É uma corrida contra o tempo (que neste caso já acabou). A lei que permite ao Governo intervir na fixação de margens na cadeia de comercialização dos combustíveis rodoviários e GPL foi aprovada esta sexta-feira em plenário depois de ter recebido a luz verde na especialidade na mesma semana em que foram ouvidas entidades sobre o tema.

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A APETRO (Associação Portuguesa das Empresas Petrolíferas) foi uma das entidades ouvidas pelo Parlamento, sendo naturalmente contra a medida. Esta sexta-feira, apresentou um estudo com os impactos potenciais negativos desta legislação, bem como pareceres jurídicos que apontam para a eventual inconstitucionalidade e uma limitação às liberdades económicas consagradas no tratado da União Europeia.

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O parecer redigido pelo escritório de Rebelo de Sousa refere que a proposta de lei do Governo vai contra o diploma que criou em 2006 a lei de bases do setor e que estabelece liberdade de fixação de preços nos combustíveis que são um mercado liberalizado e “viola a exigência de proteção da confiança decorrente do princípio da segurança jurídica” consagrado no artigo 2 da Constituição. Além de configurar “uma manifesta restrição ao direito da iniciativa privada”. Apesar destes parecer, a associação que representa as principais petrolíferas ainda não decidiu avançar para os tribunais para contra a legislação que neste altura ninguém sabe quando e como será aplicada.

O secretário-geral da associação António Comprido afirmou que o processo legislativo lançado pelo Governo em julho, mas que só foi apreciado no Parlamento em setembro, “bateu recordes na velocidade a que foi concluído”. E é quase um “cheque em branco à administração para intervir quando lhe apetece”, afirmou António Comprido, quando a anterior lei quadro só permitia ao Estado interferir em situação de emergência energética. Esta incerteza, diz, afeta os investimentos dos operadores e pode mesmo levar à redução da oferta ou ao contrário do que o Governo pretende: a subida dos preços finais.

Para a associação, a lei é “extremamente vaga” na medida em que não define critérios para a intervenção, nem o que são margens “excessivas” que justificariam essa intervenção que deverá ser feita por proposta da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). O estudo dos impactos económicos pedido à Deloitte sustenta os argumentos da associação e alerta para riscos potenciais da legislação, alguns já assinalados pela Autoridade da Concorrência que foi uma das entidades ouvidas pelo Parlamento.

A iniciativa do Governo em julho foi justificada por um estudo apresentado pela ENSE (Entidade Nacional do Setor Energético), o qual apontava para o aumento das margens de comercialização durante a pandemia, sobretudo na venda de gasolina. Este estudo feito por uma das três entidades públicas que segue o setor (e o facto de existirem três — ENSE, ERSE e Direção Geral de Geologia e Energia — é outro dos problemas), já foi duramente criticado pelo presidente da Galp, Andy Brown, que apontou vários erros, sem os concretizar.

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O trabalho levado a cabo pela Deloitte para a APETRO detalha “esses erros” que passam, por exemplo, por pressupostos de funcionamento do setor. As margens unitárias não são equivalentes a lucros para as empresas, o volume de combustíveis vendido é fundamental e as conclusões da ENSE apanham o pico da pandemia quando o consumo caiu a pique e as margens subiram.

Outro “erro” é fazer médias aritméticas em vez de médias ponderadas para calcular as margens que não têm em conta o volume de litros vendido por cada posto e os descontos praticados sobre o preço do pórtico. Segundo António Comprido, cerca de 80% dos combustíveis são vendidos com algum tipo de desconto.

E num dia que foram antecipados novos aumentos de preços dos combustíveis (nomeadamente do gasóleo) para a semana, devido à valorização do petróleo, o responsável da APETRO volta a apontar para a elevada carga fiscal nos combustíveis portugueses e que tem vindo a subir nos últimos anos. Antes estava abaixo da média da União Europeia e atualmente está acima.

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