O número foi anunciado no relatório de vacinação da última terça-feira, mas não corresponde à verdade que 100% das pessoas a partir dos 65 anos estejam completamente vacinadas contra a Covid-19 em Portugal. Nem toda a gente nessa faixa etária levou efetivamente a vacina. Então, como são feitas as contas da Direção-Geral da Saúde? Em primeiro lugar, a população não residente que foi imunizada em Portugal é a chave para se perceber os cálculos.

A resposta está nos detalhes. Na última página do relatório de vacinação da Direção-Geral da Saúde (DGS), as autoridades de saúde descrevem cobertura vacinal como a “proporção da população residente que tem registo de vacinação”. As notas do documento acrescentam ainda que essa proporção é calculada através da “população censitária” de 2021 — 10.347.892 portugueses, menos dois pontos percentuais do que há 10 anos.

No entanto, os cálculos não são feitos com base nos dados dos Censos 2021 quando se efetua a desagregação etária, que está na origem desta percentagem. Nesse caso, a população é assumida de acordo com as estimativas do Instituto Nacional de Estatística (INE) e os dados referem-se à idade que os indivíduos tinham “no momento da extração de dados”. E todas as estimativas têm alguma margem de erro.

Ora, para calcular a percentagem de vacinados num determinado grupo etário, é necessário saber duas coisas: quantas pessoas dentro de cada faixa etária podem ser vacinadas contra a Covid-19; e quantas foram efetivamente inoculadas contra a doença. Dividindo esta última parcela pela primeira e multiplicando-se de seguida por 100 obtém-se a percentagem de vacinados na faixa etária em causa.

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Este pode ser o primeiro problema nos cálculos da DGS, sugere o matemático Óscar Felgueiras, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. É que o relatório de vacinação assume que o número de pessoas em cada faixa etária passível de ser vacinada corresponde à população residente em Portugal com essa idade, mas a realidade é mais complexa do que isso: o país está a vacinar não só as pessoas recenseadas como residentes, mas também a população que não está fixada em Portugal.

É o caso dos trabalhadores sazonais envolvidos na apanha da fruta, por exemplo, de estrangeiros que passam longas temporadas de férias em Portugal (e acabaram por ser vacinados por cá); ou de emigrantes portugueses dados como residentes noutros países, mas que dividem as suas vidas entre Portugal e o país para onde emigraram. Ou seja, o número de vacinados contabilizado pelo sistema não é necessariamente um subconjunto do universo de pessoas residentes em Portugal, o que pode deturpar a interpretação dos números.

Prova disso é que, tal como explica Óscar Felgueiras ao Observador, em rigor, a percentagem de pessoas com 80 anos ou mais que já recebeu pelo menos uma dose da vacina já vai em 102%. No caso dos grupos etários a partir dos 65 anos, a percentagem de vacinados com pelo menos dose até chega aos 103%; e com as duas doses está neste momento em 102%.

É assim porque se vacinou mais gente com essas idades do que o número de residentes para inocular. Alguma dessa população residente pode mesmo ainda não ter apanhado a vacina (ora porque a recusou, ora porque não a pode apanhar por motivos de saúde), mas a população não residente que já a tomou compensa — e até suplanta — essas faltas. Além disso, como os números de população são meras estimativas, haverá pequenas “nuances” que não permitem olhar verdadeiramente para o quadro real da cobertura vacinal.

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O que interessa é que as percentagens reais são, de facto, muito aproximadas ao calculado nos relatórios da DGS. Só que nestes casos, em matemática, não se está perante uma percentagem, mas sim um rácio, nota o especialista Óscar Felgueiras: “É quando se fala de quantidades que não estão necessariamente e totalmente relacionadas uma com a outra”.

É exatamente por isto que Gibraltar tem anunciado uma cobertura vacinal de pessoas com pelo menos uma dose acima dos 100% já desde abril: não é que toda a população gibraltarina esteja vacinada contra a Covid-19, mas o país já inoculou um número tão elevado de não residentes que o rácio já ia em 118% a 12 de setembro (com o esquema vacinal completo, ele desce para 116,7%). Além de Gibraltar, só outros dois países reportaram coberturas vacinais superiores à de Portugal: Emirados Árabes Unidos e as Ilhas Pitcairn.

O caso das Ilhas Pitcairn, onde 100% da população foi dada como vacinada com pelo menos um dose, é fácil de explicar: neste território britânico só vivem 47 pessoas de cinco famílias diferentes. Nos Emirados Árabes Unidos, ocorre outro fenómeno: os últimos dados relatados pelas autoridades de saúde (e resumidos na plataforma Our World in Data) dizem que a percentagem de pessoas vacinadas com pelo menos uma dose naquele país está prestes a atingir os 90%, mas à conta do elevado número de crianças que ali vive, a população passível de ser inoculada naquele país não chega a esse valor. Como é que os Emirados atingiram então aquele rácio? Porque também vacinou a população imigrante, que não estava recenseada como residente.

O Observador tentou contactar a Direção-Geral da Saúde para obter esclarecimentos sobre o anúncio de que 100% da população residente acima dos 65 anos em Portugal estaria totalmente vacinada contra a Covid-19, mas até ao momento não obteve qualquer resposta.