Público, a pessoas do universo Isabel dos Santos, entre outros. Este apenso foi criado pela PJ a partir dos ficheiros encontrados num dos discos externos apreendido a Rui Pinto na Hungria.

A defesa do alegado hacker quer uma cópia deste apenso para analisar os ficheiros informáticos “exclusivamente, do ponto de vista técnico, através de pesquisa forense, procedendo à análise de metadados e estruturas de dados, com recurso a ferramentas forenses que lhe permitam ter um conhecimento diferenciado da prova”, segundo pediram no requerimento apresentado.

O tribunal até concordou com o pedido, mas o Ministério Público, os assistentes no processo e o advogado Aníbal Pinto, que é também arguido no caso, não. Defendem que permitir o acesso às caixas de email seria uma dupla penalização das vítimas. Além disso, o apenso pode ser consultado no tribunal — o que, para a defesa do alegado hacker, não é suficiente porque o quer escrutinar. Por isso, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que agora está a decidir sobre os recursos — o que pode levar a que o julgamento, que estava mesmo na reta final, só esteja terminado no próximo ano.

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Julgamento de Rui Pinto poderá arrastar-se até 2022

O julgamento está na reta final, embora o tribunal já preveja que se vá arrastar para setembro, tendo em conta o período de férias judiciais. Mesmo que a assistente PLMJ concorde com a solução do tribunal, Rui Pinto e os seus advogados precisarão de algum tempo para analisar os ficheiros que estão no apenso F. “Melhor que ninguém, o arguido saberá quanto tempo precisa“, atirou a juíza, sem obter outra resposta de Rui Pinto senão um discreto riso.

João Paulo Batalha: “Sem o Football Leaks não teríamos tido ganhos de eficácia de progressão legislativa no combate à corrupção”

Foram ouvidas duas pessoas ligadas à Doyen, a empresa de negócios de futebol que Rui Pinto terá hackeado e tentado extorquir, que responderam a questões relacionadas com as suas funções e a estrutura do universo Doyen. A última testemunha do dia foi João Paulo Batalha, ex-presidente da Associação Transparência e Integridade, que considerou que “sem o Football Leaks não teríamos tido ganhos de eficácia de progressão legislativa no combate à corrupção”. Lembrando que “havia suspeitas há anos sobre os investimentos angolanos em Portugal”, o consultor defendeu que o Luanda Leaks tem um “significado fundamental” e trouxe informações “relevantes para as investigações em si”.

Foi muito importante em dois planos: revelou factos importantíssimos que levantam suspeitas de crimes graves e ajudou a levantar o debate publico nacional sobre o combate à corrupção”, afirmou.

Questionado pela advogada da Doyen, Sofia Ribeiro Branco, sobre se os meios pelos quais se acede à informação são justificados pelos fins, João Paulo Batalha considerou como “óbvio” que “não pode ser ignorado” eventuais crimes que tenham sido cometidos “para aceder a essa informação”. Mas apontou: “É preciso verificar se houve crimes e depois verificar qual a resposta adequada face aos danos que foram causados e ao interesse das revelações”.

A próxima sessão está marcada para a manhã de dia 30 de junho. Está prevista a audição da magistrada francesa e ex-eurodeputada Eva Joly, testemunha arrolada pelo alegado pirata informático.

Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.

Rui Pinto. O rapaz do “cabelito espetado” que já entrava nos computadores da escola antes de ser o “John” do Football Leaks

O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juiz Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade.