O estudo serológico nos lares de idosos será a oportunidade de comparar dois grupos distintos (residentes e funcionários), que foram vacinados na mesma altura, estiveram expostos a condições semelhantes, mas têm idades e características fisiológicas diferentes, explica ao Observador Nuno Marques, presidente do Centro Académico de Investigação e Formação Biomédica do Algarve (ABC).

“Sabemos que esta faixa etária [os idosos] têm um sistema imune mais frágil, mas não sabemos se tem uma redução maior [no nível de anticorpos]”, diz o presidente do ABC, uma das instituições científicas envolvida no estudo. “Pode ser um fator a ter em conta sobre o reforço [da vacinação].”

Luís Graça, coordenador-adjunto da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) discorda: “Os testes serológicos [medicação da presença ou quantidade de anticorpos] não estão recomendados, no nosso país nem nos outros países, para servir de base à tomada de decisões sobre o estado de proteção conferido pelas vacinas”, disse o imunologista durante a conferência de imprensa, no Infarmed, esta terça-feira.

Teremos imunidade duradoura ou precisamos de reforçar as vacinas? O que se sabe até ao momento

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nuno Marques admite que os resultados dos testes serológicos não serão o único fator a ter em consideração na avaliação de uma potencial terceira dose, mas considera que “é muito importante”, uma vez que também é assim que as vacinas são avaliadas.

Sem conhecerem as declarações um do outro, Luís Graça voltou a contrariar a opinião de Nuno Marques nas respostas dadas aos jornalistas. “Os ensaios clínicos, que foram a base da autorização da utilização das vacinas, não se basearam em serologia, mas na eficácia das vacinas em prevenir as infeções em pessoas vacinadas e prevenir doença causada por essa infeção.”

Para se decidir sobre a terceira dose, o princípio é o mesmo, defendeu o médico: comparar a proteção que as vacinas mantém com o número de infeções, “e não por dados serológicos”.

Existe uma grande unanimidade nas diferentes agências que se pronunciam sobre as vacinas em relação à inadequação de testes serológicos para decisões sobre a vacinação”, reforçou Luís Graça.

O presidente do ABC sabe que ainda não foi estabelecida uma relação direta entre a quantidade de anticorpos e a resposta imunitária. No limite, “se não detetamos anticorpos, diminui a probabilidade de as pessoas conseguirem ter uma resposta imunitária”, diz. No entanto, mesmo os estudos que revelaram diminuição da quantidade de anticorpos, nenhum mostrou ainda que as pessoas vacinadas tivessem ficado a zeros depois de produzirem uma resposta imune.

Luís Graça assegura que, “quer em Portugal quer em outros países, há uma monitorização contínua da efetividade das vacinas que vão sendo administradas na população para verificar se existe uma perda de efetividade, que se mede com o aumento do número de infeções, e se isso deve condicionar medidas para reforçar a proteção de grupos populacionais onde esta efetividade possa estar a decair”.

Covid-19. Governo faz estudo serológico a utentes e funcionários de lares de idosos

Sobre o levantamento serológico em causa, Nuno Marques espera que os dados que vão recolher possam dar ainda outro tipo de respostas. O presidente do centro conta ao Observador que precisavam apenas de 350 residentes e 350 funcionários para terem um estudo válido em termos estatísticos, mas com cinco mil voluntários vão ter resultados mais robustos.

Com mais amostras será também possível analisar grupos específicos e fazer outro tipo de perguntas aos dados, como a data em que foram vacinados, a vacina que receberam, se já tinham estado infetados antes ou se foram infetados desde aí, por exemplo.

ABC e Fundação Champalimaud financiam o estudo

Nuno Marques, em conversa com o Observador antes da conferência de imprensa, insiste na possibilidade da terceira dose, nomeadamente dos idosos. Daí a escolha do momento para fazerem este levantamento: a recolha das amostras será feita durante o mês de agosto e os resultados comunicados em setembro, a tempo de as pessoas poderem receber a dose de reforço antes do outono-inverno (a época das principais infeções respiratórias), explica.

O presidente do ABC conta ter as cinco mil pessoas, todas vacinadas, selecionadas esta semana. A adesão, com apenas 24 horas desde o primeiro contacto, foi boa, diz. Depois, durante duas semanas serão feitas as colheitas nos lares — uma gota de sangue com uma picada no dedo, como se faz com os diabéticos, explica.

Temos uma grande capacidade no terreno. Temos capacidade para recolher mais de 600 amostras por dia”, diz Nuno Marques.

