O Tribunal da Relação de Lisboa recusou o recurso do Ministério Público (MP) para impedir que o ex-primeiro-ministro José Sócrates fosse constituído assistente no caso dos contratos da EDP. Os procuradores argumentam que Sócrates é amigo do arguido Manuel Pinho e, no papel de assistente do MP, podia ter acesso a informação confidencial. Também dizem não saber qual o papel futuro de Sócrates no processo. Argumentos que não só foram recusados pelo tribunal superior, como foram arrasados, com a Relação a deixar um recado e a explicar qual o verdadeiro papel do Ministério Público.

“O Ministério Público é, efetivamente, um instrumento de política, a política de um Estado de Direito, de um conjunto de direitos e deveres alicerçados na Constituição e numa determinada forma e de estar e ver o mundo. É esta a política do Ministério Público, e porque assim é, o recurso não pode proceder”, resume o juiz relator, Rui Teixeira — o juiz de instrução do processo Casa Pia, que à data mandou deter Paulo Pedroso, do PS.

José Sócrates tinha pedido para ser assistente no processo e o juiz de instrução, Ivo Rosa, aceitou. Mas os procuradores do processo recorreram desta decisão para o tribunal da Relação com dois argumentos. Um  relacionado com o facto do ex-governante “qualificar processual e publicamente o trabalho do Ministério Público” e ser amigo de Pinho. Um outro por considerarem que ele ainda pode “ser chamado” no processo, e assim teria acesso privilegiado à investigação.

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No pedido que fez ao processo, Sócrates alega que quer exercer o seu direito como cidadão e que pretende constituir-se assistente pelo facto de ter sido primeiro- ministro, de 2005 a 2011, e querer garantir que a investigação nada deixa por fazer, inclusivamente, no que respeita às suspeitas transmitidas pelo Ministério Público brasileiro.

Na decisão da Relação, a que o Observador teve acesso, os juízes notam que o Ministério Público exerceu o contraditório por duas vezes, quando foi chamado a fazê-lo e já depois de José Sócrates. “Tendo em conta a resposta apresentada pelo MP, a mesma constitui a prática de um ato que a lei não permite, na medida em que não está previsto o contraditório do contraditório, sob pena de o processo se transformar num “ping-pong” interminável”, referem os juízes, anulando esta segunda argumentação.

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O Tribunal da Reação não encontra, em suma, “qualquer obstáculo a que o requerente, ou qualquer
outro cidadão, se possa constituir como assistente”. “O facto do requerente, como alega o MP, poder vir a ser chamado a estes autos, embora não se sabendo em que qualidade, não constitui, por agora, qualquer impedimento legal, tanto mais que ao assistente também podem ser tomadas declarações”, acrescenta.

Os juízes sublinham que não há nada nas alegações do Ministério Público que prove que Sócrates quer ter acesso privilegiado ao processo, seja para ter informações para o amigo, seja para ele. E dizem mais:  “A solução não é negar o acesso [de José Sócrates] aos autos, mas sim constituir o mesmo arguido conferindo-lhe, assim, um estatuto para que se possa defender”, rematam os juízes desembargadores.