Quase duas décadas depois, os membros do Banco Central Europeu chegaram a acordo para aumentar a meta da inflação a médio prazo — antes podia ficar “abaixo, mas perto de 2%”, o que alguns decisores políticos consideravam demasiado vago, mas agora ficará exatamente nos 2%. Uma meta que “é simétrica”, ou seja, “desvios negativos e positivos da inflação em relação à meta são igualmente indesejáveis”, adianta o BCE em comunicado. A presidente da entidade monetária, Christine Lagarde, acrescenta, em conferência de imprensa, que a medida “retira ambiguidade”, porque “2% não é um teto”.
“Acreditamos que estes 2% são mais claros, mais simples de comunicar, sólidos, um bom equilíbrio e dá paridade com outros bancos centrais em todo o mundo, que também trabalham com 2%”. Lagarde garante que o BCE não está a fazer este ajustamento devido aos recentes aumentos de preços (que, aliás, desvaloriza), lembrando que o processo de decisão começou há cerca de um ano, numa altura em que a inflação não estava na ordem do dia.
Se a economia “operar perto do limite inferior das taxas de juros nominais”, ou seja, com taxas de juros muito baixas, “é necessária uma ação de política monetária especialmente enérgica ou persistente para evitar que desvios negativos da meta de inflação se consolidem”, assinala o BCE. Questionada pelos jornalistas sobre o que pode ser uma medida enérgica, Christine Lagarde dá o exemplo do Programa de Compras de Emergência para a Pandemia (PEPP). Mas há alguma flexibilidade, uma vez que esta circunstância “também pode implicar um período transitório em que a inflação fique moderadamente acima da meta”, tal como já tinha adiantado a agência Bloomberg.
O Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) continuará a ser “a medida adequada para avaliar a estabilidade de preços”, mas o BCE admite que “a inclusão dos custos relacionados com a habitação própria no IHPC representaria melhor a inflação relevante para as famílias”. Christine Lagarde esclarece que não está em causa o investimento em casas, mas “os custos para os consumidores de ter uma casa”. A presidente do BCE sublinha que “historicamente não há uma grande variação face ao IHPC”, mas reconhece que há períodos em que tem variações um pouco maiores.
Incorporar a habitação própria neste índice de preços é, no entanto, um projeto que vai demorar vários anos, pelo que, até se alcançar uma solução, o Conselho do BCE decidiu que “terá em conta as medidas de inflação que incluem estimativas iniciais do custo da habitação própria”.
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“Esta é uma conferência de imprensa muito especial”, afirmou Christine Lagarde, considerando que esta revisão de estratégia permitiu desafiar a forma de pensar do BCE e “envolver várias partes interessadas”, chegando a “um terreno comum” sobre como adaptar a estratégia. Alterações que terão impacto “para os anos futuros”.
A nova estratégia será aplicada pela primeira vez ainda este mês, no dia 22, na reunião sobre política monetária do Conselho do BCE, que vai “avaliar periodicamente a adequação da sua estratégia de política monetária, com a próxima avaliação prevista para 2025“. “Não podemos esperar mais 18 anos”, disse Christine Lagarde.
“Implicações profundas” das alterações climáticas na estabilidade dos preços
Uma parte importante da comunicação do BCE desta quinta-feira foi dedicada às alterações climáticas. O Conselho do BCE reconhece que “têm implicações profundas para a estabilidade de preços” e que, por isso, vai apresentar “um plano de ação abrangente, com um roteiro ambicioso”, para que possa “incorporar melhor as considerações sobre as alterações climáticas”.
“As alterações climáticas e a transição para uma economia mais sustentável afetam as perspetivas para a estabilidade de preços através do impacto sobre os indicadores macroeconómicos, como inflação, produção, emprego, taxas de juros, investimento e produtividade; estabilidade financeira; e a transmissão da política monetária”, esclarece o BCE.
Além disso, as alterações climáticas “afetam o valor e o perfil de risco dos ativos detidos no balanço do Eurosistema, podendo conduzir a uma acumulação indesejável de riscos financeiros relacionados com o clima”.
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Entre as várias medidas previstas está a realização de “testes de stress climáticos ao balanço do Eurosistema em 2022”, para avaliar em que medida se encontra exposto às alterações climáticas.
O BCE vai ainda ajustar “o enquadramento que orienta a atribuição de compras de obrigações de empresas para incorporar critérios de alterações climáticas”; vai ter em conta “riscos climáticos relevantes” na avaliação das garantias aceites para operações de crédito; desenvolverá “novos indicadores experimentais, abrangendo instrumentos financeiros verdes relevantes e a pegada de carbono das instituições financeiras, bem como as suas exposições a riscos físicos relacionados com o clima”; e vai “acelerar o desenvolvimento de novos modelos e realizar análises teóricas e empíricas” para acompanhar as implicações das alterações climáticas na economia e no sistema financeiro, tal como “a transmissão da política monetária, através dos mercados financeiros e do sistema bancário, para famílias e empresas”.
Última atualização às 17h48