O antigo ministro Armando Vara foi condenado a dois anos de prisão efetiva por um crime de branqueamento de capitais. O julgamento de Vara foi o primeiro da Operação Marquês a começar, depois da separação dos processos, e é também o primeiro a ficar concluído ao fim de apenas três sessões. “O Tribunal deu como provado quase todos os factos [da acusação do Ministério Público]“, afirmou o juiz Rui Coelho.

Uma vez que a condenação é inferior a cinco anos, o tribunal poderia ter optado por uma pena suspensa e não efetiva. Porém, o facto de Vara deste ter desempenhado o cargo de ministro pesou na decisão de o condenar a pena efetiva de prisão:

O arguido exerceu as mais altas funções públicas, contribuiu para a condução dos destinos no pais e tinha rendimentos declarados acima da média. Tinha o dever moral de agir de uma forma diferente de como o fez, sendo elevado o nível de censura. Há que considerar também o grau de ilicitude muito elevado”, disse.

Os juízes entenderam que ficou “demonstrado objetivamente o circuito de dinheiro” e “o percurso que o dinheiro fez para chegar de A a B”, relacionado com os dois milhões de euros que Vara colocou em contas na Suíça e que trouxe depois para Portugal. Ficou também demonstrado que o objetivo do antigo ministro era fazer chegar a Portugal 535 mil euros, branqueados através de negócios imobiliários, sem que o dinheiro fosse “detetado pela Autoridade Tributária”. “À luz da informação recolhida e da experiência não é difícil alcançar a motivação do arguido com a circulação de dinheiro introduzido em numerário pela mão de terceiros para depois entrar em contas de sociedades offshores”, indica o acórdão.

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À pergunta: qual o interesse deste percurso? Encontramos uma resposta que é óbvia: ocultar a origem do dinheiro”, disse o juiz.

Embora os juízes tenham considerado que “nada permite concluir que aquelas verbas tenham origem ilegal”, para o tribunal ficou claro que “todas estas operações envolvem custos que não são de desprezar”. “E quem opta por circular dinheiro com tais custos, à luz das regras da experiência comum, algo terá que estar errado com esse dinheiro”, disse o juiz.

O juiz Rui Coelho explicou ainda que as declarações do arguido no primeiro interrogatório — já que optou por não falar em julgamento — não foram “determinantes para o esclarecimento dos factos” nem “relevantes” já que existe “prova bastante para alcançar a decisão”. Durante o julgamento, Vara nunca falou. Só esteve, aliás, presente na primeira sessão.

Defesa de Vara está a ponderar recurso: “Não há o crime de branqueamento pelo qual foi condenado”

À saída do tribunal, o advogado de Armando Vara definiu como “injusta” a decisão do tribunal e adiantou que está a ponderar um recurso. “O recurso tem de ser uma decisão a ponderar. Há outros fatores também em jogo: terei de conferenciar com o meu constituinte. Do meu ponto de vista, há fundamento para recurso”, disse aos jornalistas.

Tiago Rodrigues Bastos defendeu que “o direito não permite esta condenação” uma vez que “o crime de branqueamento não é um crime de ocultação de dinheiro”, mas sim “um crime que pune a ocultação de vantagens de um crime”. “É isso que estamos a tratar e é isso que eu acho que o tribunal não aplicou”, disse, acrescentando:

Não há o crime de branqueamento pelo qual foi condenado. Se tivesse sido condenado por fraude fiscal, com toda a honestidade, compreenderia. Crime de branqueamento, por amor de deus! O que se branqueia é vantagens de um crime. O tribunal foi claro a dizer que não haveria ilicitude nos montantes que o Dr. Armando Vara dispunha no estrangeiro”.

O Ministério Público tinha pedido nas alegações finais que o antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos fosse condenado a uma pena efetiva entre os dois e os três anos de cadeia.

O silêncio de Vara, o dinheiro contaminado e o pedido para não deixar “descair a máscara”. O primeiro dia do julgamento da Operação Marquês

Vara estava acusado de cinco crimes, entre corrupção, branqueamento e fraude fiscal qualificada. Só que o juiz Ivo Rosa, na decisão instrutória de 9 de maio, decidiu levá-lo a julgamento apenas por um crime de branqueamento de capitais. Este crime está relacionado com o facto de ter alegadamente escondido das autoridades 535 mil euros, numa conta bancária aberta na Suíça em nome da sociedade offshore Vama Holdings. Nessa conta, Vara tinha cerca de dois milhões de euros, dos quais terá feito chegar mais de meio milhão a Portugal — uma parte, 390 mil, para financiar a aquisição de um apartamento em Lisboa.

Vara não assistiu à leitura do acórdão. Condenado no processo Face Oculta, encontra-se a cumprir cinco anos de prisão

Armando Vara está desde 16 de janeiro de 2019 a cumprir uma pena de prisão no âmbito do processo Face Oculta e, por isso, não esteve presente na leitura do acórdão — para evitar ter de ficar em isolamento durante 14 dias. Os juízes deram como provado que o antigo ministro recebeu 25 mil euros do sucateiro Manuel Godinho, como contrapartida por beneficiar as suas empresas. A condenação viria a ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto — o Supremo não aceitou o recurso e o Constitucional decidiu “não conhecer do objeto” do recurso interposto.

Em março de 2019, o Tribunal de Aveiro aceitou descontar os três meses e sete dias na pena, correspondente ao período em que esteve sujeito a prisão domiciliária, no âmbito da Operação Marquês. Assim, os cinco anos anos a que foi condenado, por três crimes de tráfico de influências, passaram a quatro anos e nove meses. Isto significa que a pena de prisão a que foi condenado pelo processo Face Oculta termina a 9 de outubro de 2023. No entanto, o ex-administrador da CGD poderia ser colocado em liberdade quando completar os dois terços da pena, em 9 de fevereiro de 2022.