Conhecida como juíza anti-corrupção, Eva Joly testemunhou em tribunal a favor de Rui Pinto e defendeu que “não há que dar valor ao modo como a informação foi obtida” pelo alegada hacker — enquanto o dizia, era ouvida atentamente pelos juízes que estão a julgar o caro. Rui Pinto é para ela um “herói” e, por isso, ficou “chocada” com a sua detenção: “Portugal é conhecido por proteger a elite”. Ouvida por videochamada, a ex-eurodeputada testemunhou a favor do alegado hacker naquela que é a 45.ª sessão do julgamento do caso Football Leaks e considerou que “a única coisa a considerar se essa informação revela dados importantes”.
Rui Pinto é um herói em França, em Espanha, na Alemanha. Há inúmeros inquéritos a decorrer. É insuportável pensar que ele possa estar detido por querer combater a corrupção”, declarou.
Mas questionada pelos advogados que representam as alegadas vítimas de Rui Pinto, que viram as suas caixas de email publicadas na internet, Eva Joly assumiu que não conhece a acusação de que o arguido é alvo. “Para mim, não se viola caixas de email de advogados”, afirmou. “Pergunte-lhe se sabe que Rui Pinto está acusado de tentativa de extorsão”, pediu ao tradutor a defesa da empresa ligada ao futebol Doyen. “Se há elementos de possível extorsão, isso é outra história. Eu sou contra”, afirmou.
Ainda assim, lembrando que não lhe compete “entrar nos assuntos do processo”, a juíza anti-corrupção fez questão de reforçar o seu ponto de vista. O de que “é muito mau que a Justiça se ocupe com ele e não com as coisas que ele revelou”. Mais:
O que me chamou a atenção foi ele estar preso sem dar importância aos elementos que tinha descoberto. Chocou-me o facto de a prova em Portugal não ser livre”.
Eva Joly contou que visitou até Rui Pinto na prisão, em 2019 porque “estava em choque em saber que o tinham detido sem haver nenhum inquérito sobre os factos que ele tinha revelado”. A magistrada lembrou ainda que “foi graças a ele que se descobriu um Luanda Leaks” até porque “é muito raro um procurador ter condições para abrir este tipo de processos”. “É porque existem denunciantes como o Rui Pinto que os factos são descobertos”, acrescentou.
Para a magistrada francesa, todos os denunciantes devem ser protegidos. Até aqueles que não trabalham dentro de organizações que denunciaram — como é o caso de Rui Pinto. “Não faz sentido proteger aquele que é assalariado”, defendeu.
Só não visitou a ministra a Justiça, mas queria. Eva Joly contou em tribunal que pediu reunião com Francisca Van Dunem. Esse encontro nunca chegou a acontecer, mas a juíza anti-corrupção adiantou ao tribunal o que gostava de ter dito: “É importante que contribua para a mudança da legislação em Portugal para as pessoas poderem usar a informação como prova. É uma fragilidade enorme do sistema penal português“.
O julgamento de Rui Pinto continua no final de setembro, ainda sem data prevista. Faltam ainda ouvir algumas testemunhas que o tribunal ainda não conseguiu notificar. E depois, se assim o desejar, ouvir o que o alegado hacker tem a dizer ao tribunal. Fica ainda por saber a decisão da sociedade de PLMJ sobre se concorda que Rui Pinto consulte os emails que terá roubado nas instalações da PJ em vez de lhe ser dada uma cópia. Aliás, o alegado hacker só decide se presta declarações depois de ter novamente acesso a esse emails.
Em falta fica também a decisão dos juízes sobre se o vídeo que Edward Snowden gravou para Rui Pinto pode ser visualizado no tribunal. O ex-analista dos serviços de informações norte-americanos, que em 2013 revelou esquemas de espionagem e vigilância, estava inicialmente na lista de testemunhas arroladas por Rui Pinto, mas na sessão de dia 19 de maio, a defesa do alegado hacker informou o tribunal que já não seria possível ouvi-lo. Apesar de não ter sido dada uma explicação para o facto de o denunciante já não ir testemunhar a favor de Rui Pinto, a razão pode estar relacionada com o facto de Snowden estar exilado na Rússia e uma ligação dor videochamada para o Tribunal de Lisboa poder levar à sua localização. Assim, a solução vou gravar um vídeo de apoio ao alegado hacker português.
Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.
Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.
O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juiz Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade.