A Iniciativa Liberal agendou um debate potestativo para propor a revogação do artigo 6.º da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, o ponto intitulado “Direito à proteção contra a desinformação”. No seguimento deste agendamento, também o CDS apresentou um projeto de lei com o mesmo intuito, enquanto PS e PAN fizeram um requerimento para que os projetos baixassem à comissão, o que foi aprovado por unanimidade. No final de contas, a revogação do artigo não vai acontecer, mas as alterações de socialistas e PAN ainda estão em cima da mesa.

O que diz o artigo que IL e CDS (PSD, PCP, PEV, Chega e quatro deputados do PS também votaram a favor) queriam ver apagado? Em primeiro lugar podia ler-se que o Estado assegurava o Plano Europeu de Ação contra a Desinformação, “por forma a proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, de jure ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação, nos termos do número seguinte”.

No mesmo artigo explica-se que é considerado desinformação “toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos”. Em causa podem estar “textos ou vídeos manipulados ou fabricados, bem como as práticas para inundar as caixas de correio eletrónico e o uso de redes de seguidores fictícios” e ficam de fora “os meros erros na comunicação de informações, bem como as sátiras ou paródias”.

Perante o que está escrito na carta todos têm o direito de apresentar e ver apreciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social “queixas contra as entidades que pratiquem os atos previstos no presente artigo” e, por fim, “o Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”.

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Acusações de “censura” na Carta de Direitos Humanos na Era Digital. Parlamento chumba propostas da IL e CDS de revogação do 6.º artigo

O que pretendiam IL e CDS?

O partido liderado por João Cotrim Figueiredo e depois o CDS apresentaram propostas para eliminar por completo o artigo. A IL diz que se trata de uma “disposição antidemocrática” que constitui uma “afronta inaceitável à liberdade de expressão” e que deveria ser “liminarmente eliminado”. O CDS pedia que fosse eliminada a “criação do conceito legal de desinformação e a referência a apoios estatais à criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social e a incentivos à atribuição de selos de qualidade a órgãos de comunicação social”.

Sobre o selo, a IL alertava mesmo que este artigo autoriza “explicitamente a criação de um cartel de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados”, bem como a “distribuição de selos de qualidade, por parte de entidades fidedignas, a premiar a boa informação, o bom jornalismo, a boa argumentação, a boa opinião”. No projeto de lei podia ler-se que “não existe verificação ‘isenta’ no discurso político”, na visão dos liberais “mesmo em temas de natureza objetiva”.

As propostas foram chumbadas com os votos contra do PS (apenas quatro deputados votaram a favor), BE, PAN e a deputada não-inscrita Cristina Rodrigues, o que deixa de parte a possibilidade de o artigo desaparecer da carta.

A proposta do PAN ainda pode eliminar os selos de qualidade?

Ao contrário das propostas da IL e do CDS, a do PAN ainda pode ver a luz do dia, já que o partido fez um requerimento para que baixasse à comissão e foi aprovado por unanimidade. O partido considera que “a criação de distribuição de selos de qualidade, por parte de entidades fidedignas, é um princípio, em si de perigosa aplicabilidade, propondo, dessa forma, a sua eliminação”.

Nelson Silva, na apresentação do projeto de lei durante o debate, referiu que este selo de qualidade pode “pôr em causa o direito à proteção contra a desinformação”, podendo também “dar azo a interpretações erradas e perigosas que não cumprem aquela que foi a  intenção do legislador e que podem ser violadoras de algumas das suas disposições”. O partido propôs a eliminação total deste selo, o que vai ser discutido na comissão.

O que o PS propõe mudar?

Já o Partido Socialista também apresentou um projeto de lei que visa assegurar o apoio às entidades privadas que exerçam atividades de verificação de factos e de atribuição de selos de qualidade. O partido considera que a verificação de factos “não deve caber a nenhum departamento do Estado”, mas sim “a entidades privadas não sujeitas a qualquer interferência pública na forma como exercem a sua missão”.

Este ponto vem esclarecer o que está inscrito na carta, onde se lê que o “Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”. E responde a algumas das maiores críticas feitas pela Iniciativa Liberal e que José Magalhães recusou no debate: “Não contem connosco para a discussão mas não metam na boca que queremos estatizar a comunicação social.”

Ao contrário do PAN, o PS pretende ainda manter a ideia de selo de qualidade e que seja incentivada a atribuição dos mesmos a vários sites. “Como é próprio de um regime democrático, podem existir e atuar outras entidades que se autointitulem fact-checkers e até entidades que atribuam selos de qualidade. Sendo, contudo, imprescindível garantir o desenvolvimento da prevenção no quadro da Estratégica Europeia contra a Desinformação, a Carta não prevê o apoio público a essas entidades, o que se afigura razoável”, pode ler-se na proposta socialista.

O PS propôs o requerimento para que o projeto de lei baixasse à comissão e este foi aprovado por unanimidade, o que fará com que, juntamente com o do PAN, sejam discutidos nesta altura.