Gabriel Veron tinha acabado de entrar, apareceu que nem uma seta pela esquerda do ataque a ganhar uma bola que parecia perdida, cruzou rasteiro para a pequena área e Dudu só teve de encostar de carrinho para o golo. Num ambiente difícil, em desvantagem na eliminatória e com o peso das críticas a uma equipa que não sabia atacar, o Palmeiras conseguia o empate no Mineirão e passava assim para a frente na segunda mão das meias da Taça dos Libertadores. Um empate com golos chegava para a qualificação.

Abel cruzou o Atlântico porque lhe deram uma equipa. Abel ganhou porque criou uma família (a crónica da final da Libertadores)

Dos suplentes que estavam perto da linha lateral aos jogadores de campo, passando por mais elementos que estavam num banco de apoio, foi uma explosão. Corridas sem rumo, saltos, abraços, a festa total. Tudo como tinha acontecido 15 minutos antes, quando Eduardo Vargas adiantou o Atl. Mineiro e deixou o Galo a um pequeno passo da final (52′) perante a invasão do campo pelos suplentes para uma comemoração que o tempo mostrara que afinal tinha sido demasiado prematura. No meio das emoções, destacou-se Abel.

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O treinador português, ainda com um quadro na mão, saiu disparado para a zona da festa dos elementos do Palmeiras perto da sua área técnica e mandou todos de novo para o relvado para a quase meia hora de jogo ainda por disputar (contando com os descontos). O Verdão segurou mesmo a igualdade com golos depois do nulo na primeira mão e qualificou-se para a final da Taça dos Libertadores pelo segundo ano seguido. Houve lágrimas, houve agradecimentos a Deus, houve mensagens incluindo dos jogadores paulistas que apontavam para o símbolo e diziam “Tem de respeitar a história, tem de respeitar a história”. Abel, esse, explodiu por completo: primeiro olhou para a câmara que tinha mais ao pé do banco dizendo “Toma, toma, toma” enquanto era agarrado pelos adjuntos, depois fez sinal para mandar calar alguém, no relvado ainda teve um momento de tensão com elementos do Atl. Mineiro, acabou a beijar os jogadores.

Aquele gesto? Não foi para nenhum jogador do Atl. Mineiro nem para o seu treinador. Tenho um vizinho que mora no meu prédio que é um chato. Foi diretamente para o meu vizinho, porque quem manda na minha casa sou eu. Está calado! Quem trabalha dentro do Centro de Treinos sou eu e os meus jogadores. Defendo os meus jogadores porque são meus nas vitórias e derrotas. Ao meu vizinho, ‘shiu’!”, atirou mais tarde na conferência de imprensa.

Chegou, viu e venceu (outra vez): Abel conquista Taça do Brasil e soma segundo troféu pelo Palmeiras em quatro meses

O Palmeiras tem ainda 16 jogos do Campeonato pela frente até dezembro, a que se junta agora a final da Taça dos Libertadores. Desde janeiro deste ano, quando concluiu muitas das provas que seriam de 2020 mas que foram adiadas devido à pandemia, leva 73 encontros oficiais em dez competições diferentes (que podem ser a mesma mas de temporadas distintas). Ganhou a Taça dos Libertadores, ficou em quarto no Mundial de Clubes, conquistou a Taça do Brasil, perdeu a Supertaça do Brasil e a Supertaça Sul-Americana em quatro dias nos penáltis, caiu também no fase decisiva do Campeonato Paulista, está agora no segundo lugar do Campeonato atrás do Atl. Mineiro, chegou à final de mais uma prova continental. 

Entre esta montanha-russa que colocou o Palmeiras a lutar por todos os títulos, algo que não era uma realidade antes da sua chegada, Abel foi criticado nos últimos dias pela claque do clube, a Mancha Verde. “A postura deles em campo na maioria das partidas é displicente. Jogam quando querem, muitas vezes sem vontade. Sentaram-se em cima de três títulos. Com a sua prepotência europeia, precisa de entender que Portugal para o Brasil no futebol é como o Brasil para Portugal na economia: não dá para comprar e, antes de ensinar futebol, precisa aprender. Perdeu a equipa e o balneário há muito tempo. A equipa não tem sequer um padrão. A nossa contagem decrescente está a acabar. Querem calar a nossa boca? Só há uma saída: vençam, convençam e cheguem à final da Libertadores!”, colocaram num texto nas redes sociais.

Treinos de manhã, grupos de WhatsApp, drones e muito trabalho mental: a vida do Professor Abel até ser campeão em três meses

Há 15 anos que uma equipa não chegava a duas finais seguidas da maior competição sul-americana, há mais de duas décadas que o Palmeiras não conseguia obter o feito e Abel poderá ainda reforçar o estatuto de treinador com mais títulos pelo Verdão este século mesmo entre críticas de adeptos, de imprensa e dos adversários. No final, a explosão tocou a todos. E a inspiração foi também ela portuguesa.

“O destino desta equipa e deste treinador é fazer história aqui no Brasil. Já fizemos, nunca ninguém tinha ganho 3-0 fora ao River Plate, ganhámos a Taça dos Libertadores 21 anos depois. Passei dez anos para me tornar treinador. Respeito os jornalistas que falam o que estudaram e os ex-jogadores mas defesas ganham campeonatos e os ataques vencem jogos”, destacou, recordando dois jogos em 2003/04.

“Sou melhor treinador mas sou pior tio, filho, irmão”. Abel chorou e partilhou momento com o guarda-redes — mas não esqueceu as saudades

“Esta calma e inteligência foi inspirada no Manchester United-FC Porto. O Mourinho empatou em casa a zero e em Old Trafford fez um golo no final para avançar. Foi isso que eu disse aos meus jogadores, temos que fazer um golo e vamos fazer. Temos uma Libertadores impecável, limpinha, com mérito dos meus jogadores, trabalho árduo e disciplina, coisas que faltam no Brasil às vezes. É isso que faz a diferença entre um rato e um homem, acreditar no trabalho. Eu sou português com muito orgulho. Quando se olha para o Cristiano Ronaldo vê-se uma mentalidade vencedora e disso não vou me abdicar nunca”, frisou.

“Estou aqui para defender os nossos jogadores. Fazemos de tudo para engrandecer o clube, e não só eu, são todos os que passaram pelo Palmeiras. O Abel, com os seus erros, as suas virtudes, a sua equipa técnica, está a conseguir elevar o clubes. Podemos não ganhar nada este ano mas merecemos respeito. Respeito. Claque? Já convenci os torcedores do Palmeiras de coração. Os de interesse, ninguém vai convencer. Os que gostam de coração já convenci há muito tempo. E convenço nas derrotas e nas vitórias. O verdadeiro palmeirense vê-se nos momentos difíceis e dedico-lhes o apuramento. Amo o clube, os meus jogadores, as pessoas que trabalham no clube, e estou aqui por eles até o final. Ser do Palmeiras é ser diferente. Se o torcedor não entender isso, estaremos sempre nessa guerra”, destacou ainda Abel.