Enviado especial do Observador, em Tóquio

Só jogaram metade nos encontros de preparação, só jogaram metade na estreia contra a França, assistimos só a metade do jogo com o Irão. Pronto, ficamos assim, amigos como dantes. Poderia valer a pena disfarçar com um par de linhas que tínhamos estado a acompanhar com grande atenção a primeira parte do duelo entre um Golias gigante e um mini David mas não, começamos logo por admitir que não é fácil sair do Yoyogo National Stadium, onde a equipa portuguesa de andebol perdeu esta manhã contra a Suécia, e chegar à longínqua Saitama Super Arena, onde os Estados não tão Dream Unidos tinham o compromisso mais acessível na fase de grupos. Apesar de ter sido meio jogo, valeu a pena. Porque o próprio local vale por jogo e meio, tamanha a sua imponência.

A prefeitura de Saitama respira basquetebol, tendo como coração de uma zona de multiplicação de arranha céus aquela que é a segunda maior Arena indoor do mundo, com uma capacidade de 19.000 a 22.500 espectadores no seu espaço principal que poderá esticar em alguns eventos para os 36.500. Ou seja, e como base de comparação, é quase um estádio de futebol em forma de pavilhão tapado. Ainda em 2000, quando foi inaugurada, custou mais de 140 milhões de euros (tendo depois sido algo de melhorias ou renovações pontuais com o tempo). Tão rápido tem espectáculos desportivos, como basquetebol, sumo, MMA, ginástica ou hóquei em gelo – sendo a única no Japão com as medidas para receber um jogo de futebol americano –, como recebe concertos dos principais ícones mundiais. Até o Museu John Lennon já teve, com ajuda de Yoko Ono, embora tenha durado apenas uma década. A antiga mulher do falecido cantor britânico é uma das pessoas que mais trabalha com esta organização.

Agora, por causa dos Jogos, é basquetebol e nada mais. E Saitama sente-se confortável com isso, ou não tivesse colocado nos principais espaços da prefeitura perto da Arena enormes imagens de Rui Hachimura, o jogador nipónico que joga na NBA (Washington Wizards) e foi porta-estandarte da comitiva na cerimónia de abertura. “Bem-vindos à cidade de Saitama!”, pode ler-se numa enorme tarja à saída da estação de comboios que está quase ao lado do recinto, com dezenas de cartazes no teto e nas paredes com figuras locais com as respetivas bandeiras dos países participantes jogando basquetebol. Um pouco mais à frente, um jardim. Acolhedor, com bancos de pedra, ótimo para fazer uma pausa ou simplesmente parar para respirar. E com uma novidade.

Nenhum dos locais de competição nos Jogos de Tóquio tem um espaço circunscrito para fumadores (e aqui não interessa se é bom, mau, justo ou incoerente, simplesmente não tem) e também na cidade é proibido fumar-se na rua. No entanto, é suposto existirem alguns espaços apenas para esse efeito, como aquele que encontrámos ao pé do Edo-Tokyo Museum, paredes meias com o recinto onde se disputa o boxe. Não é assim tão comum encontrar. Aqui em Saitama, não só existe como está devidamente assinalado com uma frase em português que diz “Área para fumadores”. E não é um espaço qualquer porque tem música que pode ser ouvida por quem ali passa. Uma delas, pelo menos no intervalo do jogo dos EUA com o Irão, era dos Beatles. De novo, a evocação de Lennon.

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Tudo o resto é completamente intuitivo e nem mesmo o facto de estarmos a falar de um autêntico gigante de betão, mas com um desenho moderno e até parecido com os corredores dos pavilhões e demais instalações dos americanos, altera esse cenário. Lá em cima, da bancada de imprensa, o marcador já assinala 60-30, com Lillard como melhor marcador (18 pontos) e dois jogadores iranianos, Haddadi e Rezaeifar, com quase 70% dos pontos da equipa. Para que não existam mesmo dúvidas sobre o que se está a passar, a postura de Gregg Popovich, sentado e com o ar mais tranquilo do mundo, não deixa margem para errar: este é um encontro sem história.

