Passaram apenas quatro meses desde que Manchester United e Villarreal se encontraram pela última vez. Ou, dito de outra forma, passaram apenas quatro meses desde a final da Liga Europa. No final de maio e depois de um empate ao fim de 120 minutos, os espanhóis surpreenderam os ingleses após 22 penáltis e conquistaram o troféu. O penálti decisivo foi marcado pelo guarda-redes Gerónimo Rulli; o outro penálti decisivo foi defendido pelo guarda-redes Gerónimo Rulli.

“Já estava a afastar-me quando o árbitro disse: ‘Guarda-redes, é a tua vez’. Eu? De certeza? Já tinha perdido a conta. De certeza que não há mais ninguém? Desde o momento em que peguei na bola, o truque era não pensar. Nas grandes penalidades, um guarda-redes tem muito sozinho para pensar, para acumular pressão. Os teus colegas estão a marcar os penáltis todos, a responsabilidade aumenta e depois dependem apenas de ti. E isso é maravilhoso”, recorda o guarda-redes ao The Guardian. Ao fim de 21 penáltis, Rulli foi chamado a converter e bateu David de Gea. Instantes depois, os papéis inverteram-se e Rulli defendeu o pontapé de De Gea. O Villarreal tinha conquistado a Liga Europa, o Manchester United tinha caído.

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O guarda-redes argentino, titular apenas nas competições europeias e suplente de Sergio Asenjo internamente, lembra-se do sítio onde estava a mulher no estádio de Gdansk, na Polónia. “Lembro-me perfeitamente. Estava ao nível da marca de penálti, à esquerda. O resto da minha família não pôde estar está mas ela estava — e estava grávida, na altura. Disse-lhe: ‘Se os nervos não te matarem hoje, nada te mata’. Ela nem sequer conseguiu olhar”, conta Rulli, confessando depois que nunca tinha marcado uma grande penalidade. “Pensei nos penáltis que nós, guarda-redes, odiamos. Tinha de marcar para cima, onde é difícil chegar, e acima de tudo, com força. Mas tentei não pensar em nada, pensar teria sido pior. Era só marcar com força. E marquei com toda a minha alma”, garante o guardião.

David de Gea foi cumprimentar Rulli no meio da confusão e o argentino garante que gostaria de que não tivesse sido o espanhol a marcar o último penálti porque “os guarda-redes sofrem demasiado”. Certo é que, quatro meses depois, o Villarreal reencontrava o Manchester United na Liga dos Campeões, em Old Trafford e como campeão em título da Liga Europa. Na primeira jornada da fase de grupos, os espanhóis empataram em casa com a Atalanta, enquanto que os ingleses perderam com estrondo na Suíça com o Young Boys. No primeiro jogo da Champions em casa depois do regresso de Cristiano Ronaldo e na sequência de uma derrota difícil de engolir com o Aston Villa na Premier League, a equipa de Solskjaer tinha de corresponder contra o Villarreal.

“Neste clube, temos a obrigação de ganhar. E temos a obrigação de ganhar de uma certa maneira. Às vezes isso é arriscado e perdemos um ou dois jogos mas vamos chegar lá. Estou confiante de que vamos chegar lá com consistência nos resultados e de que em abril e maio vamos estar a lutar por troféus. O meu foco a curto prazo está sempre em ganhar o próximo jogo. A longo prazo, está em construir a equipa para continuar a melhorar, a ganhar. Por isso, o meu foco é ganhar o próximo jogo e apanhar a carruagem porque não começámos bem a competição”, disse o treinador norueguês, que é cada vez mais criticado pela opinião pública e pelo universo do Manchester United e que parecia depender do resultado contra os espanhóis para ter o futuro assegurado.

Contra o Villarreal, os red devils mantinham Cristiano Ronaldo, Bruno Fernandes (que era capitão) e Pogba mas eram forçados a três alterações na defesa, já que Luke Shaw e Harry Maguire estavam lesionados e eram substituídos por Lindelöf e Alex Telles e Wan-Bissaka estava castigado e proporcionava a titularidade de Diogo Dalot. Por opção, contudo, Solskjaer tirava Fred e colocava Jadon Sancho. Do outro lado e sem Gerard Moreno também por lesão, Unai Emery lançava Danjuma, Paco Alcácer e Pino no ataque — e Gerónimo Rulli na baliza.

Bastaram os primeiros instantes para que Ronaldo quebrasse mais um registo: ao jogar esta quarta-feira, o português chegou à 178.ª partida na Liga dos Campeões, ultrapassou Iker Casillas e tornou-se o jogador com mais presenças em encontros da principal competição europeia. Os minutos iniciais, porém, também deixaram claro que o Villarreal iria ter mais facilidades do que o expectável para ultrapassar a defesa adversária. Nesse setor, o Manchester United atuava com um único titular habitual, Varane, sendo que o central francês só chegou ao clube neste verão e ainda não está devidamente entrosado.

