As atenções vão virar-se para o espaço esta madrugada quando a missão privada Inspiration 4 partir a bordo de uma cápsula Dragon no topo de um foguetão Falcon 9 da SpaceX. Tem sido um verão quente para a exploração privada protagonizada por civis, não por astronautas, mas esta missão é mais complexa do que os passeios que Richard Branson e Jeff Bezos fizeram até à fronteira com o espaço: vai atingir altitudes muito superiores, sem nenhum profissional a bordo, e cumprir objetivos que ninguém delineou desde 2009. Tudo por uma boa causa: angariar 200 milhões de dólares para financiar a investigação sobre o cancro em idade pediátrica.

O lançamento, que ocorrerá no Complexo de Lançamentos 39A da NASA, na Flórida, e que inspirou já um documentário na Netflix, está previsto para as 01h02 desta quinta-feira (hora de Portugal continental) e será transmitido na página de YouTube da SpaceX. A janela de oportunidade para o lançamento mantém-se aberta durante cinco horas — ou seja, se por algum motivo a missão não puder partir à hora marcada, ainda poderá levantar voo nas cinco horas seguintes. Caso isso não aconteça, uma nova janela de oportunidade volta a abrir-se na madrugada de quinta-feira para sexta às 01h05. Mas o mais provável é que tudo aconteça mesmo esta noite: as condições meteorológicas estão 90% favoráveis ao lançamento.

Não é que outros comuns mortais nunca tenham entrado em órbita em redor do planeta — é o caso do senador norte-americano Jake Garn, do príncipe saudita Abdulaziz al-Saud e a empresária iraniana Anousheh Ansari —, mas este será o primeiro voo orbital da História composto exclusivamente por civis: todos tiveram um treino básico de seis meses para suportarem as desafiantes condições de um voo orbital, nenhum deles é especialista na matéria. Além disso, são os primeiros turistas espaciais orbitais desde 2009 — não, Richard Branson e Jeff Bezos não contam porque se ficaram por um voo suborbital que durou poucos minutos.

Outra diferença entre esta missão e as que foram conduzidas pela Virgin Galactic e pela Blue Origin é que os seus ocupantes são mais anónimos. O mais famoso de todos eles é Jared Isaacman, diretor executivo da empresa de processamento de pagamentos Shift4 Payments que financiou todo o projeto. É ele o mais experiente em voos em altitude, mas nada comparado com a generalidade dos astronautas das maiores agências espaciais do mundo: é piloto de jatos, faz voos acrobáticos e fundou a maior empresa privada de força aérea do mundo, com o objetivo de vir a treinar militares dos Estados Unidos.

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Com Jared Isaacman vão viajar três pessoas: Hayley Arceneaux, uma médica do St. Jude Children’s Research Hospital que sobreviveu a um osteosarcoma quando era criança; Chris Sembroski, um veterano de guerra que combateu no Iraque e trabalha na indústria aeroespacial; e Sian Proctor, uma professora de geociência e comunicadora de ciência na área da exploração espacial. Cada um deles representa um pilar para a missão: Jared Isaacman é a liderança, Hayley Arceneaux representa a esperança, Chris Sembroski simboliza a generosidade e Sian Proctor a prosperidade. Esta última tem uma responsabilidade adicional: toda a América guarda na memória a história de Christa McAuliffe, professora que seguiu numa missão desta natureza para o espaço, mas que morreu no acidente do Challenger em 1986.

Os quatro vão orbitar a Terra numa altitude ainda mais elevada do que a da Estação Espacial (420 quilómetros) e o Telescópio Hubble (540 quilómetros): 575 quilómetros. Aliás, é a primeira vez desde 2009 que uma missão orbital não acopla com a Estação Espacial Internacional: nos últimos 12 anos, todas as missões tripuladas sem exceção terminaram no laboratório espacial. O desafio é de tal ordem que nenhum astronauta europeu ou chinês voou para tão longe da superfície terrestre como a equipa de quatro pessoas que seguirá para o espaço esta madrugada. E muitos dos astronautas mais experientes do planeta — os da NASA e da Roscosmos — também nunca tiveram essa experiência.

Durante a sua estada de três dias no espaço, os quatro civis vão participar em experiências científicas realizadas em gravidade zero a bordo da cápsula Crew Dragon, batizada com o nome “Resilience” — em português, “Resiliência” —, mas o principal objetivo é sensibilizar a população mundial para a investigação na área da oncologia pediátrica e angariar mais 100 milhões de dólares para serem aplicados na investigação de tratamentos contra o cancro no St. Jude Children’s Hospital. O valor pode ser doado aqui e juntar-se-á aos outros 100 milhões de dólares que Jared Isaacman já tem reservado para o projeto.