O Ministério da Cultura poderá atingir no próximo ano uma despesa total consolidada de 644 milhões de euros, o que representa um aumento de 17,6% face aos 547,6 milhões de euros em 2021.
Excluindo as verbas que o Ministério da Cultura atribuirá à RTP (254 milhões), a despesa total consolidada pode chegar a 390 milhões de euros em 2022, um acréscimo de 70,1 milhões de euros (ou 21,9%) face ao Orçamento de 2021. A despesa prevista com pessoal da administração pública ligada ao Ministério da Cultura chega em 2022 aos 183,9 milhões de euros, o que significa um acréscimo de 10% face à estimativa de 167,1 milhões deste ano.
Os valores constam da proposta de Orçamento Geral do Estado para 2022 (OE2022), que o ministro da Finanças entregou na Assembleia da República perto das 23h30 de segunda-feira, e cuja documentação foi distribuída à imprensa ao início da madrugada de terça-feira.
Os dados disponíveis mostram que a cultura continua a ter dos orçamentos mais baixos das diversas áreas governativas, só à frente do Ministério do Mar, que está em último, com 174,8 milhões. O ministério liderado por Graça Fonseca representa 0,4 da despesa total consolidada da administração central.
No entanto, lê-se no relatório do OE2022, “em 2022 o Governo prosseguirá a política de reforço de investimento na cultura, tendo em vista atingir, ao longo da legislatura, o objetivo estratégico de 2% da despesa discricionária” (não obrigatória). Esta é uma meta com a qual se comprometeu o primeiro-ministro, António Costa, no programa de Governo apresentado em 2019.
Do lado da receita, pode haver um aumento de 9,2% no próximo ano face a 2021. Cerca de 362,3 milhões terão origem na cobrança de impostos (incluindo a Contribuição Audiovisual paga pelos portugueses na fatura da eletricidade), 148,1 milhões de receitas próprias (publicidade na RTP, venda de bilhetes para museus e monumentos públicos e jogos sociais, incluindo a “raspadinha do património”), 87,5 milhões de fundos europeus e 46,2 milhões de transferências entre entidades do Estado.
PRR vai servir para modernizar edifícios e “digitalização das artes”
Se no Orçamento do corrente ano o Governo apostou em “mais investimento público” para “dar respostas a todos os desafios” criados pela pandemia no setor cultural, para o próximo ano parece haver um virar de página, com um “reforço da qualidade da despesa pública” e “maior controlo da despesa” por parte do Ministério da Cultura. O relatório do OE2022 fala num “novo ciclo de crescimento” na cultura, mas “sem descurar a manutenção de alguns dos instrumentos de apoio temporários”.
A aplicação das verbas europeias do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é uma das prioridades. São 243 milhões de euros disponíveis para este setor entre 2022 e 2025. Nos próximos 12 meses, o Ministério da Cultura propõe-se iniciar a execução de dois investimentos principais: “modernização tecnológica dos equipamentos culturais e digitalização das artes” (93 milhões de euros até 2025) e ainda a “requalificação de património cultural edificado” (150 milhões até 2025).
No capítulo da digitalização na cultura, o relatório do OE2022 dá vários exemplos: “Modernização tecnológica de bibliotecas, cineteatros e centros de arte contemporânea, a digitalização de filmes e de obras de arte, a cobertura de wi-fi e a virtualização de museus e monumentos, bem como o apoio à edição de ebooks e audiobooks“. O Governo antevê com esta medida uma “redução de custos e um aumento de proveitos”, assim como uma maneira de “alcançar novos públicos, aumentar a circulação, a fruição e o consumo geral da cultura e alavancar novos modelos de negócio”.
Já a “requalificação de património cultural edificado”, abrange museus, monumentos, palácios e teatros nacionais, num total de 49 imóveis, e implica obras para alcançar “eficiência energética e da sustentabilidade ambiental” dos edifícios, o que “possibilitará reduzir o consumo de energia primária e a despesa” respetiva.
Outra das prioridades identificadas no relatório do OE2022 é aplicação do Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura, um diploma que o Governo aprovou em abril, depois de longos meses de negociação com agentes do setor, e que esteve em consulta pública até 17 de junho. É conhecido como Estatuto do Artista e, na visão do Executivo, aumenta a proteção laboral e social de artistas, técnicos e criadores face à precariedade e informalidade das relações laborais no setor.
A despesa com esta rubrica não surgia quantificada nos documentos divulgados pelo Governo na madrugada desta terça-feira. O Estatuto do Artista tem a oposição de numerosas entidades representativas dos profissionais da cultura, entre as quais o Cena-STE (Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos), a Plateia (Associação de Profissionais das Artes Cénicas) e a APR (Associação Portuguesa de Realizadores), que na sexta-feira, dia 8, criticaram “vários erros e limitações” da versão atual do diploma.
Finalmente, na lista de prioridades, surge a “articulação estratégica dos programas de apoio às artes com a operacionalização da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses”, o que aponta para uma ligação entre a circulação de espetáculos em salas municipais ou independentes fora das grandes cidades e os subsídios atribuídos pela Direção-Geral das Artes ao abrigo do novo Modelo de Apoio às Artes aprovado em 2021.
Até dois milhões para promover Portugal no Brasil
No que se refere a transferências orçamentais, o executivo liderado por António Costa pretende que as verbas de despesas extraordinárias da Direção-Geral do Tesouro e Finanças transitem para o Instituto Camões, num montante até dois milhões de euros, para financiar iniciativas de “promoção externa da cultura portuguesa”, nomeadamente as comemorações do segundo centenário da Independência do Brasil, que se assinala a 7 de setembro de 2022, e a participação de Portugal como país convidado da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, de 2 a 10 de julho do próximo ano.
De acordo com a proposta de lei do OE2022, o mecenato cultural continuará a ser majorado em 10 pontos percentuais se o montante anual for de pelo menos 50 mil euros por entidade beneficiária, dirigido à conservação do património ou programação de museus. Se tal acontecer em ligação a zonas do interior do país, a definir pelo Governo, a majoração pode chegar aos 20 pontos percentuais. É uma medida de “mecenato cultural extraordinário” que surgiu no Orçamento do corrente ano e que transita para 2022.
Igualmente mantida é a entrada sem custos em museus e monumentos nacionais para alguns estudantes do ensino profissional e superior. A “gratuitidade no acesso aos museus e monumentos nacionais para estudantes do ensino profissional e superior nas áreas histórico-artísticas e de turismo, património e gestão cultural” é descrita como um “incentivo à investigação do património cultural”. “Para beneficiar da isenção, o estudante deve comprovar documentalmente a sua qualidade de estudante”, lê-se no documento.
Notícia atualizada às 10h30, com substituição da legenda da fotografia principal.