A Companhia de Jesus e o Instituto dos Irmãos Maristas espanhóis estão a comprar o silêncio de vítimas de abuso sexual no seio das instituições quando eram menores. E até estabeleceram uma tabela de preços: cinco mil euros para os casos considerados leves, 10 mil euros para os casos classificados de “médios” e 15 mil euros para os avaliados como graves.

A notícia está a ser avançada pelo El País, que conta a história de um homem de 76 anos violado quando estava aos cuidados do Colégio San Estanislao de Kostka, em Málaga. O processo de Alfonso Caparrós começou em junho do ano passado e culminou com o pagamento de 7.500 euros precisamente um ano depois: “É o que vale uma alma perdida como a minha”.

Em janeiro, após terem contabilizado 87 vítimas de abusos sexuais na sequência de uma investigação interna, os jesuítas anunciaram que iriam compensar as vítimas de abusos cometidos por membros desta ordem religiosa. Mas, segundo um documento que o Papa Francisco publicou em 2019, nenhuma ordem pode obrigar as vítimas a guardarem silêncio sobre os seus casos.

Alfonso Caparrós aponta o dedo ao jesuíta Ramón Gutiérrez Mateo, já falecido, que o terá atacado pela primeira vez quando tinha sete anos. Aconteceu quando Alfonso, sentido-se indisposto, vomitou e Ramón despiu-o com o argumento de lhe dar roupas limpas. Os abusos começaram nesse momento e o jesuíta justificava as suas ações dizendo que a criança era “irresistível” para ele.

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Sete décadas depois, já idoso e agora ateu, Alfonso Caparrós entrou num processo “impessoal, frio e humilhante” mediado por advogados externos. Na primeira abordagem, depois de ter contado a sua história ao detalhe — fê-lo por descargo de consciência, não pelo dinheiro, garante — o responsável da igreja perguntou-lhe: “Quanto achas que te devemos dar?”. Alfonso respondeu que seria “o preço de uma alma perdida”.

Recebeu 7.500 euros, o que nem sequer corresponde ao valor intermédio fixado pela Companhia de Jesus e muito longe das dezenas de milhares de euros que outras vítimas receberam no passado. Foi por isso que Alfonso decidiu relatar em detalhes os graves abusos que sofreu, mesmo ciente da brutalidade desse testemunho, para expressar como se sente.

Em declarações ao El País, a Companhia de Jesus equiparou estes procedimentos a um “processo de reparação”, uma “solução neutra”: “É uma das formas pelas quais procuramos acompanhar e responder às ditas vítimas quando não há ação civil nem ações canónicas são possíveis”, justifica.

Mas pede algo em troca aos homens e mulheres violentados nas suas mãos: “O compromisso de que o procedimento seja privado, para evitar todo o tipo de interferências externas”.

Neste ponto, a confidencialidade é um compromisso tanto para quem acolhe este processo como para a Companhia de Jesus e o organismo externo, procurando sobretudo proteger a dignidade da pessoa e também a privacidade; e garantir a independência e neutralidade do processo”.

O silêncio também é exigido pelos maristas. Jordi Alsina, um ex-aluno desta instituição e vítima de abusos sexuais quando tinha cerca de 11 anos, recebeu em fevereiro de 2020 um documento solicitando que se dirigisse a uma comissão para apresentar a sua história.

Mas “tinha que me comprometer a acatar a sua opinião, fosse ela qual fosse, nunca mais apresentar qualquer outra reclamação em qualquer instância marista e não divulgar, compartilhar ou publicar nada que estivesse relacionado com os procedimentos e decisões de tal comissão”. Nunca foi à dita comissão.