Os senadores que fazem parte da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à resposta governativa à pandemia de Covid-19 votaram esta terça-feira o relatório final, que indicia o Presidente Jair Bolsonaro e outras 79 pessoas, inclusivamente por crimes contra a Humanidade.

O relatório foi aprovado por maioria simples, com 7 votos a favor e 4 contra, após uma maratona de mais de dez horas de reunião, que ficou marcada por momentos tensos: primeiro com o pedido para banir o Presidente brasileiro das redes sociais e depois pela inclusão de um dos senadores presentes como indiciado no relatório, depois de este ter defendido o uso de cloroquina na sessão. Essa decisão, porém, acabaria por ser revertida depois da influência discreta do presidente do Senado nos bastidores.

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À entrada para a sessão, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues, sublinhou que a investigação do Senado “não tem conotação eleitoral” e desvalorizou as críticas: “Pode não ser o relatório perfeito, mas é uma luz de lamparina na noite dos desesperados”, afirmou.

A última reunião da CPI foi marcada pelas recentes declarações de Bolsonaro no seu canal no Facebook, onde afirmou que há indícios de que a vacina contra a Covid-19 estaria a provocar casos de SIDA entre os que a tomaram — informação considerada falsa pela plataforma, que decidiu suspender o vídeo em questão. À entrada para a reunião da CPI, o relator Renan Calheiros comentou as declarações do Presidente, classificando-o como um serial killer com uma compulsão pela morte”.

Já dentro da CPI, o senadores votaram favoravelmente um pedido de suspensão das redes sociais do Presidente, bem como a quebra do sigilo das atividades do Presidente nas redes sociais — ou seja, os senadores pedem agora à Google, ao Facebook e ao Twitter que forneçam várias informações sobre a atividade de Bolsonaro nessas plataformas, incluindo os seus dados de acesso. A decisão final será agora tomada pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito do inquérito à disseminação de fake news pelo Presidente levado a cabo pelo juiz Alexandre de Moraes.

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O presidente da CPI, o senador Omar Aziz, pronunciou-se sobre o caso: “A presidência é uma instituição, não é um cargo de boteco [café]”, disse aos colegas, acrescentando que o Congresso deveria condenar publicamente a situação.

O senador que foi colocado no relatório e retirado ainda antes da sessão acabar

Seguiram-se os chamados votos em separado, ou seja, os relatórios dos senadores que não concordam com o documento final. Marcos Rogério, Eduardo Girão e Luiz Carlos Heinze foram os três senadores que votaram contra e que apresentaram relatórios alternativos de resumo do que aconteceu ao longo do funcionamento da comissão.

“A CPI passou ao lado do seu objetivo, tornando-se um tribunal de condenação prévia”, sentenciou o senador Heinze. A sua declaração provocou polémica na sala, por Heinze ter defendido o uso de cloroquina para tratar a Covid-19, medicação cuja eficácia não está confirmada — o que levou vários senadores a indignarem-se. Perante sugestão de um dos senadores, Alessandro Vieira, o relator Renan Calheiros disse estar aberto a incluir o próprio senador Heinze como indiciado no relatório. “Agora vão indiciar deputados por delito de opinião?”, questionou o senador Girão.

Essa foi a posição oficial durante quase toda a duração da sessão. Até que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se envolveu na questão, tentando negociar a retirada do nome de Heinze do relatório em privado com o relator Calheiros, argumentando que os senadores gozam de imunidade quando falam na qualidade do seu cargo. As negociações acabaram por dar fruto: horas depois,  Alessandro Vieira aproveitou a sua intervenção no debate para pedir que o nome de Heinze fosse retirado, invocando esse mesmo argumento — pedido que o relator Renan Calheiros acolheu.

O senador Marcos Rogério, outro dos que se opôs ao conteúdo do relatório, classificou as acusações contra Bolsonaro como “um expediente político bem rasteiro”. “Esta CPI passou ao público em geral a ideia de que o governo federal é o único responsável pela resposta à pandemia”, afirmou. Para o senador, a CPI ignorou o papel de outros órgãos com responsabilidades na área da saúde e decidiu concentrar todas as críticas no Presidente.

Dois dos cinco senadores que anunciaram votos em separado, Eduardo Braga e Alessandro Vieira, decidiram afinal votar a favor do relatório final, por considerarem que Renan Calheiros incluiu as suas objeções no documento final. Os dois aprovaram o documento na votação final.

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Na apresentação final do relatório, Renan Calheiros explicitou quais as alterações feitas ao documento final. Confirmou os indiciados, onde se incluem vários ministros e ex-ministros, como Onyx Lorenzoni (ministro do Trabalho) e Luiz Henrique Mandetta (ex-ministro da Saúde). Também se confirma o indiciamento dos três filhos do Presidente, Flávio Bolsonaro, Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro. Os três são acusados de disseminarem fake news relacionadas com a Covid-19.

Renan Calheiros decidiu igualmente acolher as sugestões de outros senadores e indiciar mais 15 pessoas, entre elas o governador do Amazonas, Wilson Lima. E confirmou a inclusão da sugestão para banir Bolsonaro das redes sociais. Ao todo, 80 pessoas estão indiciadas no relatório.

O senador Flávio Bolsonaro, que é suplente na comissão, também passou pela CPI para intervir. “Todas as vacinas foram viabilizadas pelo governo Bolsonaro”, afirmou o filho do Presidente, que ocupa um cargo na câmara alta. “Vimos até ao último momento alguns senadores da CPI a subirem aos caixões das 600 mil vítimas para fazer politiquice barata”, acusou também o senador, que disse que este era um relatório “totalmente político”. Flávio Bolsonaro também criticou o relator Renan Calheiros, que disse ser “como um vampiro a guardar o banco de sangue”.

O relatório final acabou por ser aprovado com sete votos a favor. Nas declarações finais, a maioria dos senadores que aprovaram o documento frisaram que o faziam em homenagem às mais de 600 mil vítimas da Covid-19 no país.

O relatório será agora encaminhado para o Ministério Público, a Câmara dos Deputados e o Tribunal Penal de Haia. O Ministério Público é o órgão que tem poderes para acusar judicialmente o Presidente, mas o procurador-geral, Augusto Aras, é próximo do Presidente e não tem dado sinais de que pretende avançar com uma acusação.