Crise política à vista? Nos últimos dias foram várias as vozes do PS que vieram pressionar a esquerda com as consequências de um eventual chumbo do Orçamento do Estado, mas o PCP devolve a acusação: “O que é preocupante” é ver ministros a falar de eleições antecipadas, “quando deviam era estar concentrados” em encontrar respostas orçamentais para resolver o impasse à esquerda.
A resposta surgiu esta quinta-feira à noite numa conversa gravada na sede do PCP, entre o deputado Duarte Alves e o líder parlamentar, João Oliveira, e publicada no site do partido. A dada altura, o líder da bancada disparou: “O que é preocupante é que haja ministros nos últimos dias que se desdobraram a fazer afirmações a propósito de eleições quando deviam era estar concentrados na abordagem a algumas destas questões, que ainda por cima são das suas próprias tutelas”.
Quanto às acusações sobre uma dramatização propositada do PCP nesta negociação, a resposta vai na mesma linha: passar a bola ao Governo. “Isso nem é do nosso estilo, não fazemos coisas desse tipo — com a responsabilidade que tem a discussão de um Orçamento fazer jogos de póker…”. Por isso, a solução, garantiu uma e outra vez, está do lado do Executivo: “Naturalmente, é o Governo que tem a resposta nas mãos”. E insistiu: “É lamentável ouvir ministros a falar em cenários eleitorais e a fazer especulação”.
Foi uma das respostas que os deputados deram às questões enviadas ao partido através das redes sociais, na sequência da ameaça de voto contra o Orçamento que o PCP transmitiu na terça-feira. E as perguntas escolhidas não foram propriamente simpáticas: o PCP escolheu questões que confrontam o partido com a hipótese de estar a abrir uma crise política, a deitar por terra as medidas de esquerda que já estão vertidas nesta versão do documento ou a reagir a uma derrota pesadas nas eleições autárquicas.
Ao longo da conversa, foram também ficando claras algumas das medidas que o partido está, claramente, a priorizar nesta discussão — sempre com a mesma garantia: nem a negociação está, para já, fechada (a primeira votação acontece a 27 de outubro) nem o PCP está a ameaçar o PS apenas por uma questão de tática negocial.
“Não estamos a discutir eleições nem a pensar em eleições. Estamos a discutir problemas concretos e soluções que não conduzem a crises políticas nem a eleições”, frisou João Oliveira. “Era importante era que o Governo clarificasse aquilo que quer. Da nossa parte, o nosso foco é encontrar soluções para os problemas do país. Aliás, o que verdadeiramente pode criar um caldo de crise política é a degradação dos serviços públicos, do poder de compra…”.
E que medidas será preciso tomar para chegar a esse ponto? O caderno de encargos mais prioritário é este: os aumentos da função pública, porque esses funcionários estão “há seis anos sem atualização”, que o deputado foi conjugando com o aumento do salário mínimo e o fim da caducidade da contratação coletiva; os aumentos das pensões, uma vez que o PS tem recusado sempre alargar os aumentos extraordinários às pensões acima de 658 euros. Porquê agora? Porque o país tem a perspetiva de ter um crescimento do PIB de 5,5% ao mesmo tempo que as regras europeias estão suspensas — e por isso será preciso que o Governo “clarifique” se quer aproveitar essa oportunidade e traçar um caminho “alternativo”, dentro e fora do Orçamento.
Nessas medidas que estão dentro e força do âmbito do documento (“o Orçamento não vale por si só, sob pena de servir de pouco”) cabem ainda medidas laborais para “combater a precariedade, os despedimentos, os horários selvagens”; o investimento nos serviços públicos, que é preciso conjugar com outras medidas para fixar os profissionais (o SNS é o primeiro exemplo disso mesmo, com a pandemia a servir de “aprendizagem”); e a rede de creches, assim como o alargamento da sua gratuitidade a mais famílias.
E não serão as mexidas nos escalões de IRS, o englobamento de alguns rendimentos ou o investimento em serviços públicos já sianis de resposta à esquerda? “Se se pegar no OE a partir de medidas isoladas, é sempre fácil encontrar alguns elementos que abordam estas matérias, mesmo que não lhes deem resposta”, desvalorizou João Oliveira, lembrando que o desdobramento de escalões de IRS não atinge os rendimentos mais baixos — e frisando a necessidade de insistir no mínimo de existência ou na dedução específica –, que o englobamento é muito limitado ou que para investir é preciso fixar os trabalhadores.
No Trabalho, as mesmas respostas: o conjunto de medidas da “agenda do trabalho digno” do Governo fica “muito aquém”, sobretudo quando conjugado com salários que não garantem “poder de compra” aos trabalhadores. De novo, a tal necessidade de uma resposta conjugada que o Governo precisará de sinalizar se quiser ter o apoio do PCP.
A parada está mais alta do que nunca, conclui-se desta conversa. Será efeito da derrota autárquica que o PCP sofreu? “A nossa grelha de análise é exatamente a mesma. Não mudaram os nossos critérios e opções”, rejeitou o líder parlamentar. “Não tem nada que ver uma coisa com a outra”. Seja qual for a causa, a consequência política é, desta vez, imprevisível.