Já se questionou porque é que há casais em que só uma das pessoas fica infetada com o SARS-CoV-2 e adoece, enquanto a outro parece estar imune, apesar de viverem na mesma casa e não adotarem medidas de prevenção da infeção?
Foi essa dúvida que encaminhou Mayana Zatz, professora de Genética na Universidade de São Paulo (Brasil), ao trabalho que desenvolve neste momento: perceber se existem fatores genéticos que façam com que uma pessoa fique protegida.
A ideia surgiu-lhe mesmo à porta de casa com um casal de vizinhos de meia idade: ele teve de ser internado com Covid-19, ela não teve sequer sinais da infeção. Depois disso, a investigadora foi à televisão pedir a casais nesta situação (em que um ficou infetado e outro não) que se juntassem ao projeto.
Receberam quase 3.000 emails de resposta, disse a geneticista ao STAT News. Destes, 100 casais foram selecionados para que o genoma pudesse ser sequenciado, neste caso, para ser feita a leitura dos genes que regulam as principais respostas do sistema imunitário contra o vírus.
O interesse são as pessoas realmente resistentes ao vírus, aquelas que, mesmo em contacto com o vírus, não são infetadas (o vírus não consegue entrar nas células). Caso diferente são aquelas cujo sistema imunitário consegue eliminar o vírus antes de se desenvolverem sintomas. Nestes casos, há infeção (o vírus entra nas células), mas a pessoa não adoece.
Como se distinguem? Os resistentes não têm anticorpos contra a Covid-19, os outros sim, mesmo que tenham ficado assintomáticos.
As pessoas cujas características genéticas lhes permitem ser imunes ao vírus podem fornecer pistas sobre potenciais tratamentos a serem usados pelas pessoas suscetíveis à infeção. Por exemplo, uma equipa de cientistas da Universidade de Nova Iorque Escola de Medicina Icahn, em Mount Sinai, identificou vários genes que, potencialmente, podiam estar envolvidos na dita resistência ao coronavírus.
Um destes genes tornava a célula incapaz de colocar a proteína ACE2 na membrana. Ora, é precisamente este proteína que o coronavírus usa como ‘chave’ para entrar nas células humanas. Um medicamento que tenha o mesmo efeito dessa modificação do gene pode impedir que o SARS-CoV-2 entre nas células.
Os investigadores descobriram outros genes cuja modificação ou ausência podem afetar a infeção pelo coronavírus e, para muitos, já existem medicamentos aprovados pelas agências do medicamento capazes de os inibir, reporta o STAT News. O que os investigadores ainda não sabem é se a inibição dos genes, com esses medicamentos, tem mesmo efeito sobre a infeção com SARS-CoV-2.
Outra dúvida é se bastará a inibição de um gene para impedir a infeção ou se, nas pessoas resistentes, há a combinação de modificação de vários genes que leva a esse resultado.
O VIH é um exemplo das dificuldades desta abordagem, lembra o jornal. Há um gene que confere resistência à infeção com o vírus da imunodeficiência humana que foi descoberto nos anos 1990, mas ainda não foi possível criar medicamentos que reproduzam esta ação e impeçam a infeção.