Wow!… Wow!… Wow!…

Os primeiros sons do interior da cápsula chegavam cerca de três minutos e meio após a descolagem, a cerca de 100 quilómetros de altitude, breves instantes antes de passar a linha de Kárman — um limite convencionado que separa a atmosfera terrestre do espaço exterior.

[Mais risos de excitação do interior da cápsula.]

A cápsula tinha-se separado do propulsor e os tripulantes tinham autorização para tirar os cintos de segurança, que juntamente com a aceleração do foguetão New Shepard os tinha mantido colados às cadeiras.

Shepard, como Alan Shepard, o primeiro norte-americano a ir ao espaço (1961) e um dos tripulantes da missão Apollo 14. E aproveitando as curiosidades — mas não coincidências — a viagem foi planeada para coincidir com a missão da Apollo 11 à Lua.

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God, this is fun! (Meu Deus, isto é divertido!)

Naquele momento, levitavam e rodopiavam no exíguo espaço da cápsula como se estivessem na ausência de gravidade. Não que a gravidade tivesse desaparecido completamente — o planeta continua a atrair os corpos que estão próximos (até a Lua) —, mas estar em queda livre dá a sensação de gravidade zero, pelo menos, durante uns minutos. Tempo suficiente, ainda assim, para fazer lançamentos com uma pequena bola laranja.

Jeff Bezos diria mais tarde, em conferência de imprensa, que a sensação de gravidade zero foi das coisas mais surpreendentes. “Senti como se fosse normal. Parecia que os humanos tinham evoluído para estar naquele tipo de ambiente — que sei que é impossível.” O fundador da Amazon e da Blue Origin destacou a sensação de serenidade enquanto levitava.

Oliver Daemen, o primeiro cliente da empresa (como foi apresentado na conferência), assegurou que o dinheiro foi bem empregue. O estudante holandês de 18 anos, o mais jovem astronauta a ultrapassar o limite da atmosfera, concordou com Bezos sobre a sensação de naturalidade durante os minutos de microgravidade. “Esperemos que mais pessoas consigam fazer isto. É incrível.”

Awesome! This is so good! (Maravilhoso! Isto é tão bom!)

Os mais de três mil quilómetros por hora que atingiu o foguetão permitiram que este subisse mais uns quilómetros (mesmo sem motor a ajudar na viagem), antes de iniciar o regresso ao solo firme.

Olhar pela janela, contou Jeff Bezos, é admirar a beleza da Terra e, ao mesmo tempo, a sua fragilidade. “Quando andamos de carro, no dia a dia, a atmosfera é gigantesca e nós somos estas coisinhas pequenas. Mas quando estamos por cima da atmosfera, o que vemos é que é incrivelmente fina e frágil e estamos a destruí-la.”

Wally Funk ficou mais surpreendida com a escuridão — afinal estavam tão alto. A mulher de 82 anos concretizou, esta quarta-feira, o sonho que lhe foi roubado nos anos 1960: ir ao espaço. “Senti-me ótima”, disse Wally Funk, antes de agradecer a Bezos ter tornado o sonho possível. “Quero ir outra vez — e rápido”, disse, conquistando os risos de todos.

Look, it’s dark out here! (Olhem, está escuro lá fora.)

Wally Funk parte para o espaço a bordo do foguetão de Jeff Bezo. Mas o que significa este grande passo?

Tinham passado menos de quatro minutos em microgravidade e estava na hora de voltar a apertar os cintos para regressar à Terra e sentir a força esmagadora da aceleração na descida, na ordem dos 5G (durante breves momentos). Se quer saber o que é, imagine que uma pessoa com cinco vezes o seu peso se senta em cima de si.

Do centro de comando, chamava-se (literalmente) os astronautas à Terra para darem o ponto de situação dentro da cápsula, mas os tripulantes estavam ainda tão entusiasmados que quase se esqueciam daquilo que tinham sido preparados para fazer. A exigência era pequena, não tinham de tripular a cápsula, apenas dizer que estava tudo bem.

— Astronaut status check. Astronaut Oliver?
— Astronaut Oliver is perfect.
— Copy. Astronaut Wally?
— Wally?

Quando chegou a vez de Mark Bezos declarar em que estado se encontrava, chamado pela base de comando “astronauta Demo”, não foi fácil falar, confessou o próprio momentos mais tarde, em conferência de imprensa. Naquele momento, a quase 3.800 quilómetros por hora, e sujeito a uma força da gravidade equivalente a 5G não é fácil sequer pestanejar, quanto mais mexer os lábios para emitir palavras.

