No cineteatro Capitólio, em Lisboa, o lugar escolhido pela direção nacional do Bloco de Esquerda para acompanhar o domingo de eleições, a noite foi de adiamentos. Primeiro, foi Pedro Filipe Soares, o líder parlamentar do partido, a subir ao púlpito por volta das 22h para dizer que, apesar de as projeções serem “simpáticas”, seria preciso esperar para que os resultados pudessem merecer uma análise mais pormenorizada. Hora e meia depois, a coordenadora nacional do partido, Catarina Martins, tomou a palavra perante cerca de uma centena de apoiantes do partido para formalizar o adiamento. “Esta vai ser uma noite longa”, disse, remetendo para a manhã de segunda-feira, após a reunião da direção nacional, a reação oficial do partido.
Perante a reação, que a própria Catarina Martins classificou como “preliminar”, o grande grupo de jornalistas que acompanhava a noite eleitoral do Bloco de Esquerda começou a desmobilizar. Minutos depois, chegava uma informação contraditória da parte da estrutura bloquista: afinal, talvez a candidata do partido à câmara de Lisboa, Beatriz Gomes Dias, que assistira na primeira fila ao discurso de Catarina Martins, ainda discursasse na noite de domingo. Tudo dependia de como evoluíssem nos momentos seguintes os resultados em Lisboa.
Também ali, entre os apoiantes, militantes e deputados do Bloco de Esquerda, as projeções divulgadas às 21h pelas televisões tinham causado grande espanto: contra todas as expectativas, Fernando Medina não tinha a vitória na câmara de Lisboa garantida e o empate técnico entre o atual presidente da autarquia e o ex-comissário europeu Carlos Moedas faziam antever uma longa noite de contagem de votos. Dessa contagem de votos dependeria também a leitura que o Bloco de Esquerda faria da sua própria noite eleitoral — e quando se tornou claro que o veredicto ainda demoraria (a vitória de Moedas só seria um dado adquirido por volta das 2h da manhã), a estrutura bloquista confirmou que já não haveria discurso da candidata.
Foi a própria Catarina Martins a reconhecer que o Bloco de Esquerda partia para estas eleições com “humildade”.
Depois de, em 2013, ter perdido a câmara municipal de Salvaterra de Magos — a única que teve durante vários anos — para o PS, o Bloco viu a sua presença autárquica, historicamente muito tímida, reduzida a um punhado de vereadores por todo o país. Quatro anos depois, o partido expandiu ligeiramente a sua implantação autárquica, elegendo 12 vereadores (Portimão, Amadora, Lisboa, Vila Franca de Xira, Abrantes, Entroncamento, Salvaterra de Magos, Torres Novas, Almada, Moita e Seixal). Para um partido que, pela sua natureza, sempre teve uma implantação local e regional muito reduzida, o grande trunfo autárquico dos últimos quatro anos foi o acordo estabelecido com o PS na câmara de Lisboa: com apenas oito vereadores eleitos, a lista de Fernando Medina não obtivera a maioria absoluta entre os 17 vereadores que compõem o executivo; mas bastaria o apoio do vereador bloquista (Ricardo Robles, substituído a meio do mandato por Manuel Grilo na sequência da polémica imobiliária envolvendo o primeiro) para assegurar a maioria aos socialistas.
Tendo na possibilidade de um acordo com o PS em Lisboa a sua melhor oportunidade para ganhar influência autárquica, o Bloco de Esquerda centrou uma boa parte da sua campanha a mostrar-se disponível para ser uma solução de governação em Lisboa aliando-se ao PS. Com a reviravolta ocorrida ao início da noite com a divulgação das projeções, também aquela ambição dos bloquistas poderia sair frustrada. Daí o adiamento. De dentro da estrutura do Bloco de Esquerda, a indicação era a de que Beatriz Gomes Dias falaria quando se soubesse se Medina tinha vencido e se o vereador bloquista seria necessário ou suficiente para assegurar a maioria no executivo: aí, a candidata do Bloco de Esquerda poderia surgir a assumir-se como parte de uma solução à esquerda em Lisboa.
Não aconteceria. A vitória de Carlos Moedas, que traduz-se num executivo camarário bastante dividido (sete vereadores do PSD/CDS, sete do PS, dois da CDU e um do Bloco de Esquerda), deixa o Bloco incapaz de agir para influenciar os destinos da capital. Ainda que a lei eleitoral preveja que o executivo é presidido pelo cabeça-de-lista do partido vencedor (impossibilitando a criação de soluções tipo geringonça), o que é certo é que Carlos Moedas terá pela frente uma governação em minoria, com mais vereadores de esquerda do que de direita — e com a possibilidade de um entendimento entre PS e PCP ser suficiente para chumbar decisões na autarquia. É ainda incerto o papel que o Bloco desempenhará nesta relação de forças.
Mas não foi só a redução da capacidade de influência na câmara da capital que ditou uma noite de derrota para o Bloco de Esquerda.
Por volta das 4h da manhã, os resultados contabilizados oficialmente ainda só apontavam para a eleição de dois vereadores do Bloco de Esquerda — um número com potencial para aumentar durante a madrugada à medida que mais freguesias, sobretudo nos centros urbanos, fechavam a contabilização dos votos. Porém, basta uma comparação com o Chega, que se apresenta pela primeira vez a umas eleições autárquicas, para perceber que o cenário é de desilusão para o Bloco: à mesma hora, o partido de André Ventura já somava 19 vereadores por todo o país, um número bem acima do melhor resultado de sempre do Bloco nestas eleições (12 vereadores em 2017). Um desses vereadores do Chega foi eleito em Salvaterra de Magos, a autarquia que o Bloco chegou a liderar durante três mandatos.