A oferta habitacional em Portugal praticamente estagnou na última década, com um aumento de apenas 1% no número de casas disponíveis no país – eram 5,88 milhões em 2011 e em 2021 o número aumentou para 5,96 milhões. Esta é uma das principais conclusões de um estudo apresentado esta terça-feira pela consultora JLL, onde este escasso aumento da oferta é contrastado com uma procura em máximos históricos.

Outra conclusão do estudo é que existe um parque habitacional relativamente envelhecido – “apenas cerca de um terço deste stock tem menos de 20 anos” – e “a necessidade de reabilitação é ainda evidente, apesar da dinâmica dos últimos anos”. Pelo lado da procura, a JLL calcula que se encontra “em níveis máximos, alinhados com o anterior pico do mercado, mas com um perfil mais diversificado dada a atratividade do país para compradores internacionais”.

O estudo, que apresenta Portugal como um “Living Destination (destino para viver), acrescenta que, “se em 2012 a presença da procura estrangeira não chegava aos 5% dos fogos vendidos, em 2020 a JLL estima que esta quota tenha duplicado e esteja próxima dos 11%”. Ou seja, mais de uma em cada 10 casas vendidas foram compradas por cidadãos estrangeiros. Porém, neste período pandémico os compradores nacionais voltaram a ganhar peso, seja na compra de casas para viver (primeiras ou segundas casas) ou como alternativa de investimento.

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A oferta e a procura a crescerem a velocidades diferentes é o principal fator que explica o aumento dos preços nos últimos anos, sobretudo após 2015. Segundo os dados compilados pela JLL, “o número de casas vendidas na última década ficou 40% abaixo do período homólogo, apesar do aumento muito significativo (76%) do volume de vendas nos últimos cinco anos”. Por outras palavras, venderam-se menos casas mas o valor dos negócios disparou – “o ticket médio de venda cresceu 25% na última década”, diz a consultora.

Este aumento da oferta terá que, por um lado, responder a funções mais abrangentes das habitações que permitam a coexistência de funções e que preencham as diferentes necessidades dos vários ocupantes e, por outro, por uma maior dispersão geográfica. Destacam- se as zonas de Alcântara, Marvila e Oeiras em Lisboa como eixos de desenvolvimento emergentes com vários projetos em curso e no Porto as zonas da Boavista e Campanhã. O Algarve continua um mercado muito apetecível e com boas perspetivas para o mercado nacional e internacional”, diz a JLL, em comunicado.

Por outro lado, “esta espiral de crescimento [dos preços de venda], aliada às restrições ao crédito à habitação uma vez que a necessidade de capitais próprios é muito elevada, conjugada com alterações do perfil das famílias e de estilo de vida, tornaram o mercado de arrendamento uma verdadeira opção de habitação com enorme potencial de desenvolvimento”, afirma a JLL.

Pandemia. “Preços mantiveram-se muito resilientes e embora haja uma desaceleração”

O estudo da JLL recorreu aos seus próprios dados e a informações de fontes como a Confidencial Imobiliário para detalhar a evolução nas diferentes destes três mercados (Lisboa, Porto e Algarve). Em Lisboa, a consultora analisou o que chama de “zonas emergentes” e nota que, por exemplo, “o preço médio de venda por fogo em Marvila em 2021 é de 229.000 euros, ascendendo a 265.000 em Alcântara, ou seja, cerca de um terço dos 643.000 euros registados na Avenida da Liberdade, a zona mais cara de Lisboa”.

“Por outro lado, Oeiras tem beneficiado da descentralização da procura pela sua proximidade com Lisboa e pela qualidade de vida que oferece. Neste eixo, o valor médio por fogo ascende a 279.000 euros, abaixo do valor de zonas mais periféricas no contexto interno da cidade, como são os casos de Benfica/Laranjeiras ou Telheiras/Lumiar, com preços acima dos 288.000 euros, embora ficando acima dos mesmos em projetos emblemáticos”, pode ler-se no estudo.

"Novas dinâmicas sociodemográficas exigem adaptação do produto"

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O estudo da JLL – “Living Destination” – inclui uma síntese de alguns fatores sociodemográficos cuja evolução enquadra a transformação do setor residencial. “Nos últimos 30 anos, a par do envelhecimento da população (estima-se que a percentagem de população com mais de 80 anos tenha mais que duplicado entre 1991 e 2021), o perfil das famílias também sofreu alterações significativas. Ao mesmo tempo que aumentou o número de agregados (+32% em 30 anos), a sua dimensão média tem vindo a reduzir, acompanhada por uma diversificação face ao conceito de “família tradicional”. As famílias monoparentais duplicaram representando 12% das famílias em 2021, enquanto os agregados de uma só pessoa aumentaram de 13% para 21% entre 1991 e 2021” afirma a JLL.

“Estas dinâmicas exigem uma adaptação do produto residencial à realidade das novas famílias e dos novos compradores. Existe um potencial de desenvolvimento do setor, quer por meio da renovação e reabilitação do stock existente, quer através de novos projetos, de modo a alinhar as expectativas e os requisitos da procura e diminuir a pressão sobre os preços.”, sublinha Joana Fonseca, Head of Strategic Consultancy & Research da JLL.

No que diz respeito ao Porto, “a zona da Boavista, que tem sido palco de novos projetos residenciais, regista um valor médio próximo doa 200.000 euros nos últimos anos enquanto que na zona da Campanhã, eleita um dos núcleos preferenciais para a expansão urbana da cidade, apresenta valores em torno dos 150.000 euros, embora com crescimento em 2021″.

Em ambos os casos, “os valores de venda são cerca de metade dos aproximadamente 400.000 euros registados na zona da Foz do Douro, o destino mais exclusivo da cidade”, nota a JLL.

Fim dos Vistos Gold em Lisboa, Porto e Algarve. “Não é um tiro no pé, é um tiro nos dois pés”

Patrícia Barão, head of residential da JLL, sublinha que nos últimos 18 meses, marcados pela crise da Covid-19, “os preços mantiveram-se muito resilientes e embora haja uma desaceleração do seu crescimento, bons projetos em localizações estratégicas continuam a ser muito atrativos quer para o mercado doméstico quer para o internacional”. A consultora garante que, pelo menos na sua própria experiência, “o ritmo e valores de venda tem sido bastante positivo mesmo no contexto pandémico”.

Na apresentação do estudo aos jornalistas, esta quarta-feira, Patrícia Barão comentou, também, o iminente fim dos Vistos Gold para investimento (residencial) nas áreas de Lisboa, Porto e Algarve. A expectativa é que, após vários adiamentos, a partir do início de 2022 deixe de ser possível obter um Visto Gold investindo acima de um determinado valor (500 mil euros) numa casa nas zonas de maior densidade e com maior procura.

Embora a importância dos Vistos Gold tenha vindo a cair nos últimos anos, representando apenas 1% do total do investimento imobiliário no país (dados mais recentes), Patrícia Barão diz que este “não é um tiro num pé, mas um tiro nos dois pés”, porque “estes investidores vão procurar alternativas noutras cidades europeias” que não estão a introduzir qualquer limitação.

Porém, afirmou a responsável, embora raramente o Visto Gold seja “a razão” para a compra da casa – e não apenas “uma das razões” – o risco é que esta mudança alimente uma perceção de inconstância e imprevisibilidade junto dos investidores estrangeiros. Ainda assim, a JLL diz que esta limitação pode trazer “novas oportunidades” como na costa alentejana (entre Tróia e Sines, sobretudo), a Madeira e algumas zonas do Norte e Douro.