A massa de ar quente vinda de África, o aumento das temperaturas (até ao dia mais quente do ano no sábado) e a baixa humidade criam as condições ideais para se desenvolverem grandes incêndios em Portugal e colocaram, até ao momento, 50 concelhos em risco máximo e 80 em risco muito elevado de incêndio. O grande sucesso seria conseguirmos ter, com estas condições meteorológicas, menos incêndios e menos área ardida, diz Domingos Xavier Viegas ao Observador. Carlos da Câmara concorda: “Vitória não é vencer o fogo. O que é derrota é ter acontecido o incêndio”.

Temperatura máxima sobe até aos 38 graus. Cerca de 50 concelhos em risco máximo de incêndio

“É muito importante perceber que um maior risco de incêndio não corresponde a um maior número de ocorrências”, diz o especialista em incêndios florestais. Termos menos focos de incêndio (menos ignições) ou conseguir controlá-los rapidamente depende sobretudo dos cidadãos, defende Domingos Xavier Viegas. “Mais de 95% dos incêndios são causados por intervenção humana.” Nem sempre com intenção de causar danos, mas muitas vezes por descuido, negligência ou desconhecimento.

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São três fatores a ter em conta quando falamos do perigo de incêndio — o chamado triângulo do fogo —, explica ao Observador o climatologista Carlos da Câmara: a meteorologia (se as condições meteorológicas são favoráveis ou não), o combustível (que depende da quantidade de vegetação e do nível de secura) e a ignição (que depende maioritariamente do comportamento das pessoas).

A meteorologia não controlamos, mas conseguimos prever cada vez melhor, o que nos permite preparar e antecipar o que pode vir, diz o investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O ordenamento do território, o abandono dos territórios rurais e a falta de gestão florestal adequada são problemas identificados, mas que ainda levarão muito tempo a resolver. Sobra o comportamento dos cidadãos e aquilo que podem fazer para evitar os incêndios ou sinalizar um fogo precocemente.

Primeiro ministro pede “cuidados acrescidos” numa altura de maiores riscos para incêndios

Aquilo que temos para os próximos dias, avisa Carlos da Câmara, é uma combinação de condições meteorológicas adversas, a chamada “regra dos 30” para se definir o risco de incêndio: temperaturas acima dos 30 ºC, humidade abaixo dos 30% e ventos de intensidade superior a 30 quilómetros por hora. “Se estivermos mais de 30 dias sem chuva, está o caldo entornado.” Se a situação já não é boa em termo gerais, é pior em determinadas regiões do país, como no interior (de Bragança a Castelo Branco) e as serras algarvias, visto que no Minho e no litoral oeste choveu recentemente.

” [As temperaturas] vão aumentar, mas estamos no verão. É natural nos climas mediterrânicos que exista calor e que esteja seco, que é o que se tem passado”, disse o adjunto de Operações Nacional da Proteção Civil, Carlos Mata, à rádio Observador, acrescentando que nada indica que os fogos de grandes dimensões registados na Grécia ou na Turquia se venham a replicar em Portugal.

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Domingos Xavier Viegas concorda que não estaremos numa situação semelhante, desde que nos comportemos com civismo. “É possível conviver com estas condições [que aumentam o risco de incêndio] ou até com condições mais adversas”, sem sermos confrontados com ocorrências graves, diz o investigador. “Depende muito da vontade das pessoas.”

Antes de mais, as pessoas precisam tomar consciência de que as condições mudaram. “E que o clima mudou mais rápido do que a mentalidade das pessoas”, diz Carlos da Câmara. As temperaturas altas, a secura, os fenómenos extremos e as alterações climáticas criam condições para incêndios mais violentos. Uma análise à área ardida pelos cinco maiores incêndios de cada ano, mostra que esta área aumenta todos os anos, conta Domingos Xavier Viegas. Situações semelhantes acontecem em outros países da Europa e nos Estados Unidos.

Mas também mudou o interior do país, onde há mais floresta e onde os fogos florestais são mais comuns. Há menos pessoas nas zonas rurais e a população está mais envelhecida e, como consequência, há menos recolha de materiais na floresta (que ajudava a fazer a limpeza das matas), menos campos agrícolas (que serviam de obstáculos à passagem do fogo) e menos pessoas no campo que possam sinalizar rapidamente um novo foco de incêndio como acontecia no passado. Além disso, quem lá ficou não percebe porque é que tem de mudar práticas (como as queimadas) que são feitas da mesma forma há várias gerações.

Nos anos 1940, 1950 ou até 1970, havia muito menos incêndios e menos área ardida”, diz o investigador da Universidade de Coimbra. “Havia menos recursos [de prevenção e combate a incêndios], mas havia mais pessoas a viver nas áreas rurais — que atacam logo — e não permitiam que se tornasse um grande foco de incêndio”, lembra. “Agora, temos mais recursos, mas falta um deteção rápida.”

As recomendações, em caso de risco de incêndio, são sempre as mesmas: não fazer queimadas nem queima de sobrantes florestais ou agrícolas, não fazer fogueiras na floresta e não lançar beatas no chão na proximidade da vegetação. É ainda muito importante não usar máquinas para roçar o mato ou qualquer outro tipo de máquinas cujo movimento possa fazer o metal embater numa rocha e provocar uma faísca. Pode parecer uma cena de um filme, mas é uma causa importante de ignições que depois se podem transformar num fogo descontrolado.

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Sem novidades nas recomendações, os dois investigadores ouvidos pelo Observador concordam que têm de ser repetidas e reforçadas desde tenra idade, porque a chave para o problema está na educação e formação da população. “A pouco e pouco teremos uma população mais bem preparada para lidar com o problema”, diz Domingos Xavier Viegas. “Porque não acontece só aos outros.”

Carlos da Câmara diz que o problema é exatamente esse: a população das áreas urbanas está completamente desligada do que é um incêndio florestal, “acham que tem de ter sempre uma causa extraordinária”, como um incendiário ou uma raio — que, na verdade, são causas menos frequentes das ignições.