Luís Filipe Vieira nunca teve dúvidas de que este dia nunca chegaria. Nunca teve dúvidas e partilhou isso mesmo com várias pessoas do universo do Benfica, nomeadamente quando assumiu em privado aos órgãos sociais, após um período de reflexão de cerca de uma semana na sequência do despedimento do treinador Bruno Lage no final de junho de 20202, que iria recandidatar-se mais uma vez à liderança do clube para um sexto mandato. “Nunca vão encontrar nada, nunca vão apanhar nada porque nunca houve nada”, reforçou aos presentes nessa reunião. No entanto, esse dia que nunca chegaria chegou. E vai fazer com que passe esta noite detido.

Perante este cenário, e não sendo ainda conhecidas as medidas que surgirão ou não no âmbito do processo onde são investigados “negócios e financiamentos em montante total superior a 100 milhões de euros, que poderão ter acarretado elevados prejuízos para o Estado e para algumas das sociedades por factos ocorridos, essencialmente, a partir de 2014 e até ao presente e suscetíveis de integrarem a prática, entre outros, de crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação, fraude fiscal e branqueamento”, o universo do Benfica sentiu um previsível terramoto que toca em várias áreas, a começar pela parte interna e numa vertente institucional.

Assim, e de acordo com o Observador conseguiu já confirmar, a Direção do Benfica reuniu ao final da tarde (e manteve-se em contactos à noite), num encontro que foi antecedido por uma outra reunião do Conselho de Administração da SAD, cujos membros são, além de Luís Filipe Vieira, Domingos Soares de Oliveira, Rui Costa, José Eduardo Moniz e Miguel Moreira. Já em relação à Direção deverão estar presentes, de forma presencial ou através de vídeochamada, Domingos Almeida Lima, José Eduardo Moniz, Varandas Fernandes, Fernando Tavares, Sílvio Cervan, Jaime Antunes e Rui Vieira do Passo. António Pires de Andrade, líder da Mesa da Assembleia Geral que substituiu recentemente Rui Pereira no cargo, não esteve presente nos encontros.

O cenário de demissão não esteve em cima da mesa nem foi um cenário equacionado pelos responsáveis dos encarnados, seja da sociedade que gere o futebol ou do clube. No entanto, o tema foi debatido (aliás, é o único tema em cima da mesa), podendo haver quatro possibilidades para encontrar uma figura que se assuma como líder caso Vieira deixe de conseguir fazê-lo: Rui Costa, que iria sobretudo dar a cara por ser alguém muito querido do universo benfiquista mas que tem sempre como grande prioridade o futebol; Domingos Almeida Lima, que neste mandato ficou com a parte mais institucional do clube e funciona como um número 2 em termos internos e orgânicos quando não está Vieira; José Eduardo Moniz, o outro vice além de Rui Costa que é administrador da SAD e que poderia, pelo perfil, ser alguém mais “forte” para aguentar as próximas semanas; e Domingos Soares de Oliveira que, mesmo não sendo da Direção, tem o cargo de CEO do universo benfiquista.

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“A Direção do Sport Lisboa e Benfica esteve reunida esta tarde, a fim de analisar a situação decorrente da investigação de que é alvo pelas autoridades judiciais o presidente Luís Filipe Vieira. Todos os membros da Direção estão firmemente determinados a defender sem qualquer reserva, de forma coesa e como lhes compete, os interesses do clube, que, esclarece-se, não é objeto da investigação. Nessa medida, empenhar-se-ão em dar plena colaboração às entidades competentes, no sentido de apurar a verdade até às últimas consequências. A Direção garante aos sócios e simpatizantes que a ambição, competitividade e gestão do clube se encontram asseguradas, no respeito e em observância das normas regulamentares estabelecidas nos estatutos”, anunciou a Direção do clube encarnado em comunicado, sem mais esclarecimentos ainda sobre a sucessão.

“A Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD (“Benfica SAD”) informa, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 248.º-A do Código dos Valores Mobiliários, que as suas instalações foram hoje objeto de buscas no âmbito de uma investigação envolvendo o Presidente do Conselho de Administração, Luís Filipe Vieira, que, conforme comunicado divulgado pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, terá sido constituído arguido e detido para primeiro interrogatório, encontrando-se o respetivo inquérito em segredo de justiça. Nem a Benfica SAD nem o Sport Lisboa e Benfica (ou qualquer entidade por si controlada) foram constituídos arguidos no âmbito desta investigação, tendo sido prestada toda a colaboração solicitada pelas autoridades relevantes. As funções desempenhadas pelo Presidente do Conselho de Administração serão, na medida que se mostre necessária, asseguradas nos termos previstos na lei e nos estatutos”, comunicou a Benfica SAD à CMVM.

Ao final da noite, já madrugada dentro, Rui Costa tinha ganho força como possível (e natural) nome para uma sucessão interina de Luís Filipe Vieira, caso o líder dos encarnados não possa continuar a exercer as funções no clube. De acordo com algumas fontes contactadas pelo Observador, o ex-capitão dos encarnados, que é também administrador da SAD, figura como número 2 da hierarquia da Direção (posição que pertencia no anterior mandato a Domingos Almeida Lima) e, mais do que isso, é a figura que maior unidade poderá trazer ao seio do universo encarnado nesta fase, estabilizando o clube numa altura de natural turbulência. Existe, ainda assim, um senão: o foco de Rui Costa passa pelo futebol, pela preparação da temporada, pela composição do plantel e pela blindagem do grupo de trabalho a tudo o ruído em torno de Vieira. E é esse cenário que abre a porta a outros nomes para assumir a liderança interina do clube, com Rui Costa a focar-se só no futebol profissional.