O Mundial 2022 tem colocado o Qatar no centro do futebol mundial. Não só pelos milhares de trabalhadores que já morreram desde que as obras começaram, não só pelas declarações de atletas como Tom Daley que defendem que o país não deveria receber uma competição desportiva desta envergadura e não só pelos particulares que a seleção qatari tem disputado com algumas das melhores equipas do mundo, incluindo Portugal. O Qatar tem estado no centro do futebol mundial porque, como praticamente tudo nos dias que correm, não é consensual.
Se é certo que existe uma vaga de fundo muito abrangente que não concorda com o facto de o Mundial estar marcado para o Qatar, também é certo que a Qatar Airways, a companhia aérea estatal, tem ligações profundas a vários clubes de futebol. Logo à cabeça, é um dos principais patrocinadores da Roma, do Boca Juniors e do PSG. Já esteve nas camisolas do Barcelona e continua a aparecer nos equipamentos dos Sydney Swans da Austrália, do Club Africain da Tunísia, da própria liga de futebol das Filipinas e da Gold Cup 2021. Mais: a Qatar Airways é uma das principais parceiras do Bayern Munique, estando representada em vários placards do Allianz Arena e do próprio centro dos treinos dos bávaros. Mas, ao que parece, o Bayern poderá ser o primeiro clube a romper a ligação com a companhia aérea.
De acordo com a revista kicker, um grupo de acionistas do clube alemão pretende levar à próxima Assembleia-Geral, marcada para o dia 25 de novembro, uma moção que visa terminar o acordo comercial com a empresa. “Ao trabalhar com a companhia estatal do Qatar, o Bayern está a ajudar, ativamente, a desviar as atenções de todas as atrocidades cometidas e, ao mesmo tempo, a espalhar a imagem moderna e cosmopolita do país, que não é correta”, explicou Michael Ott, que é acionista do Bayern Munique desde 2007. Ora, segundo os estatutos do clube, uma alteração deste calibre precisa de reunir uma maioria de três quartos dos acionistas para ser aprovada.
Mas nem só a ligação do Bayern ao Qatar tem sido colocada em causa. David Beckham, antigo internacional inglês cujas conexões ao país recuam até ao tempo em que jogou no PSG, aceitou representar um papel de embaixador do Mundial 2022. O problema? O acordo que assinou com o Qatar poderá chegar aos 150 milhões de libras ao longo da próxima década, algo que tem valido muitas críticas a Beckham — principalmente pelas contradições entre valores e causas que o antigo jogador tem defendido ao longo dos anos, como os direitos LGBT+, e o facto de a homossexualidade ainda ser crime no país do Médio Oriente.
“Não é uma surpresa que David Beckham queira estar envolvido num evento futebolístico desta envergadura mas nós gostaríamos de o impulsionar a aprender sobre a profundamente preocupante situação dos direitos humanos no Qatar e estar preparado para falar sobre isso. O passado do Qatar no que toca aos direitos humanos é perturbante — desde o prolongado mau tratamento dos trabalhadores migrantes até aos problemas com a liberdade de opinião e a criminalização da homossexualidade. A forma como o Qatar tem tratado os trabalhadores migrantes, aqueles cujo trabalho árduo torna possível o Campeonato do Mundo, é especialmente perturbador. Apesar de algumas reformas, os trabalhadores continuam a não receber e as autoridades não investigaram os milhares de mortes na última década ainda que existam provas de ligações entre essas mortes e condições de trabalho inseguras”, disse Sacha Deshmukh, o CEO da Amnistia Internacional no Reino Unido, ao The Telegraph.
Beckham, que é agora fundador, dono e presidente do Inter Miami, clube treinado por Phil Neville que atua na MLS dos Estados Unidos, respondeu através de um comunicado de um porta-voz. “O David tem visitado o Qatar regularmente ao longo da última década e jogou no PSG, por isso, viu a paixão pelo futebol que existe no país e o compromisso a longo prazo que foi feito para organizar o Campeonato do Mundo. Ele sempre falou sobre o poder do futebol enquanto uma força para o bem”, disse o entorno do antigo capitão inglês, acrescentando ainda que a organização qatari tem garantido que nenhum adepto que viaje para o país para assistir aos jogos do Mundial será discriminado a partir da etnia, religião, género ou orientação sexual.