A cidade de Cabul estava calma esta terça-feira, com os cidadãos a retomarem as suas atividades diárias, após os rebeldes talibãs terem assumido o controlo da capital do Afeganistão no domingo, segundo relatos das agências noticiosas internacionais.

Em várias ruas de Cabul no segundo dia de controlo dos rebeldes, os agentes de trânsito foram novamente vistos a controlar a circulação automóvel esta manhã, lojas reabriram e o pessoal dos hospitais e centros de saúde retomou as suas funções, noticiaram a EFE e a France-Presse (AFP).

Mas poucas mulheres atreveram-se a aventurar-se nas ruas e há sinais de que a vida não será a mesma no Emirado Islâmico do Afeganistão, a designação talibã do país.

Burcas, medo silencioso e regresso da justiça medieval. Como é agora a vida no Afeganistão que os talibãs controlam

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Segundo a AFP, os homens trocaram as suas roupas ocidentais pelo “shalwar kameez”, o traje tradicional afegão, e a televisão estatal estava agora a transmitir principalmente programas islâmicos.

Desde que entraram em Cabul no domingo, após uma fulgurante ofensiva que em apenas 10 dias lhes permitiu assumir o controlo de quase todo o país, os talibãs multiplicaram gestos de apaziguamento para com a população.

Como em apenas três meses os talibãs conseguiram entrar em Cabul e derrubar o governo afegão

O movimento anunciou esta terça uma “amnistia geral” para todos os funcionários públicos e apelou para todos voltarem aos seus “hábitos de vida em plena confiança”.

“O Emirado Islâmico não quer que as mulheres sejam vítimas… Elas deveriam estar na [estrutura governamental, de acordo com a lei Sharia”, referiu Enmullah Samangani, membro da Comissão Cultural do Emirado Islâmico, citado pela Associated Press, não adiantando ainda assim grandes detalhes sobre a estrutura do futuro governo.

Temendo que os funcionários do governo deposto fossem vistos como traidores aos olhos dos talibãs, os líderes políticos do movimento rebelde asseguraram que todos “foram perdoados”.

“A situação em Cabul está sob controlo. Algumas pessoas que se envolveram em delitos foram detidas”, disse numa mensagem o porta-voz dos talibãs, Zabihullah Mujahid, citado pela EFE.

O chefe da Comissão Militar dos Talibãs, Mullah Yaqoub, emitiu uma declaração esta terça-feira em que dizia que ninguém pode entrar na casa de ninguém, especialmente na cidade de Cabul, avança a Al Jazeera. A declaração do líder extremista surge depois de alguns relatos, não confirmados, de que os talibãs teriam já entrado na casa de várias pessoas na capital do país.

Vídeos divulgados pelos talibãs mostraram um encontro de elementos do movimento com pessoal médico de um hospital, incluindo mulheres, a quem pediram para “levar todos aos seus trabalhos e fazer o seu trabalho normalmente”, de acordo com os insurgentes.

Mas há quem admita que “as pessoas têm medo do desconhecido”, como disse um lojista em Cabul à AFP. “Eles não incomodam ninguém, mas é claro que as pessoas têm medo”, acrescentou.

Os talibãs também afirmaram ter garantido a segurança das missões diplomáticas e humanitárias no país, com maior proteção do que a oferecida pelo governo do Presidente Ashraf Ghani, que fugiu do Afeganistão no domingo.

Um dia faz diferença. Há mudanças significativas na cidade

Frud Bezhan, jornalista freelancer no Afeganistão a fazer cobertura para a Radio Free Europe, conta na sua conta de Twitter como tem sido o novo normal em Cabul. Descreve que não há quase mulheres nas ruas, e que muitas delas usam burka e estão acompanhadas por um elemento masculino. “Algumas partes da cidade ainda estão estranhamente sossegadas. Noutras zonas, os bazares reabrem, as pessoas saem”, escreve, dizendo que apesar disso ainda há muita gente que se esconde em casa “demasiado assustados para se aventurarem a sair”.

A televisão estatal do Afeganistão, diz, está a transmitir anúncios talibã e programas islâmicos pré-gravados, enquanto que nas redes privadas de televisão são poucas as mulheres à frente das câmaras.

Com a tomada de poder por parte dos talibãs, na segunda-feira, os canais de televisão no Afeganistão começaram a retirar mulheres pivôs das emissões. Porém, esta terça, o canal Tolo News disse que estava a retomar o uso de apresentadoras femininas, tanto em estúdio, ao vivo, como nas ruas da capital. Segundo a EFE, trata-se de algo impensável durante o anterior regime talibã (1996 a 2001), quando as mulheres estavam confinadas às suas casas.

No programa em estúdio, a apresentadora Beheshta Arghand entrevista Mawlawi Abdulhaq Hemad, um membro próximo da equipa de comunicação de imprensa dos talibãs, sobre a situação de Cabul e as buscas em casas na cidade. Também do canal Tolo News, foram registados alguns momentos de jornalistas mulheres em reportagem na rua.

Os talibãs, que controlam a segurança do país e detêm a maior parte do território, não formaram oficialmente um governo nem nomearam líderes para o dirigir. O ex-presidente afegão Hamid Karzai e o presidente do Alto Conselho para a Reconciliação Nacional, Abdullah Abdullah, disseram numa mensagem conjunta que estão em conversações com os líderes talibãs para alcançar a paz e a segurança em todo o país. Karzai e Abdullah, juntamente com o líder do partido Hizb-e-Islami e o antigo senhor da guerra Gulbuddin Hekmatyar, fazem parte de um conselho provisório formado para ajudar na transição de poder depois de Ghani ter deixado secretamente o país.