“Esta primavera, a minha vida mudou. Mudou massivamente. Mudou quando conheci alguém. Alguém que me faz tão feliz, que me deixa tão seguro. É ótimo. E essa pessoa… É um homem”. Foi assim, com esta frase e em 2013, que Tom Daley deu um passo numa direção cujo destino final não conhecia. Num vídeo partilhado no YouTube, em pouco mais de cinco minutos, o atleta britânico explicava que nunca tinha tido relações sérias com raparigas, que estava apaixonado por um homem e que nem sequer achava ser um big deal. E, por muito que não pareça, 2013 já foi há muito tempo.
Na altura, há oito anos, Tom Daley tornou-se um dos primeiros atletas a revelar publicamente a homossexualidade. Foi criticado por uns, elogiado por outros, tido como pioneiro pela maioria. Mas quase todos, de forma clara, concordaram num aspeto: o britânico, que na altura tinha apenas 19 anos, decidiu dar este passo porque quis e porque achou correto e não, nunca, para se catapultar para as capas dos jornais e das revistas. Tom, um dos primeiros atletas profissionais a ter uma conta ativa no YouTube, onde ainda hoje partilha vídeos e conteúdos com os que o seguem atentamente, decidiu contar que tinha um namorado à família da internet no mesmo dia em que também contou a alguns elementos da família alargada. A ideia de que, ao mesmo tempo, também estava a contar ao mundo, nem sequer o preocupou.
Em 2013, Tom Daley tinha acabado de participar nos segundos Jogos Olímpicos da carreira, em Londres. A competir em casa, o jovem atleta conquistou a medalha de bronze nos saltos para a água da plataforma de 10 metros e deu um novo passo numa popularidade que, pelo menos no Reino Unido, já era monstruosa. Afinal, quatro anos antes e nos Jogos Olímpicos de Pequim, Tom foi o atleta mais novo da comitiva da Grã-Bretanha, com apenas 14 anos, e tornou-se o mais novo dessa edição a chegar a uma final, terminando a competição num extraordinário 7.º lugar. A partir de então, o “bebé de Pequim”, como ficou conhecido, tornou-se num dos mais mediáticos e conhecidos nomes do desporto britânico.
Em 2016, no Rio de Janeiro, a dupla formada por Tom Daley e Daniel Goodfellow era uma das grandes candidatas à medalha de ouro. Contudo, os britânicos não foram além do terceiro lugar e da medalha de bronze e Tom, na prova individual, nem sequer conseguiu qualificar-se para a final. O sonho do ouro ficou adiado para Tóquio, onde o atleta chegou já com 27 anos e onde as expectativas, depois da desilusão do Brasil, até já eram mais reduzidas. “É difícil saber o que esperar dele agora, em Tóquio, nos quartos Jogos Olímpicos”, escrevia o The Guardian no fim de semana, num artigo cujo título garantia que esta era a “última chance olímpica” daquele que foi um “adolescente sensação”.
E Tom Daley agarrou a última chance. Ao lado de Matty Lee, o britânico conseguiu finalmente conquistar a medalha de ouro nos saltos sincronizados para a água da plataforma de 10 metros. A dupla da Grã-Bretanha venceu a competição, à frente da equipa da China e da do Comité Olímpico Russo, e Tom alcançou o único objetivo que tinha ficado pendente desde o esperançoso vídeo de 2013. De lá para cá, o atleta casou com o “alguém” que havia conhecido, o argumentista e realizador Dustin Lance Black, o casal teve um filho através de maternidade de substituição e o saltador dedicou-se a atividades tão surpreendentes como o tricô, criando até uma página de Instagram para mostrar tudo aquilo que tricotava ao longo do confinamento.
“Sinto-me incrivelmente orgulhoso por dizer que sou um homem gay e também um campeão olímpico. Quando era mais novo, achava que nunca poderia alcançar nada por ser quem era. Ser campeão olímpico mostra que podemos alcançar qualquer coisa. Existem mais atletas assumidamente homossexuais nestes Jogos Olímpicos do que em quaisquer outros anteriores. Eu assumi em 2013 e quando era mais novo senti sempre que estava sozinho, que era diferente, que não encaixava. Existia algo meu que nunca iria ser tão bom como a sociedade queria que fosse. Espero que qualquer jovem LGBT consiga ver que, independentemente do quão sozinhos se sentem agora, não estão sozinhos. Podem alcançar qualquer coisa”, disse Tom Daley, cuja treinadora é Jane Figueiredo, nascida no Zimbabué com pai português, já depois da cerimónia de medalhas.
https://www.instagram.com/p/CR0ciqMIOIJ/
E tem razão. De acordo com a Associated Press, são 168 os atletas que se identificam como gays, lésbicas, bissexuais, transgénero, queer ou não-binários em Tóquio 2020 — incluindo alguns, como é o caso de Elissa Alarie e de outras três colegas da equipa de râguebi feminino do Canadá, que não estavam inicialmente incluídos na lista e que pediram para integrar a reportagem. O número é o triplo do registado nos últimos Jogos, em 2016. Em 2012, um ano antes do vídeo de Tom Daley, eram apenas 23. E é impossível dizer que Tom, o homem que aproveitou o que aprendeu na pandemia para tricotar uma bolsa para guardar a medalha de ouro, não deu o pontapé de saída para todos os 168.