Primeiro foi a agência norte-americana do medicamento (FDA) a lançar o alerta para os casos da síndrome Guillain-Barré (GBS) depois da toma da vacina da Janssen. Depois, esta terça-feira, foi a vez da Agência Europeia do Medicamento (EMA) informar que já solicitou mais informação à farmacêutica Johnson & Johnson.

Tanto nos Estados Unidos como na Europa foram registados cerca de 100 casos após a toma desta vacina — em 12,8 milhões e 18,6 milhões de doses distribuídas, respetivamente. Mas a vacina da Janssen não é caso único: no dia 9 de julho, a EMA já tinha recomendado que este efeito secundário fosse incluído na descrição da vacina da Astrazeneca.

No passado, o aumento (muito reduzido) do número de casos da síndrome tinha sido associado a outras vacinas, como a vacina da gripe suína, em 1976, que aumentou um caso por cada 100 mil pessoas vacinadas e a vacina da gripe sazonal que pode estar associada a dois casos extra de GBS por cada milhão de vacinas dadas, refere o jornal The New York Times.

Acho que os dados são bastante convincentes de que a vacina contra a gripe causa a síndrome de Guillain-Barré, mas o risco é muito pequeno”, disse Daniel Salmon, diretor do Instituto de Segurança de Vacinas da Universidade Johns Hopkins, citado pelo New York Times.

A síndrome, no entanto, pode estar associada à própria infeção com SARS-CoV-2, assim como aparece associada à infeção com outros vírus e bactérias. Falta saber porque é que se desenvolve em algumas pessoas e noutras não.

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No início da pandemia de Covid-19 em Portugal, o Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho tratou um homem de 58 anos que apresentava sinais da síndrome Guillain-Barré (fraqueza dos membros inferiores e dormência do braço), uma semana depois de ter estado infetado com o coronavírus. Depois de internado, a situação agravou-se em poucos dias: o homem apresentava dificuldade em respirar, engolir, falar e urinar e teve de ser internado nos cuidados intensivos onde esteve cerca de 20 dias, conforme reportado pela equipa médica.

O que é a síndrome Guillain-Barré?

A síndrome Guillain-Barré (GBS) é uma doença autoimune, em que o sistema imunitário ataca o sistema nervoso periférico (a rede de nervos que chega às extremidades do corpo). A GBS é uma doença neurológica rara — uma a duas pessoas em cada 100.000 sofre da doença anualmente —, mas de evolução rápida (no espaço de dias ou horas).

Nos doentes com GBS, os anticorpos e os glóbulos brancos confundem a mielina (um tecido que envolve as fibras nervosas) com os microorganismos que deveriam de combater. A destruição da mielina e, por vezes, dos próprios axónios (o prolongamento do neurónio que transporta a mensagem) vai interferir na comunicação entre o cérebro e os músculos. Os músculos tornam-se mais fracos e deixam de funcionar corretamente, já o cérebro recebe informações sobre sensações estranhas, que podem não ser reais.

Quais os sintomas?

Os sintomas da GBS são variáveis e podem ir de um enfraquecimento muscular ligeiro e formigueiro nas extremidades do corpo, até à paralisia total, dificuldade em respirar (cerca de 20-30% dos casos) e engolir e, em casos extremos, até mesmo a morte (cerca de 5% dos casos).

O agravamento da doença pode acontecer em poucos dias ou horas e durar entre dias a semanas, mas consoante o nível de danos causados no sistema nervoso periférico, a doença pode ser totalmente recuperável, demorar meses a ser ultrapassada ou causar sequelas para o resto da vida (cerca de 10% de casos).

O agravamento rápido da doença e a manifestação dos dois lados do corpo são dois dos sinais de que se está perante um caso de síndrome Guillain-Barré, mas o diagnóstico requer também outras análises.

Quais as causas da síndrome?

A síndrome Guilain-Barré não é contagiosa, nem hereditária, e ainda não foi possível perceber como é que algumas pessoas desenvolvem a doença e outras não — ou, sequer, porque é mais comum nos homens. Aliás, ainda não foi possível determinar a causa exata da doença.

O que se sabe é que o sistema imunitário, uma vez ativado por uma infeção, pode atacar a mielina por engano porque esta tem moléculas semelhantes às de alguns microorganismos patogénios (o verdadeiro alvo da resposta imunitária).

Uma infeção com a bactéria Campylobacter jejuni, a principal causa de diarreia nos Estados Unidos, é também um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento da GBS no país, referem os Centros para o Controlo e Prevenção da Doença (CDC) norte-americanos. As infeções com vírus, como os vírus da gripe, citomegalovírus (uma das infeções víricas mais comuns nos casos de GBS) ou o zika também podem causar esta síndrome. Os dados indicam que menos de uma pessoa em cada mil, que tenha este tipo de infeções, pode vir a desenvolver a síndrome Guillain-Barré.

Qual a relação entre o vírus zika e a síndrome Guillain-Barré?

Os CDC indicam que há igualmente registos, ainda que raros, de pessoas que desenvolveram GBS depois de tomarem uma vacina (e não exclusivamente contra a Covid-19). Assim como também há doentes Covid-19 que desenvolvem esta síndrome — à semelhança do que acontece com outras infeções virais. Em ambos os casos, ainda não foi possível confirmar que é a vacina ou infeção a causa da síndrome Guillain-Barré.

