A escritora moçambicana Paulina Chiziane é a vencedora do Prémio Camões 2021, numa escolha feita por unanimidade, anunciou esta quarta-feira a ministra portuguesa da Cultura, Graça Fonseca.

Em 33 anos, é a terceira vez que o prémio é atribuído a um autor moçambicano, depois das distinções de José Craveirinha em 1991 e Mia Couto em 2013.

“No seguimento da reunião do júri da 33.ª edição do Prémio Camões, que decorreu no dia 20 de outubro, a ministra da Cultura anuncia que o Prémio Camões 2021 foi atribuído à escritora moçambicana Paulina Chiziane”, lê-se na nota informativa divulgada esta quarta-feira.

O júri decidiu por unanimidade atribuir o prémio à escritora moçambicana Paulina Chiziane, destacando a sua vasta produção e receção crítica, bem como o reconhecimento académico e institucional da sua obra.

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O júri lembrou igualmente a importância que a autora dedica nos seus livros aos problemas da mulher moçambicana e africana.

Também o trabalho recente de aproximação aos jovens de Paulina Chiziane— através da construção de pontes entre a literatura e outras artes — foi destacado.

Paulina Chiziane “está traduzida em muitos países e é hoje uma das vozes da ficção africana mais conhecidas internacionalmente, tendo já recebido vários prémios e condecorações”, conclui-se na mensagem.

O painel de jurados era composto pelos professores universitários Ana Martinho e Carlos Mendes de Sousa (Portugal), pelo escritor e investigador Jorge Alves de Lima e pelo professor universitário Raul César Fernandes (Brasil) e pelos escritores Tony Tcheka (Guiné-Bissau) e Teresa Manjate (Moçambique).

Já o Prémio Camões foi, na sua génese, instituído em 1988 por Portugal e pelo Brasil com o objetivo de distinguir um autor “cuja obra contribua para a projeção e reconhecimento do património literário e cultural da língua comum”.

Entre os vencedores das 32 edições anteriores do prémio estão, entre outros, autores como Miguel Torga (1989), Vergílio Ferreira (1992), Jorge Amado (1994), José Saramago (1995), Eduardo Lourenço (1996), Pepetela (1997), Sophia de Mello Breyner Andresen (1999), Rubem Fonseca (2003), Agustina Bessa-Luís (2004), António Lobo Antunes (2007) e Raduan Nassar (2016). Os vencedores mais recentes foram Vítor Aguiar e Silva (2020), Chico Buarque (2019), Germano Almeida (2018) e Manuel Alegre (2017).

A escrita de Chiziane, uma lupa sobre a história e os traumas da Moçambique

Atualmente com 66 anos, e nascida em Manjacaze, Paulina Chiziane cresceu nos subúrbios da cidade de Maputo, à época colonial denominada Lourenço Marques.

Na juventude ainda militou no partido político Frelimo – Frente de Libertação de Moçambique, mas acabaria por se desvincular — em desacordo com uma série de posições adotadas pelo partido no pós-independência —, deixando assim a atividade partidária ativa e começando a dedicar-se mais exclusivamente à literatura.

Quando em 1990 publicou um primeiro livro em Moçambique, intitulado Balada de Amor ao Vento, Paulina Chiziane tornou-se a primeira mulher com um romance publicado no país. Desde aí foi-lhe atribuído o título de primeira romancista de Moçambique, ainda que a autora preferisse não ser tratada como romancista — antes de Balada de Amor ao Vento, aliás, já se dedicara aos contos (publicados em jornais e revistas do país), que foi o primeiro género literário que explorou.

A edição mais recente de Balada de Amor ao Vento em Portugal foi feita pela Editorial Caminho, mas outras obras posteriores de Paulina Chiziane foram igualmente publicadas em Portugal, casos de Ventos do Apocalipse (publicado em Moçambique em 1993, em Portugal seis anos depois), O Sétimo Juramento ou aquela que foi a sua obra mais traduzida e lida, o romance feminista Niketche: Uma História de Poligamia.

Tendo publicado consistentemente até há poucos anos — decidiu parar em 2016 —, Paulina Chiziane foi agraciada em 2014 pelo Estado português com o grau de Grande Oficial da Ordem Infante D. Henrique.

Embora seja conhecida popularmente como a “primeira romancista de Moçambique”, Paulina Chiziane insiste reiteradamente que não só não é apenas uma romancista como não o é predominantemente, já que os seus livros — efetivamente, romances — incorporam outros géneros literários (como o conto) e nem sempre obedecem a uma estrutura clássica de género.

A sua obra, como referido pelo júri do Prémio Camões, evidencia um olhar pormenorizado sobre os problemas da mulher africana e da mulher moçambicana, mas não apenas: toda a cultura, os hábitos e o passado do continente e do país são vistos e pensados criticamente.

Traumas históricos como a guerra civil moçambicana, o colonialismo e o racismo, práticas culturais como o curandeirismo e o sistema poligâmico e o tratamento dado à mulher em Moçambique e em África acabam por infiltrar-se tematicamente nos seus livros, como se lembrava aliás numa entrevista dada pela escritora em 2014 (publicada na plataforma online Buala).

Nessa entrevista de 2014, Paulina Chiziane falava sobre o colonialismo português (“há um medo terrível dos portugueses, a repressão colonial foi muito dura”), sobre as marcas profundas deixadas por essa experiência colonial em África e em Moçambique, sobre tradições seculares e culturais, sobre o seu próprio percurso de vida e sobre a cultura moçambicana e a forma como esta não se libertou ainda das convenções e construções alheias, nomeadamente dos colonizadores.

Editor português feliz: “É uma grande escritora” que foi alvo de “preconceitos”

O editor português da autora distinguida este ano com o Prémio Camões, Zeferino Coelho, defendeu em declarações à Agência Lusa que o reconhecimento das qualidades literárias de Paulina Chiziane “já tardava”.

“É uma honra para a escritora que vai honrar” o galardão, disse ainda o responsável da editorial Caminho, que tem publicado em Portugal a obra da escritora moçambicana.

Zeferino Coelho, em declarações à agência Lusa, afirmou também que a escritora foi alvo “de preconceitos literários e de género”, mas defendeu que isso não afetou o seu reconhecimento pelos leitores, dadas as regulares reedições da sua obra, nomeadamente do romance Niketche: Uma História de Poligamia (2002).

A Editorial Caminho conta reeditar as suas obras, “como o tem feito”, mas não tem previsto nenhum novo título.

“Paulina Chiziane é uma grande escritora que vai ficar na literatura moçambicana e na de língua portuguesa”, defendeu ainda Zeferino Coelho, manifestando contentamento pela distinção.

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