O conceito surgiu em setembro de 2011, em plena crise económica, e o projeto viu a luz do dia dois meses depois. Uma década volvida, o casal fundador reflete sobre o que mudou desde o dia em que decidiram transformar o Facebook numa espécie de mediador imobiliário. Fora do universo digital, a HomeLovers já tem espaço físico em terra, no Chiado — um T2 com cozinha ligada à salinha de estar e ao escritório em si. É aí, numa das artérias mais movimentadas de Lisboa, que Miguel e Madga Tilli recebem o Observador (o espaço esteve fechado durante um ano). No mar, a realidade é outra: a celebração de uma década traz casas-barcos.
10 anos em números (e uma pandemia pelo meio)
↓ Mostrar
↑ Esconder
- Numa altura anterior à pandemia, em média angariavam em Lisboa 20 a 25 casas por semana;
- Em maio de 2020 receberam quase 60 casas para venda ou arrendamento tradicional oriundas de Airbnb;
- Em 2011, no primeiro ano, faturaram 60 mil euros. Atualmente faturam 3 milhões;
- Em dez anos foram mais de 10.000 casas comercializadas;
- Nacionalidade dos clientes? Portugueses, brasileiros, franceses, americanos, libaneses, paquistaneses, etc.
A oportunidade do arrendamento e a montra do Facebook
Há dez anos um negócio correu mal, muito mal. Miguel Tilli, formado em Direito, quis dar uma volta à vida que levava e apostou no franchising, no Estoril, de uma marca que atualmente já não existe. A imobiliária tradicional acabou por ser um tiro no pé e, ao Observador, o fundador da HomeLovers (HL) conta como naquele ano ele e a família — Magda e os quatro filhos — passaram mal. “Era só pagar contas e não acontecia nada”, diz. Em oito a nove meses de atividade, Miguel vendeu apenas uma casa — tinham mais de 900 angariadas — e essa experiência levou a ensinamentos sobre como não fazer medição imobiliária. “Tivemos oportunidade de desconstruir o negócio”, lembra também Magda Tilli. “Passou por coisas simples como só tratarmos os clientes pelo nome e não deixarmos que os nossos colaboradores se apresentassem de uma forma que criasse distância”, diz. Saíram também de uma loja física e rumaram ao online, encontrando no Facebook uma oportunidade — o negócio foi até considerado caso exemplar naquela rede social.
O Facebook, que hoje tem um peso diferente, permitiu na altura uma maior aproximação com os clientes, e também a criação de relações. “Ficava fascinada quando as pessoas contavam que estavam a passar por divórcios ou que iam ter bebés”, recorda Magda, explicando a forma como as pessoas expunham as suas necessidades. Nesse rede social alcançaram uma faixa etária mais jovem que, na prática, veio a confirmar-se serem os filhos e os netos dos clientes da imobiliária. “Os clientes eram os nossos seguidores, no sentido em que iam dizer ao pai, ao tio e ao avô. E lá vinham os pais ter connosco”, lembra o casal que, numa fase inicial da HL, apenas apostou no arrendamento. De há quatro anos para cá, aconteceu a transição para o Instagram, onde acumulam mais de 41 mil seguidores (no dia anterior à entrevista começaram a experimentar o TikTok).
Miguel insiste que a HL foi a primeira imobiliária a ter exclusivamente fotografias profissionais (ao contrário do que acontecia no projeto anterior). Com sorte, encontraram uma fotógrafa que alinhou no conceito: não havendo dinheiro para investir, as fotografias de determinada casa só eram pagas no caso de se concretizar negócio. “O risco era bipartido.”

▲ Os fundadores da imobiliária fotografados no escritório no Chiado
JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR
Lives no Instagram? Na pandemia também se fizeram negócios
Miguel Tilli acredita “muito pouco” na compra de uma casa sem a visitar, ainda que admita que isso já aconteceu: não é fenómeno exclusivo da pandemia, embora sejam situações pontuais. Já Magda, que adora o universo digital, afiança que ainda existem muitas coisas físicas que poderiam deixar de o ser, como contratos e assinaturas. “Não digo que a última visita não seja feita fisicamente, mas tudo o resto pode não o ser.” Durante a pandemia, e com as dificuldades daí resultantes, a HL acabou por apostar nos lives do Instagram — à conta disso venderam algumas casas, incluindo uma a chegar aos 600 mil euros.
Mas não é qualquer casa que figura na lista da imobiliária, quanto mais nas respetivas redes sociais. No arranque do projeto Magda contrariou a vontade do Miguel e optou por ser muito seletiva nas casas disponíveis para arrendar — ainda hoje se recorda das quatro primeiras cuja localização estudada ao milímetro incluía Pátio Pimenta, Avenida de Roma e Príncipe Real, tudo em Lisboa. Entretanto, a operação já se estendeu a Porto, a Cascais e Comporta. Não vendem casas de luxo, garantem, mas sim inspiradoras. “Não quer dizer que hoje não tenhamos aberto um pouco mais o leque”, diz Magda. “Situamo-nos numa faixa média alta. Não é luxo, apesar de também termos casas de luxo”, completa Miguel.
Já aconteceu por diversas vezes uma casa não corresponder ao critério HL e não chegar ao site, ficando em backoffice, por fugir ao guião da imobiliária: tetos altos e trabalhados, chão de tábua corrida ou “caixas de correio giríssimas”. Desde o início que os clientes pensavam que a empresa fazia home staging. Mas o que há, garante o casal, são cuidados específicos, como determinadas coisas que não são fotografadas e o facto de a casa ter de estar arrumada (os sofás bem arranjados e os tapetes esticados, por exemplo). Coisas pessoais à vista? O mínimo possível, à exceção dos brinquedos espalhados pela casa para “humanizar” o ambiente. “Já encontrámos uma parede cheia de santos, era um pouco intenso, assustador. Lembro-me que a casa não era grande e tínhamos de cortar aquela parte”, recorda Magda.
Depois das casas, os barcos: todos a bordo?
Os confinamentos, na sequência da pandemia, trouxeram a vontade e a procura por espaços exteriores. “De repente, a casa passou ainda mais a ser o nosso espaço privilegiado e de trabalho também”, diz Magda. Segundo ela, os cuidados com a estética das casas foram redobrados, bem como a preferência por cozinhas abertas e por divisões que possam ser ajustadas à medida das necessidades. Ao fim de 10 anos no mercado, o casal recorda a propriedade mais surpreendente que já vendeu: um prédio-casa junto ao castelo de Lisboa, perto da Sé, que estava à venda por quase 2 milhões há 24 horas. “Foi lá um suíço, entrou, demorou cinco minutos e disse ‘Vou ficar com ela’. O senhor tinha quase 80 anos e a casa tinha quatro andares, era numa rua íngreme e as escadas tinham lances muitos grandes.” Miguel continua, até hoje, surpreendido.

© Divulgação
Eventualmente, depois de meses atípicos, foi preciso pensar em alternativas aos espaços fechados. Assim nasce a BoatLovers, que basicamente consiste em comprar ou alugar um barco (para eventos, passeios ou até como alternativa a um hotel) — neste momento, a BoatLovers conta com barcos em Lisboa, Tróia e Algarve. Magda Tilli fala numa mudança de paradigma e dá o exemplo de como o barco pode até ser um escritório. “Quando se fizer click, toda a gente vai olhar para o barco de forma diferente.” Miguel acrescenta: quem compra barcos tem, por norma, poder económico, sendo esta uma forma paralela de fazer crescer a empresa”. Dez anos depois, “é um win-win”.