O facto de serem lares no Algarve e Alentejo facilita o trabalho, admite. Não só pela proximidade geográfica em relação ao ABC, mas porque desde o início da pandemia que o centro de investigação trabalha com os lares destas regiões. Mais, a população dos lares nestas regiões não é diferente das outras regiões do país, logo o estudo será representativo do país, afirma.

A ligação ao MTSSS também facilita o contacto e visita aos lares para fazer a recolha das amostras, explica Nuno Marques sobre a intervenção do ministério.

Sobre o financiamento, Nuno Marque diz que os custos serão totalmente suportados pelo ABC e pela Fundação Champalimaud, parceira no projeto, e sem custos para os lares ou para os voluntários. O presidente do centro considera que o projeto teria interesse suficiente para garantir um financiamento, mas não o conseguiriam fazer em tempo útil (antes do próximo outono), por isso as instituições decidiram avançar.

O Observador contactou o MTSSS para obter mais informação sobre o estudo serológico nos lares, mas até ao momento da publicação deste artigo não tinha obtido qualquer resposta.

Se uma pessoa é exposta muitas vezes ao vírus é mais provável ser infetada

Um estudo dos serviços de Patologia Clínica e de Saúde Ocupacional do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC) concluiu que os anticorpos dos profissionais de saúde vacinados caiu abruptamente ao fim de três meses e que essa descida se mantinha ao fim de seis meses depois da segunda dose da vacina.

Covid-19. Anticorpos descem ao fim de seis meses e terceira dose da vacina pode ser inevitável

Os resultados foram conhecidos este domingo e uma das coordenadoras do trabalho, Lucília Araújo, defendeu que que a terceira dose da vacina será “necessária em breve”. A coordenadora de diagnóstico laboratorial de Covid-19 nos CHUC acredita que os profissionais de saúde serão vacinados antes do final do ano.

A verdade, é que este é o processo normal. Uns dias depois da infeção ou vacinação a quantidade de anticorpos aumenta, atinge o pico passados dias ou semanas e começa a diminuir quando já não é necessária. E ainda bem, o organismo não tinha necessidade de estar a produzir uma grande quantidade de anticorpos (e a gastar recursos desnecessariamente) quando não tem nenhuma infeção para combater.

Não é inesperado nem preocupante”, disse Miguel Prudêncio, investigador no Instituto de Medicina Molecular, ao Público, sobre a diminuição da quantidade de anticorpos. “Os anticorpos são uma das componentes do nosso sistema imunitário, não a única.”

Além dos lares e profissionais de saúde, os professores são outro dos grupos de vacinados para quem estão a ser pedidos testes serológicos generalizados para avaliar a imunidade e a possibilidade de uma terceira dose de reforço.

Mas os especialistas em imunologia repetem: os anticorpos não são a única (ou a melhor) medida de imunidade, as células de memória têm um papel essencial e não estão a ser avaliadas. O projeto do ABC com a Fundação Champalimaud também não o vai fazer, pelo menos, para já.

Diretores escolares pedem testes serológicos e terceira dose da vacina

Há ainda outro fator a considerar: se a maior parte dos idosos, profissionais de saúde ou professores estão vacinados, é natural que haja vacinados entre os infetados — mas certamente menos do que sem a vacina. Além disso, os idosos têm muitas outras complicações de saúde que os colocam numa situação mais vulnerável em caso de infeção, daí que continuem a ser as principais vítimas da Covid-19.

Luís Graça lembrou e reforçou, durante a conferência de imprensa, que os estudos serológicos não devem ser usados para tomar a decisões sobre vacinação e que deve ser avaliado “um aumento maior do que o esperado de infeções em pessoas vacinadas há mais tempo ou com características especiais [por exemplo]”.

O coordenador-adjunto da CTVC disse que a comissão está, “há vários meses”, a avaliar os “dados que podem, eventualmente, sugerir a necessidade de uma terceira dose”, “continua a monitorizar os dados disponíveis e a procurar saber se há grupos particulares em que a perda de imunidade é mais precoce”.

Existe uma análise complexa para se conseguir determinar se é necessária uma terceira dose ou não, explicou o imunologista na conferência de imprensa. Haver uma percentagem grande de pessoas infetadas entre as vacinadas, pode ser reflexo do ambiente em que estão — expostas ao vírus com mais frequência — e não da perda de eficácia das vacinas.

Se existe um ambiente em que há uma exposição repetida e persistente, ao longo do tempo, muitas destas pessoas vão ser infetadas”, referiu. “Possivelmente, é o que acontece em alguns lares.”

Quanto aos estudos serológicos, o investigador defendeu que são muito importantes, mas para uma avaliação diferente: para perceber, por exemplo, que percentagem da população não vacinada teve contacto com o vírus com uma infeção natural.