A garantia foi dada, perante a insistência dos partidos, por Fernando Medina no Parlamento: só haverá auditoria externa na Câmara Municipal de Lisboa se os vereadores da capital assim decidirem. Do lado da oposição, à esquerda e à direita, não há dúvidas de que a investigação é para avançar — mas falta perceber a posição do Bloco de Esquerda, que tem um acordo de governação com Medina e que, para já, não se compromete a aprovar a auditoria.
A proposta inicial — até à próxima semana os partidos podem apresentar mais, assim como acrescentar propostas de alteração — já existe e é do CDS, com quem o vereador do PSD João Pedro Costa diz ter trabalhado “em equipa” e está, portanto, sintonizado. “A nossa intenção é aprovar esta proposta para avaliar, a todo o perímetro, se a Câmara de Lisboa está blindada ao nível de proteção dos dados. Este episódio deve ser considerado um alerta à navegação”, diz ao Observador o vereador do CDS João Gonçalves Pereira.
E se Gonçalves Pereira garante que não quer que o episódio se confunda com “tema de campanha eleitoral” — a auditoria até pode durar “três a seis meses”, podendo chegar depois das eleições autárquicas — porque o tema não é “de esquerda nem de direita”, a oposição parece estar de acordo. Aos quatro votos do CDS e dois do PSD juntam-se os dois PCP: em resposta ao Observador, fonte oficial do gabinete comunista em Lisboa diz que o partido, embora ainda não conheça a proposta nem saiba quais poderão ainda aparecer — e admitindo que pode apresentar também apresentar alterações, se for caso disso –, “viabilizará a existência de uma auditoria externa”.
Fica, assim, a faltar um voto para maioria, uma vez que o PS de Medina tem oito assentos no executivo camarário (embora integre independentes nas suas listas). E esse voto pode ser o do Bloco de Esquerda, que tem, no entanto, um possível entrave: o partido partilha desde 2017 a governação da autarquia com o PS, primeiro representado por Ricardo Robles e, depois da saída deste devido à polémica em que esteve envolvido por causa de um esquema de especulação imobiliária, Manuel Grilo.
Ora é o gabinete de Grilo que não dá garantias de que o partido vá aprovar a proposta de auditoria: embora a resposta enviada ao Observador garanta que o Bloco “nunca se oporá ao apuramento dos factos relativamente à proteção dos dados”, o partido quer ver as propostas em causa e não garante um voto favorável. E se os vereadores independentes eleitos nas listas do PS não baralharem as contas, uma abstenção do Bloco não serviria para fazer passar uma proposta que o PS quisesse chumbar. O voto dos bloquistas teria mesmo, nesse caso, de ser a favor.
O Bloco ainda se reunirá, aliás, para discutir o assunto antes da reunião de Câmara que será dedicada ao tema da proteção de dados, na próxima semana. E os bloquistas terão, assim, nas mãos a hipótese de desbloquear a investigação.
Outro dado que pode ser variável é a posição dos vereadores independentes, apesar de fazerem parte das listas do PS. José Sá Fernandes, do Lisboa é Muita Gente, diz ao Observador desconhecer a proposta do CDS e acrescenta que, apesar de considerar “todas as auditorias positivas”, “não é preciso rocket science para analisar aqueles dados”. O Observador também tentou contactar a vereadora Paula Marques, do movimento Cidadãos por Lisboa, mas não conseguiu obter resposta.
Perguntas acumulam-se. Oposição quer “responsabilidade política”
O pedido de auditoria externa surge numa altura em que se conservam muitas dúvidas sobre o que aconteceu na Câmara de Lisboa. À notícia avançada pelo Observador e pelo Expresso de que a autarquia enviou à Rússia dados pessoais de manifestantes, Medina reagiu com uma auditoria interna cujos resultados preliminares já são conhecidos. Ficou a perceber-se que houve pelo menos mais 52 casos em que foram enviados dados pessoais de manifestantes a embaixadas, mas há muita informação de anos anteriores (esta prática começou em 2012) que ainda não foi tratada.
Câmara de Lisboa entrega dados de manifestantes anti-Putin aos Negócios Estrangeiros russos
Além disso, como os partidos frisaram no Parlamento, havia dúvidas sobre 1) como é que Fernando Medina não sabia de nada, apesar de a prática ter sido reiterada durante anos e até alvo de uma queixa em 2019 (por envio de informação sobre uma manifestação e não de dados pessoais, assegurou o autarca); 2) como é que o Gabinete de Apoio à Presidência não lhe deu conhecimento (e Medina assegurou que este é apenas um gabinete de serviços que não reporta a si diretamente); 3) porque é que decidiu exonerar o encarregado da proteção de dados depois de em maio, já sabendo deste caso, ter renovado o seu mandato (uma decisão da CML por ampla maioria).
Se a auditoria servirá para “apurar procedimentos para o futuro”, resume João Pedro Costa, estas questões, assim como perceber se Medina “ouviu os funcionários exonerados” e como é que interpreta a sua “responsabilidade política”, são para esclarecer já. Até porque, para a oposição, é de estranhar que alguém no executivo — mesmo que não diretamente Medina — não soubesse de uma prática que foi aplicada anos a fio.