É possível tratar?

A recuperação dos doentes inicia-se ao fim de duas a quatro semanas e, em cerca de 80% dos casos, é total. Os principais tratamentos passam pelas medidas de suporte médico que, nos casos mais graves, podem implicar internamento nos cuidados intensivos ou, até, suporte respiratório.

Depois, a parte da fisioterapia, para retardar e reverter a perda de função muscular, também é muito importante, assim como o apoio nutricional, referem os autores do artigo na Acta Médica Portuguesa.

Outros tratamentos incluem a imunomodulação, a introdução de imunoglobulinas (anticorpos) diretamente na circulação sanguínea para controlar a resposta imunitária, ou a plasmaférese, que implica a remoção e substituição do plasma sanguíneo (a parte líquida do sangue onde estão os anticorpos e células que estão a atacar o sistema nervoso).

Vacina da Janssen pode levar a aumento do risco de síndrome rara, mas recuperável

Qual a relação com as vacinas?

Ainda não existem dados suficientes que permitam associar a administração da vacina da Janssen ao desenvolvimento de GBS, mas a FDA decidiu analisar a situação depois do registo de 100 casos, dos quais 95 recuperaram totalmente e um morreu. Nestes casos, os sintomas foram reportados, em geral, ao fim de duas semanas, mas a FDA aconselha as pessoas a manterem-se atentas até 42 dias após a vacinação.

Apesar do alerta, FDA, CDC e EMA continuam a afirmar que as vantagens conferidas pelas vacinas na prevenção de doença grave e morte por Covid-19 superam os riscos de desenvolver esta síndrome rara.

Uma equipa do Departamento de Neurologia do Hospital Brigham, em Boston, contesta que a existência de uma associação temporal possa ser indicativa de que as vacinas contra a Covid-19 desencadeiam a GBS. Os médicos explicam, num artigo publicado na revista científica Neurology, que houve dois casos de síndrome Guillain-Barré no ensaio clínico da vacina da Johnson & Johnson, um de uma pessoa que tinha recebido a vacina e outra que tinha recebido o placebo.

Os médicos, que também são conselheiros da farmacêutica, recordam que por cada mil milhões de norte-americanos se espera que entre 8.000 a 19.000 desenvolvam GBS todos os anos. “Isto significa que, se avançarmos para a meta de vacinar mil milhões de pessoas contra a Covid-19 (e, esperemos, que o número seja ainda maior), muitas pessoas vão desenvolver GBS por acaso nas semanas após a vacinação”, escrevem no artigo.

Por coincidência apenas, esperamos ver 900 a 2.200 pessoas a desenvolver GBS nas seis semanas depois de receberem a vacina de uma dose (por exemplo, a da Johnson & Johnson) e 1.500 a 3.700 dentro do período de 10 semanas nas vacinas de duas doses (como a Pfizer e Moderna)”, acrescentam.

Quantos casos já foram identificados na Europa?

A plataforma de registo de reações adversas aos medicamentos na Europa tem 103 casos de síndrome Guillain-Barré reportados após a toma da vacina da Janssen, da qual já foram distribuídas, até dia 13 de julho, 18,6 milhões de doses na União Europeia e Espaço Económico Europeu (326 mil usadas em Portugal). Dito de outra forma, foi identificado um caso por cada 180 mil vacinas distribuídas.

Para a vacina da AstraZeneca, que também usa adenovírus (vírus inativos que transportam a proteína spike do coronavírus), foram registados 666 casos em 84 milhões de doses distribuídas (cerca de 2,5 milhões entregues a Portugal), ou seja, um caso por cada 126 mil doses entregues.

Também existem casos reportados após a toma de vacinas baseadas em mRNA, como a da Pfizer/BioNTech (com 278 casos) e a da Moderna (com 155 casos). Para estas vacinas, já foram distribuídas 320,5 milhões de doses e 44 milhões, respetivamente — 7,3 e 1,1 milhões de doses entregues a Portugal —, segundo dados do Centro Europeu de Prevenção e Controlo da Doença. Assim, a Pfizer registou menos de um caso por cada milhão de doses e a Moderna um caso por cada 284 mil doses.

Entre todos os casos reportados até ao momento, há registo de 12 mortos (seis após vacina da AstraZeneca e da Pfizer e um após vacina da Janssen e da Moderna). Na altura em que foram reportadas as situações, os casos estavam em resolução ou ainda não estavam resolvidos.

A maioria dos casos reportados são de pessoas entre os 18 e os 64 anos ou entre os 65 e os 85 anos  — que são as faixas etárias a serem vacinadas neste momento. Há mais casos entre os homens que tomaram a vacina da Janssen ou AstraZeneca e mais casos entre as mulheres que tomaram as vacinas da Pfizer ou Moderna — mas a toma das vacinas também foi diferenciada devido às restrições de idade e género impostas.

A vacina da Janssen é dada a homens a partir dos 18 anos e mulheres a partir dos 50. Apesar dos constrangimentos de idade, Portugal pediu à Noruega para lhe enviar doses da vacina da Janssen (devido à escassez causada pelo aumento do ritmo de vacinação) e, no futuro, entregará vacinas da Pfizer como compensação.

A EMA marcou uma conferência de imprensa para esta quinta-feira onde se espera que abordem o tema da síndrome Guillain-Barré e a sua possível associação às vacinas contra a Covid-19.