Danjuma teve a primeira grande oportunidade ainda dentro dos primeiros 10 minutos, com um remate cruzado que obrigou De Gea a uma intervenção esforçada (7′), e partiu daí para uma exibição muito acima da média. Cristiano Ronaldo cabeceou por cima na sequência de um canto (8′) e teve aí, nesse lance que nem sequer foi particularmente perigoso, o melhor momento dos red devils na primeira parte. O Villarreal esteve sempre melhor até ao intervalo e só não inaugurou o marcador porque De Gea estava inspirado: Danjuma obrigou o espanhol a mais uma defesa com um remate em jeito (10′), o guarda-redes parou um cabeceamento de Paco Alcácer (17′), Moreno atirou por cima (21′), Pino também falhou o alvo num lance em que Alex Telles teve responsabilidades (25′) e Alcácer rematou ao lado na sequência de um erro monumental de Varane (31′). Na direita, Diogo Dalot ia tendo muitas dificuldades para parar Danjuma, o jovem avançado de 24 anos que na época passada fez 15 golos pelo Bournemouth no Championship, e era a partir desse corredor que partia quase todo o perigo espanhol.

O jogo partiu nos últimos 10 minutos antes do intervalo, mais porque o Villarreal acalmou a pressão e a intensidade do que por mérito do Manchester United, mas os ingleses raramente conseguiram formular jogadas com início, meio e fim. Ronaldo estava sempre demasiado isolado na frente, Bruno Fernandes tentava fazer a diferença no corredor central mas era muito pressionado, Pogba não beneficiava do facto de estar mais encostado à esquerda e Sancho era o grande inconformado mas pouco conseguia fazer. Até ao final da primeira parte, De Gea ainda voltou a evitar mais um golo do Villarreal, desta feita depois de um remate de Pino (45′), e o Manchester United podia dar-se por satisfeito por ainda não estar a perder.

Na segunda parte, a dinâmica não se alterou e os espanhóis continuaram a ser genericamente sempre superiores, jogando quase sempre no meio-campo adversário e assumindo um nível de pressão que permitia muito pouco ao Manchester United. Ainda antes de estarem cumpridos 10 minutos depois do intervalo, o Villarreal chegou ao golo que falou no primeiro tempo: mais uma recuperação na zona do meio-campo, Trigueros conduziu descaído na esquerda e abriu em Danjuma, que aproveitou a passividade de Diogo Dalot para cruzar para o primeiro poste, onde Paco Alcácer apareceu a desviar (53′).

Depois do golo, Unai Emery tirou Paco Alcácer para lançar Boulaye Dia e o United, de forma natural, subiu no terreno e correu atrás do prejuízo. Bruno Fernandes teve a primeira situação de perigo, com um remate ao lado (56′), e acabou por ser um livre do jogador português a originar um empate: o médio ex-Sporting surpreendeu toda a gente ao bater atrasado e não para a área e descobriu Alex Telles, que rematou de primeira e de pé esquerdo para bater Rulli (60′). Instantes depois de finalmente ter chegado ao golo, o Villarreal era penalizado por ter recuado os setores demasiado depressa e ter confiado demasiado na vantagem alcançada.

Emery reagiu ao empate com várias substituições, lançando Estupiñán, Mandi, Gómez e Peña, e Solskjaer só mexeu a 15 minutos do fim, trocando Pogba e Sancho por Cavani e Matic. Depois do golo de Alex Telles, contudo, o jogo não voltou a ter características definidas e foi-se prolongando entre períodos de maior ascendente de parte a parte, sem que nenhuma das equipas conseguisse impor uma verdadeira superioridade ou criar oportunidades sucessivas. Cavani teve a vitória na cabeça, ao cabecear ao lado depois de um enorme cruzamento de Greenwood na direita (79′), mas desperdiçou tal como fez Dia na cara de De Gea.

Quando já todos, em Old Trafford, se preparavam para encarar o terceiro jogo seguido sem ganhar do Manchester United e o último lugar do Grupo F, apareceu algo inevitável. Ao quinto e último minuto de descontos, Cristiano Ronaldo apareceu descaído na direita e atirou para dentro da baliza já em esforço, carimbando uma vitória tirada a ferros pelos ingleses (2-1). No dia em que se tornou o jogador com mais presenças na Liga dos Campeões, o avançado português mostrou que até pode estar apagado, até pode estar escondido e até podia ter saído quando Solskjaer lançou Cavani ou Lingard. Mas Ronaldo fica sempre em campo porque no fim, quando se fazem as contas, ele é sempre Ronaldo e os outros são sempre meros mortais.

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