Considerado o “processo do século” em França, o mega julgamento dos atentados de Paris arrancou esta quarta-feira no Palácio de Justiça da capital francesa, propositadamente remodelado para a ocasião. As atenções estavam todas viradas para Salah Abdeslam, o único alegado terrorista suspeito de participar diretamente nos ataques de dia 13 de novembro de 2015 nos quais morreram 130 pessoas e mais de 350 ficaram feridas.
Contrariamente ao que se esperava, o belga de origem marroquina não se remeteu ao silêncio como fez em outros julgamentos. Tendo sido o primeiro a falar, Salah Abdeslam iniciou o discurso referindo que “não há nenhum Deus a não ser Alá e que Maomé é o seu servo e o seu mensageiro”. Revelou depois que “deixou a sua profissão” para ser um “combatente do Estado Islâmico” e assegurou que os pais “não tiveram nada a ver” com os ataques de 2015 — dos quais não confessou, no entanto, a autoria.
Salah Abdeslam: "Tout d'abord, je tiens à témoigner qu'il n'y a pas de divinité à part Allah et que Mohamed est son messager".
"On verra ça plus tard", lui a répondu Jean-Louis Périès, président de la cour d’assises spéciale#AFP pic.twitter.com/mHwwOYz92S— Agence France-Presse (@afpfr) September 8, 2021
Salah Abdeslam era um dos 20 réus sentados em bancos dentro de uma caixa de vidro na sala de audiências dos Passos Perdidos. Lá também estava Farid Kharkhach, acusado de ter ajudado a organizar os atentados, e que se sentiu mal no decorrer da sessão. Por causa disso, no meio da tarde desta quarta-feira, o julgamento teve mesmo de ser suspenso.
Depois de a sessão ser retomada, os advogados do réu justificaram a indisposição pelas condições precárias da prisão, argumentando que, por esse motivo, o seu cliente se sente “enfraquecido” e “deprimido”. E Salah Abdeslam saiu em defesa de Farid Kharkhach, alertando para os problemas da cadeia onde cumpre pena, dizendo mesmo que há seis anos que é “tratado como um cão”. “Nós somos homens, temos direitos”, frisou, acrescentando que tem aguentado as condições precárias da prisão porque sabe que “depois da morte ressuscitará”.
Julgamento começou atrasado
Com hora prevista para as 12h30 (11h30 em Lisboa), o mega julgamento começou atrasado cerca de 45 minutos. Para o Palácio de Justiça de Paris, confluíram cinco juízes, 330 advogados, algumas vítimas dos ataques, 140 jornalistas de vários meios de comunicação social e ainda os 20 arguidos, que chegaram ao tribunal sob forte escolta policial.
É um processo com uma dimensão “histórica” e “extraordinária”, reconheceu o juiz Jean-Louis Périès que presidiu a sessão, e que deverá demorar nove meses até estar concluído. Desde esta quarta até sexta-feira, o tribunal vai analisar cerca de 1.800 requerimentos cíveis das vítimas, admitindo ainda constituir mais assistentes no processo. Isto obrigou a que maior parte do primeiro dia do julgamento tenha sido dedicado à identificação por parte dos advogados das vítimas que representam.
Pelo meio, Maître Dan Hazan, advogado da associação francesa das vítimas de terrorismo, foi um dos poucos a conseguir falar e sinalizou ao juiz que nenhum dos seus clientes se dirigiu ao Palácio de Justiça. As vítimas preferiram assistir em casa por causa da “dureza dos factos” e “da sobreexposição mediática”.
Um controlo de segurança apertado
Todos aqueles que quiseram entrar no Palácio de Justiça tiveram de passar por um apertado controlo de segurança, que se estendeu à região da Île de la Cité. A prefeitura de polícia de Paris destacou em comunicado que “durante aproximadamente oito meses” será instalado um “dispositivo de segurança específico” para garantir “a segurança de um julgamento extraordinário”.
Les alentours du palais sont bouclés par les forces de l’ordre pour des mesures de sécurité. Tous les participants passent au détecteur de métaux avant d’entrer dans le palais #13Novembre2015 #SalahAbdeslam pic.twitter.com/im06IlA7E2
— Cécile de Sèze (@CecileDSZ) September 8, 2021
Para isso, será montado um perímetro de segurança nas imediações do Palácio de Justiça. O trânsito estará cortado e a circulação pedonal também está proibida nas imediações do tribunal — apenas pessoas com autorização poderão entrar, tendo antes obrigatoriamente de serem sujeitas a um controlo de segurança.
Em relação às audiências para ouvir as testemunhas, elas vão começar a 28 de setembro e cada parte terá meia hora para falar perante os juízes. O objetivo é que diariamente sejam ouvidas 14 pessoas por dia.