O ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, um dos 23 arguidos no processo do furto e recuperação das armas do paiol de Tancos, disse esta terça-feira estar convicto de que agiu com “lealdade e lisura”.

“A minha convicção é de que agi com lealdade e lisura”, afirmou Azeredo Lopes nas suas declarações finais no julgamento do Tribunal Judicial de Santarém, que decorre no Centro Nacional de Exposições.

Azeredo Lopes responde pelos crimes de denegação de justiça e prevaricação, abuso de poder e favorecimento pessoal. Nas alegações finais, na semana passada, o Ministério Público pediu a sua absolvição.

O procurador da República sustentou não ter ficado provado que o antigo governante tivesse conhecimento total das diligências que foram desenvolvidas pela Polícia Judiciária Militar (PJM), mas houve uma “omissão do ponto de vista ético”, pois deveria ter comunicado o que sabia à Procuradora-Geral da República.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“O senhor procurador considerou que eu (…) teria praticado uma falha ética pela circunstância de não ter comunicado à então procuradora-geral da República o facto de o meu chefe de gabinete, por via telefónica, me ter transmitido que haveria um informador que tinha permitido a recuperação do material de Tancos”, referiu Azeredo Lopes.

O ex-ministro salientou que essa informação lhe foi transmitida “a menos de 24 horas de um dos principais Conselhos de Ministros, dos mais dramáticos”, na sequência da tragédia dos incêndios de Pedrógão Grande (junho) e dos fogos na Região Centro em 15 de outubro, numa reunião (em 21 de outubro) na qual se iria redefinir “uma questão importante para a Defesa Nacional”, a gestão dos meios aéreos de combate a incêndios para a Força Aérea.

Explicando que não ia entrar em contraditório com o MP, Azeredo Lopes pediu apenas ao procurador e magistrados judiciais que “aceitem um enquadramento que hoje é devido”, sendo que também hoje se sabe “muito mais do ponto de vista dos factos do que quando este julgamento começou”.

“Sabemos que em meados de julho de 2017 estava tomada a decisão de romper com a PJM e que foi tomada a decisão de não comunicar ao Ministério da Defesa Nacional (MDN) essa situação de corte ou de rutura”, prosseguiu, observando que “a senhora procuradora-geral da República [à data Joana Marques Vidal] entendeu por bem não informar o MDN de que não ia iniciar um processo disciplinar” sobre a forma de recuperação das armas, porque tinha iniciado um processo-crime.

Dirigindo-se ao procurador da República, o antigo ministro da Defesa Nacional declarou: “Senhor procurador, em consciência entendo que não cometi falha ética que me considera atribuída. Em consciência, não pode existir dúvida sobre aquilo que é uma fabricação que eu nunca consegui perceber, mas cuja finalidade hoje sou capaz de vislumbrar”.

Já numa referência às alegações finais do seu advogado, Germano Marques da Silva, sobre a “judicialização e politização”, Azeredo Lopes observou: “Infelizmente, fomos tendo, mesmo dentro deste Tribunal, exemplos de que eu gostaria que não tivessem existido”, numa alusão a depoimentos.

Por seu turno, Luís Vieira, ex-diretor da PJM, salientou as quase cinco décadas de carreira militar, dos quais 14 anos no sistema judicial penal militar.

“Dediquei todas as minhas capacidades ao serviço do interesse público, com obediência sem reserva à ética republicana, a Lei”, adiantou, garantindo nunca ter feito ou mandado fazer qualquer pacto.

Nas declarações finais ao coletivo de juízes, o ex-porta-voz da PJM major Vasco Brazão reforçou que José Costa (inspetor da PJM) apenas fez aquilo que lhe tinha ordenado, assumindo responsabilidade total por aquilo que este sargento fez.

Por sua vez, João Paulino, apontado como presumível autor do furto de armas do paiol da base militar de Tancos, alertou o Tribunal de que o técnico de reinserção social nunca o chamou, sendo que o seu relatório social diz respeito ao que está no processo relativo ao furto das ‘Glocks’ do armeiro da PSP, no qual foi absolvido.

João Paulino disse ainda estar “extremamente arrependido” e pediu desculpa aos portugueses.

Entre outros arguidos que falaram uma última vez neste julgamento, Bruno Ataíde, do Núcleo de Investigação Criminal da GNR do Destacamento de Loulé, afiançou que “não foi feito qualquer acordo com João Paulino, ele sabe que é verdade”.

“Ele foi trabalhando como informador e foi sempre nessa qualidade que ele se apresentou. (…) Ele queria que as armas chegassem às mãos certas, mas sempre preocupando-se em se proteger. Ele nunca me disse que era assaltante”, afiançou.

O caso do furto das armas foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, tendo a recuperação de algum material ocorrido na região da Chamusca, Santarém, em outubro de 2017, numa operação que envolveu a PJM, em colaboração com elementos da GNR de Loulé.

O julgamento dos 23 arguidos do processo de Tancos, entre os quais está o antigo ministro da Defesa Azeredo Lopes, o ex-diretor da PJM Luís Vieira e o antigo porta-voz Vasco Brazão, começou em 02 de novembro de 2020.

Em causa estão crimes que vão desde terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça e prevaricação até falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, recetação e detenção de arma proibida.

Nove dos arguidos são acusados de planear e executar o furto do material militar dos paióis nacionais e os restantes 14, entre os quais Azeredo Lopes, que se demitiu do cargo ministerial no seguimento do processo, e os dois elementos da PJM, da encenação que esteve na base da recuperação do equipamento.

A leitura do acórdão está prevista para 11 de outubro, pelas 14:00, no Palácio da Justiça de Santarém.