Na conferência de imprensa, nenhum dos tripulantes conseguiu bater a energia de Wally Funk, de 82 anos. Aquela que se tornou a pessoa mais velha a viajar para lá da atmosfera disse que já tinha passado por muitos treinos para astronautas e que sempre derrotou os rapazes. “Era a mais forte”, contou. “Nunca brinquei com bonecas. Brincava lá fora e atirava aviões. E adorava.” Desta vez, confirmou Jeff Bezos, voltou a bater os rapazes durante o treino.

— Astronaut Demo?
— Astronaut Demo in my sit.
— Astronaut Bezos?
— Astronaut Bezos in my sit. Happy, happy, happy!
— Copy.

Depois de se separar da cápsula, o propulsor iniciou a descida e só voltou a ligar o motor perto da superfície da Terra, com um som ensurdecedor, para aterrar precisamente no local que lhe estava destinado.

— O propulsor aterrou. É ótimo ouvir sobre o propulsor. Têm aqui uma tripulação muito feliz a bordo. 

— Vejo azul. Vejo o celeiro.

Antes dos oito minutos e meio, os três paraquedas da cápsula abriram-se para uma viagem suave até ao solo, a cerca de 24 quilómetros por hora. Mesmo antes de tocar no chão, pequenos propulsores amorteceram a queda para que não parecesse mais do que um “sentar na cadeira”. Os astronautas gritavam de emoção, enquanto da base de comando tentavam fazer um novo “status check”.

Mark Bezos, irmão do multimilionário, confessou que ver os três paraquedas abrirem foi um momento de alívio. Mas as pessoas mais emocionais estavam em Terra, amigos e família à espera do regresso dos tripulantes. “O pessoal na terra estava mais emocional do que nós, nós estávamos a divertir-nos”, contou o jovem Oliver Daemon.

— Há um grupo de pessoas muito feliz dentro desta cápsula. Muito obrigada a todos os que tornaram isto possível.
— It was amazing, amazing!
— Astronaut Demo, I am unbelievably good!
— Astronaut Bezos, best day ever!

“Os primeiros quatro dos muitos milhões que hão de vir”

“Como é que me senti?”, perguntou Jeff Bezos. “Oh, my God!!” (Oh, meu Deus!!), exclamou perante a audiência que se juntou para ouvir os quatro tripulantes da primeira viagem da New Shepard. “As expectativas eram altas e foram excedidas dramaticamente.”

“O melhor dia de sempre.” Em pouco mais de 10 minutos, Jeff Bezos foi ao espaço e voltou (em segurança)

Os quatro tripulantes não viajaram de mãos a abanar. A bordo da cápsula seguiram também — de forma simbólica — um medalhão de bronze feito a partir do primeiro balão de ar quente, o primeiro voo humano controlado (em 1783); uma parte da primeira aeronave construída pelos irmãos Wright, que levantou voo no final de 1903; e os óculos que Amelia Earhart usou na viagem a solo de travessia do oceano Atlântico em 1932. Jezz Bezos levou também um colar com uma pena da Blue Origin que ofereceu à mãe durante a conferência de imprensa.

Se a Amelia estivesse aqui estaria muito orgulhosa da Wally”, disse Bezos, antes de colocar os óculos.

Wally Funk também leva uma recordação da viagem, a parte final de um dos balões que amorteceu a descida da cápsula. Aos 82 anos, a astronauta estava ansiosa pela viagem: “Isto nunca mais arranca, estamos a perder horas do dia”, contou Mark Bezos sobre a colega de missão. Jeff Bezos reconheceu também que, em momento algum, Wally Funk ficou nervosa.

A conferência de imprensa começou com o reconhecimento da tripulação como astronautas com a atribuição de um pin por Jeffrey Ashby, diretor sénior Segurança e Garantia da Missão da New Shepard e antigo comandante da Space Shuttle. “Os primeiros quatro dos muitos milhões que hão de vir.”

E antes de passar aos adjetivos que classificaram o voo, Jeff Bezos agradeceu aos engenheiros da Blue Origin, aos que fabricaram todas as peças, aos que mantiveram a tripulação a salvo e a todos os funcionários e clientes da Amazon. “Vocês pagaram por isto”, disse, dirigindo-se aos funcionários e clientes.