A morte de 11 cães no hotel canino do Bosque dos Pimpões, em Mafra, pode não ter sido consequência do desaparecimento da responsável pelo espaço, encontrada dias depois pela GNR, mas sim de uma situação de negligência que se arrastava há anos.

O alerta foi dado na quinta-feira, quando foram encontrados 11 cães mortos e vários visivelmente famintos e debilitados neste local. O capitão Póvoa, comandante GNR de Torres Vedras, explicou, na altura, que “os animais poderiam já ter sido abandonados há vários dias”. Segundo o responsável, dos cães que se encontravam vivos, “dois foram devolvidos aos proprietários e outros dois entregues ao Canil Municipal de Mafra”.

A mulher que “acabou por ser encontrada no domingo, dentro de uma viatura e em estado muito debilitado“, foi “transportada ao hospital” e posteriormente “entregue ao cuidado de familiares, uma vez que a residência não reunia condições de habitabilidade e de higiene, após a remoção dos cadáveres dos animais”, explicou o comandante à Lusa.

Afinal, quando começaram os problemas no Bosque dos Pimpões? Este espaço funcionava como hotel e também local de abrigo para cães — que eram recolhidos por associações e cidadãos — enquanto aguardavam por alguém que os adotasse. Todos os animais tinham pelo menos um tutor e/ou um padrinho ou madrinha que ajudavam a suportar os custos da estadia, comida e veterinário.

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Em declarações ao Observador, uma fonte ligada à Associação de Defesa e Proteção dos Animais — Adoromimos — que chegou a trabalhar com o Bosque dos Pimpões, enviando cães para ficarem ao cuidado no hotel, afirma que “os cães não morreram numa semana, pois numa semana os cães não viram ossadas”.

“Esta situação foi surpreendente porque a pessoa em causa era recomendada e conhecida por toda a gente pelo seu trabalho na causa animal”, acrescentou a mesma fonte.

A associação não trabalha com o hotel desde 2019, e desde que a pandemia começou era muito difícil ver quaisquer sinais de maus-tratos, porque os voluntários não eram autorizados a entrar no hotel canino, refere a mesma fonte.

“Por causa da pandemia nós quisemos ajudar com ração, mas mesmo assim não pudemos passar do portão. Por causa da Covid-19, respeitámos o pedido e não suspeitámos de nada.”

As notícias que deram conta da morte dos cães fizeram soar alarmes entre quem conhece o caso de perto: quando várias pessoas começaram a partilhar experiências entre si foi possível perceber que algo não estava bem.

“Apercebemo-nos de que as pessoas recebiam a informação de que os cães eram adotados, mas nunca recebiam fotografias que confirmassem [a adoção] e as justificações eram sempre as mesmas” e não muito credíveis, diz.

A ativista Shandra Almeida, que conhecia o trabalho da responsável pelo hotel canino até ao início de 2019, diz que em 28 anos de defesa pela causa animal nunca viu nada assim. “O pior é que foram encontrados 11 cadáveres, mas há cães que ainda não sabemos onde estão. Ou seja, o número de cães desaparecidos soma mais do que o número dos cães que encontrámos”, disse.

Os tutores que receberam a informação de que os cães que tinham sido adotados acreditam, agora ,que não lhes foi dita a verdade e que os cães acabaram por nunca sair do Bosque dos Pimpões, conta Shandra Almeida.

“A senhora dizia que os animais eram adotados, mas os tutores nunca recebiam fotografias que confirmassem isso e todos recebiam a mesma desculpa — ela dizia sempre que os donos não tinham redes sociais nem gostavam de fotografias.

Raquel Osório, tutora do Ringo, um cão que ficou ao cuidado do Bosque dos Pimpões, diz que pagava 155 euros por mês — além de custos adicionais pelo veterinário (já que Ringo teve vários problemas de saúde, incluindo um maxilar partido), e que assim que foram encontrados donos para o cão, em janeiro de 2020, a responsável pelo espaço quis ficar com ele.

Isto depois de terem sido encetados inúmeros esforços para que Ringo fosse adotado, incluindo uma sessão fotográfica com um fotógrafo profissional cujas imagens foram partilhadas para tentar encontrar novos donos para o cão.

“Deixei de pagar quando ela aceitou ficar com ele. Disse-me que tinha uma ligação com ele e eu tinha confiança cega nela”. Agora, Raquel acredita que um dos cães mortos é o Ringo e está à espera de confirmação, visto que o animal tinha chip, ainda registado em nome da tutora.

Uma antiga cliente do espaço, que até ao final de 2018 usava os serviços de hotel como tutora, mas também como dona de cães que não viviam no Bosque dos Pimpões,  diz que esta informação foi “como um balde de água fria”.

“Eu comecei a deixar lá os animais como protetora e depois deixei os meus animais como dona e não tenho nada para me queixar. A pessoa em questão era conhecida por ser uma mulher que gostava de animais.”

A antiga cliente conta que deixou lá cães de raças perigosas e que eram cuidados com bastante carinho e atenção. “Cheguei a pagar 200 euros por dois cães [como tutora]. Sempre entrei dentro do hotel, mas deixei de ter contacto a partir do final de 2018, quando mudei de casa”, afirma.

O caso já foi reportado ao Ministério Público.

Cães abandonados em hotel canino encontrados mortos em Mafra

O Observador tentou entrar em contacto com a responsável pelo bosque dos Pimpões, mas até à data de publicação desde artigo não obteve resposta.