“Este ano vou fazer uma pequena loucura que se calhar não devia fazer. Mas vou fazer. Não interessa se é o Bruno, se é o António ou o Joaquim. Há 25 anos brincaram connosco”. No verão de 2018, numa Assembleia Geral do Benfica por altura das rescisões em massa no Sporting, Luís Filipe Vieira prometeu “vingança” daquilo que ficou conhecido como o Verão Quente de 1993, quando Paulo Sousa e Pacheco trocaram a Luz por Alvalade (e podiam não ter sido os únicos). Os encarnados perguntaram por Gelson Martins, chegaram a falar com o pai de Rafael Leão e estavam dispostos a pagar uma fortuna a Bruno Fernandes à cabeça para assinar. A saída de Bruno de Carvalho e a entrada da Comissão de Gestão que tinha Sousa Cintra a liderar a SAD “abortou” a ideia.

André Carrillo foi assim o último jogador a trocar Sporting por Benfica de forma direta, já depois de Yannick e da dupla Amaral e Marinho, a resposta nos anos 90 ao tal Verão Quente. Agora, João Mário está muito próximo de ser o próximo a saltar entre rivais lisboetas, numa negociação feita nos últimos dias mas que já tinha um acordo entre encarnados e o jogador no início desta semana, segundo apurou o Observador. Em pouco menos de dois meses, aquilo que era tido como uma garantia passou a incerteza, e a incerteza passou a certeza de que vai haver mudança – embora o Sporting entenda, ao contrário do Benfica, que terá direito a 30 milhões de euros, algo que vários especialistas em Direito desportivo não defendem. Se a meio de junho havia a convicção em Alvalade de que o acordo com o Inter era uma questão de tempo, hoje é o Benfica que sabe que a apresentação de João Mário é uma questão de tempo. E houve cinco grandes momentos para a viragem da situação.

O regresso a uma casa conhecida (também pelo presidente) e o título

“Quis sempre voltar onde me sinto bem, onde fui feliz e onde quero voltar a ser feliz. Para mim é uma grande honra voltar a esta casa, que conheço bem. Razões para voltar? Acredito que fui feliz aqui, que me sinto bem e também o facto de ter uma relação próxima com o presidente e o presidente me ter convencido, tendo feito grande esforço e sendo grande parte desta decisão. Volto para uma casa que conheço bem, as pessoas e onde quero encontrar o meu melhor futebol”, comentou João Mário, após o regresso ao Sporting quatro anos depois de se ter tornado (na altura) a maior transferência do clube e a maior transferência de um jogador português a partir da Liga quando saiu para os italianos do Inter com 40 milhões de euros mais cinco por objetivos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Apesar do bom final de época feito por Matheus Nunes em 2019/20, João Mário, que chegou no penúltimo dia do mercado de transferências, entrou na equipa a partir do momento em que recuperou os índices físicos desejados e tornou-se um elemento indiscutível nas opções de Rúben Amorim, terminando a temporada com 34 jogos entre Campeonato, Taça de Portugal e Taça da Liga e dois troféus, da Primeira Liga e da Taça da Liga. “É surreal. Ainda não me caiu a ficha do que conseguimos fazer. É um momento único, com gerações e gerações à espera deste momento”, comentou depois da vitória diante do Boavista que carimbou o conquista do título, naquele que foi o primeiro Campeonato ganho pelo clube depois de ter ganho antes uma Taça de Portugal e uma Supertaça.

A vontade de ficar em Alvalade, numa pasta que ficou com Varandas

A um ano de terminar o contrato com o Inter, João Mário, através do seu representante Federico Pastorello, foi recebendo algumas sondagens de clubes europeus pela boa campanha que foi fazendo na Primeira Liga (ainda que insuficiente para voltar à Seleção e poder disputar o Campeonato da Europa, como era o seu desejo inicial quando rumou a Alvalade). Os espanhóis do Villarreal e os franceses do Nice foram dois dos clubes que fizeram sondagens pelo médio, ainda que sem formalizarem uma oferta concreta. Mais tarde, também os russos do Spartak Moscovo, agora orientados por Rui Vitória, quiseram perceber a situação do jogador, que neste caso não se mostrou interessado em voltar ao leste (esteve antes no Lokomotiv) até por ter sido pai há pouco tempo.

“O regresso ao Sporting foi a melhor decisão que tomei e o meu desejo agora é ficar no Sporting. Muitos vão-me pedindo isso. Será uma honra ficar cá. Espero que aconteça. Tenho total disponibilidade para continuar, o Sporting também manifestou essa vontade e será uma questão que espero que seja resolvida o mais rápido possível (…) Depois de termos ficado em quarto lugar, ninguém nos pedia o título. Quando falei com o presidente, ele tinha a convicção de que podíamos ser campeões e isso surpreendeu-me um pouco pois vínhamos de um quarto lugar. Ele foi a primeira pessoa que me passou essa mensagem e que me fez acreditar”, contou numa entrevista ao jornal Record a 18 de maio, num processo que estava nas mãos de Frederico Varandas.

As negociações com o Inter começaram, avançaram, congelaram – sem acordo

O Inter tinha como primeira fasquia para a cedência de João Mário uma valor de dez milhões de euros, que a seguir desceu para oito e a seguir fixou-se em 7,5 milhões. Foi isso que se andou a discutir entre a última semana de maio e as duas primeiras de junho, com o agente do médio, o italiano Federico Pastorello, em conversações com os dirigentes dos campeões transalpinos e a reunir mesmo presencialmente pelo menos uma vez nas instalações do clube italiano. “Estive aqui pelo João Mário, estamos a tentar fechar [o negócio] com o Sporting. Vamos ver se dá. Há mais alguns clubes interessados nele, vamos ver nos próximos dias. Queremos agradar o jogador, que ficaria feliz por ficar lá [no Sporting]. Agora vamos ver como correm as coisas nos próximos dias. Estou otimista”, disse a 10 de junho do Calciomercato.it, à saída do encontro com os nerazzurri.