Para se ter noção da diferença, numa partida que terminou com a vitória dos EUA por mais de 50 pontos (120-66), os americanos tiveram quase tantos triplos convertidos (23) do que o Irão conseguiu marcar lançamentos de campo (25). As saídas rápidas, os afundanços, as jogadas 1×1 ou com bloqueios diretos para desfazer depois a cortina e os tiros longos foram predicados utilizados pelas estrelas americanas para cilindrarem os iranianos, que só nos primeiros dois minutos de jogo conseguiram estar na frente (fecharam o primeiro quarto a ganhar por 28-12, com um parcial de 16-3 nos cinco minutos finais). Do outro lado, entre algumas dificuldades técnicas e o nervosismo de defrontar os EUA, o Irão, que conta com jogadores que alinham na Europa e até na Argentina (o poste Aaron Geramipoor joga no San Lorenzo) deixou uma má imagem mas nem quando os americanos tiveram a oportunidade de passar a barreira dos 100 pontos houve vontade de fazer um grande festejo em campo.

O encontro sem história terminava ao som daquelas músicas mais comerciais que se vão ouvindo durante essas paragens, começava uma nova história com a zona mista. E a história não foi o que disse jogador A, B ou C, até porque no lado dos americanos foram passando a batata quente uns para os outros até não haver mais nenhum: o vice-campeão Devin Booker foi o primeiro a passar num passo acelerado; Javale McGee (que tem tamanho que nunca mais acaba) meteu-se no meio de iranianos; ex-campeão Daymond Green veio à conversa com um adversário; os campeões Jrue Holiday e Kris Middleton apontaram para Kevin Durant, engolido por dezenas de jornalistas por ter sido o primeiro a parar onde estavam os americanos, e disseram que estavam dispensados de falar; Adebayo ainda falou para um jornalista iraniano entre as brincadeiras de Keldon Johnson e Jerami Grant mas também se fartou cedo; e Jayson Tatum respondeu a umas perguntas mas foi “acelerado”.

Apesar de não ter sido o melhor adversário para testar uma verdadeira reação depois da derrota com a França, os EUA cumpriram aquilo que Popovich tinha pedido após o jogo inaugural: saber gerir as “decisões 0,5”, como citava o Washington Post. O jogo mais instintivo, as boas escolhas, as melhores opções entre lançar, entrar ou passar. A equipa foi mais coletiva quando teve de jogar 5×5 organizado e colocou seis jogadores com dois dígitos, um sinal muito valorizado pelos americanos. Mas não é apenas disso que se fala nos EUA, longe disso. E Tatum acabou por ser o exemplo paradigmático do impacto que o caso de Simone Biles teve na delegação.

A estrela dos Boston Celtics começou por responder no Twitter ainda esta terça-feira aos comentários de Charlie Kirk, um ativista conservador que no seu talk show deixou duras críticas à ginasta. “Estamos a criar uma nova geração de pessoas fracas como a Simone Biles”, atirou, chamando ainda à atleta mais medalhada de sempre “egoísta, imatura e uma vergonha nacional”. “É complicado ajudar e ser empático com aquilo que os outros estão a passar? Isto é a filha de alguém e a sua saúde dela. Será que ele tem filhos e conseguiria ouvir alguém falar assim dos seus? A Simone é uma heroína”, escreveu o base/extremo da seleção de basquetebol americana. “Na perspetiva de um pai, nem consigo imaginar como seria ter o meu filho naquele patamar público a ter de lidar com questões de saúde mental, a resolver os seus problemas e a querer ajuda de alguém. Ver alguém ridicularizar a situação deixa qualquer um irritado e foi por isso que disse o que disse”, comentou ao Globe.