“Vamos fazer sanduíches com os flyers para distribuir mais rápido.” Tiago Mayan Gonçalves acha que não vale a pena, que é mais eficaz cada um carregar um monte diferente e colocar-se à vez nas caixas do correio. Cinco minutos depois, quando fica para trás a conversar com um antigo combatente que ainda não consegue circular gratuitamente nos transportes públicos (Mayan admite que não está dentro do caso, mas promete inteirar-se), as duas pessoas que o acompanhavam aproveitam uma mesa no meio do Bairro Aldoar para fazer a junção dos vários papéis que ali querem deixar.
Abrem o jornal de campanha de Rui Moreira, colocam no interior o flyer de Tiago Mayan Gonçalves e a folha indicativa do boletim de voto. Três em um. Tiago aproxima-se e mete mãos às obra, sem hesitar. O Observador questiona-o se concorda que desta forma o processo se torna mais eficaz e o antigo candidato à Presidência da República puxa da costela liberal para dizer que faz parte arriscar em novas estratégias e dar mérito quando são apostas certas. A estratégia manteve-se por mais dias e as “sanduíches” passaram a ser construídas onde dava mais jeito, muitas vezes em cima de um carro.
Tiago Mayan Gonçalves. O nome que há oito meses era desconhecido no panorama político nacional surpreendeu na candidatura a Presidente da República, apoiado pela Iniciativa Liberal, e abraça agora o desafio da candidatura à junta de freguesia de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde pelo movimento de Rui Moreira, onde já tinha sido eleito como suplente há quatro anos. Quase todos o conhecem, nem que seja da candidatura presidencial, mas mesmo assim faz questão de se apresentar cada vez que estica um panfleto: “Sou o Tiago Mayan e sou candidato aqui à junta.”
Na outra campanha que protagonizou, em janeiro, andou mais em reuniões de Zoom do que nas ruas e agora está a sentir muito mais o contacto com a população. “Posso garantir que estou mais rodeado de gente agora do que estive na campanha das Presidenciais”, diz, enquanto caminha pelo bairro que escolheu visitar na segunda-feira e entre conversas de vão de escada e a ausência de promessas.
“Os outros partidos prometem mundos e fundos”, atira Fernanda Moreira do cimo das escadas. Mayan viu uma senhora na entrada do prédio e entrou para entregar em mão o panfleto que estava a meter nas caixas de correio, mas “este fica já entregue”. A conversa prolonga-se por vários minutos, com queixas sobre desde o sítio do estendal, às chaminés, às baratas e à falta de um ringue para a “canalha brincar”. O candidato à junta de freguesia de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde ouve com atenção, vai dando opinião num ou noutro ponto, faz perguntas, mas a única promessa que tem é não fazer promessas: “Eu não estou aqui para prometer, ainda não ouviu promessa nenhuma da minha boca, vim ouvir.”
Garante que vai haver tempo para falar (e para continuar a ouvir) se chegar a presidente de junta, com “horas marcadas” para receber as pessoas da freguesia. “O senhor que estava na junta que faleceu, o senhor Nuno Ortigão, não tenho nada a dizer, era uma joia de pessoa”, recorda Fernanda, para dar um bom exemplo a quem pode ocupar o lugar. Caso o movimento de Rui Moreira continue a vencer naquela freguesia, será mesmo Tiago Mayan Gonçalves a presidir a junta. Mas até pode ter uma ajudinha a encontrar o gabinete: “Eu limpo a junta e conheço bem aquilo, se ganhar mostro-lhe onde fica o gabinete.”
Há mais trabalho a fazer e quando Tiago Mayan regressa ao centro do bairro já chegaram mais dois reforços para ajudar na distribuição. É uma equipa pequena, mas não falta organização. João Ambrósio, “braço direito de Mayan”, ajuda a gerir o trabalho. Segue no carro próprio cheio de papéis no porta-bagagens e é ele quem sabe que zonas estão feitas, o que já foi distribuído e o que falta fazer.
É o último a chegar ao almoço no Mercado da Foz entre as ações da manhã e as da tarde. Vem ao telemóvel. “Estavas a trabalhar?”, pergunta-lhe Mayan, quando já acabou o hambúrguer que pediu para o almoço. “Sim, estava a organizar umas coisas”, responde. O número de pessoas na mesa foi aumentando à medida que os minutos passaram. “Curiosamente somos todos liberais”, notou Tiago Mayan Gonçalves, antes da chegada de José Aguiar, o único independente que se sentou à mesa naquele dia.
Os dias até às eleições são cada vez menos e é preciso continuar a trabalhar: “Implementámos um novo sistema, criei zonas e há uma pessoa responsável para cada zona. É tudo organizado no Google Maps”, explica Mayan, enquanto aponta para o telemóvel onde se vê um mapa com divisões de várias cores. Um mapa interativo criado para o efeito. Até porque as pessoas que fazem campanha não são muitas, há dias em que é acompanhado por duas ou três, outros por quatro ou cinco. Mas os braços não se multiplicam e Mayan sente que o segredo está na organização.
O dia ainda vai a meio, é preciso pagar e seguir para uma reunião. Cada um paga o seu. Tiago Mayan Gonçalves mete a mochila às costas, desta vez uma florescente que o tem acompanhado durante toda a campanha. “Esta é da Maratona do Porto, já nem tem letras”, diz enquanto aponta. Lá dentro há panfletos, autocolantes, fitas, o manifesto eleitoral, mas também um bloco de notas, uma caneta, carregador e uma powerbank para o telemóvel.
Já o candidato a presidente de junta não sabe quando vai ter tempo para recarregar baterias. Teve 10 dias de férias e tirou os restantes para dedicar à campanha eleitoral. Agora, caso venha a ser eleito, vai manter o trabalho como consultor no Instituto Universitário da Maia (ISMAI) e acumular com o trabalho de autarca. Vai tirar do “tempo livre” o tempo para a junta, retirar tempo à “vida pessoal”. “É o que farei”. E garante que pelo menos duas vezes por semana quer ter um espaço aberto para poder ouvir quem vive na freguesia.
Ainda sem ter conquistado a junta, Mayan Gonçalves já sente a responsabilidade de estar num cargo em que os “executivos são escolhidos diretamente pelo eleitor”, onde há um “vínculo direto entre o voto e a pessoa escolhida”. “Aí assumem uma dignidade e um vínculo muito específico com o eleitorado e por isso mesmo é que têm de ser a cara e estar dispostos a ouvir tudo”, argumenta, admitindo que este “torna a responsabilidade maior”.