No entanto, nunca chegou a haver um verdadeiro encontro de verbas. Segundo foi explicado ao Observador, o que se foi passando com João Mário foi aquilo que sucedeu também com Ricardo Esgaio, nas negociações com o Sp. Braga: existia um desencontro de verbas, uma primeira proposta de três milhões mais objetivos caiu, os leões chegaram depois a um ponto onde se propunham pagar cinco milhões mais dois por objetivos ou seis milhões mediante um prazo maior no plano de pagamento e foram sempre considerando que seria uma questão de tempo até haver fumo branco nas negociações para assegurar o regresso do médio a Alvalade mesmo tomando em linha de conta que havia (ou há) outros nomes possíveis caso não existisse um acordo no final. Por altura da última oferta, João Mário tinha acabado as férias e estava em Lisboa a treinar num ginásio privado.

A procura de médios na Luz, o desejo de Jesus e o descontentamento do jogador

Em paralelo, e no Seixal, o Benfica estava a preparar o regresso aos trabalhos (dia 25), já com Rui Pedro Braz, novo diretor geral do futebol dos encarnados, em reuniões com Jorge Jesus, Rui Costa e Luís Filipe Vieira no Seixal. Todos sabiam que, até 30 de junho, a prioridade estava nas saídas, como aconteceu com Pedrinho ou com Franco Cervi (prestes a ser confirmado pelo Celta de Vigo), mas tendo como ideia chave conseguir fechar alguns reforços mais cedo do que na última época tendo em vista também a preparação para a pré-eliminatória da Liga dos Campeões e para o arranque do Campeonato. E, aqui, o meio-campo assumia especial importância.

O brasileiro Paulinho, de saída dos chineses do Guangzhou Evergrande, foi oferecido mas não interessou, ao contrário de outros nomes como Nzonzi, francês da Roma que esteve emprestado ao Rennes, ou Guendouzhi, outro francês neste caso cedido pelo Arsenal ao Hertha Berlim. Basic (croata do Bordéus) ou Al-Musrati (líbio do Sp. Braga, por quem os minhotos pedem um valor demasiado elevado de acordo com os encarnados) foram outros nomes equacionados. Foi nestas reuniões que João Mário foi equacionado, com Jorge Jesus satisfeito com a possibilidade de voltar a contar com o jogador de quem tirou o máximo rendimento em 2015/16 e Rui Costa e Rui Pedro Braz a iniciarem contactos para perceberem as hipóteses. O descontentamento manifestado pelo jogador pelo impasse nas negociações sem que ninguém lhe tivesse justificado nada também ajudou.

Um acordo rápido com Inter e João Mário, a bola no Sporting e a cláusula das dúvidas

Depois de uma primeira proposta de cinco milhões de euros, o Benfica aceitou pagar aquilo que o Inter tinha colocado como fasquia mínima: 7,5 milhões de euros. Em paralelo, os valores do vencimento que o Sporting tentava baixar (e com alguma abertura do jogador para isso) foram apresentados pelos encarnados ao jogador, num contrato de quatro milhões brutos por época durante cinco temporadas (e não quatro). Foi neste momento, através do clube italiano, que os leões ficaram a saber o que estava em cima da mesa, respeitando o direito de preferência que está consagrado no contrato feito no verão de 2016 e que prevê esse cenário.

“O Inter garante ao Sporting o direito de primeira recusa sobre a transferência do jogador, exclusivamente em relação a possíveis propostas de aquisição de clubes registados na Federação Portuguesa de Futebol. No caso de o Inter receber uma oferta escrita para a transferência do jogador, então o Inter deve informar o Sporting por escrito dos detalhes da oferta recebida. O Sporting terá dois dias úteis (ou duas horas se a oferta for recebida no último dia do mercado de transferências) a partir do recibo de comunicação do Inter para exercer o direito de primeira recusa, confirmando ao Inter por escrito o desejo de adquirir o jogador pelas condições iguais àquelas propostas pelo terceiro clube. Neste último caso o jogador será transferido para o Sporting, sujeito a aceitação do jogador (…)”

Tudo isto aconteceu, deixando João Mário com pé e meio no Benfica perante a não apresentação de uma oferta semelhante aos 7,5 milhões oferecidos pelo Benfica. Agora, a guerra que se prepara tem a ver com a cláusula anti-rivais colocada pelo Sporting nesse mesmo acordo (válida até ao final do vínculo, em 2022), que obrigava ao pagamento de 30 milhões de euros caso o médio rumasse ao Benfica ou ao FC Porto: os leões entendem que essa mesma cláusula ainda vigora e considera que tem mais sustentação jurídica na defesa da mesma, as águias consideram que a mesma não se pode aplicar e preparou mesmo uma série de pareceres de especialistas a esse propósito a que junta ainda uma multa aplicada pela FIFA ao Sporting pela mesma razão em relação a cláusulas que existiam nos contratos do extremo Raphinha (então no Rennes) e do avançado Barcos (Liga Quito).

“No caso de falhar qualquer comunicação nos termos escritos na cláusula 2.6, o Inter é livre de transferir o jogador para o terceiro clube mas, no caso de a transferência se concretizar para um terceiro clube registado na Federação Portuguesa de Futebol, o Sporting terá direito a receber do Inter a quantia de €30.000.000,00 (trinta milhões de euros) salvo, exclusivamente, pelo que está estabelecido em baixo na cláusula 3.2 ,que terá de ser paga 30 dias depois do registo pelo terceiro clube registado na Federação Portuguesa de Futebol.”