Antes de ter a Polícia Judiciária em casa para confirmar se as 124 obras arrestadas em 2010 — e das quais ficou como fiel depositária — ainda ali estavam, Maria de Jesus Rendeiro recebeu no início do mês a visita da GNR, que procurava pelo marido. A mulher do antigo banqueiro, que é agora procurado pela justiça, estava calma. Garantiu que o marido estava ausente no estrangeiro por “motivos de saúde” e até acompanhou os militares a uma outra casa de que é proprietária, em Lisboa, para garantir a veracidade do que dizia. Esta sexta-feira, Maria de Jesus Rendeiro deverá comparecer em tribunal. Não para dizer onde o marido está, mas para explicar o que foi feito das obras de arte que devia ter guardado.

Segundo o auto assinado por um dos militares da GNR que esteve na Quinta do Patino, em Alcabideche, a 1 de outubro, para cumprir o mandado de detenção emitido pelas autoridades judiciais, assim que os guardas chegaram à casa foram recebidos por uma empregada que os acompanhou ao interior. Cá fora ficaram mais militares, para terem a certeza de que João Rendeiro não estaria por lá e fugia.

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Eram cerca das 11h00 e a empregada levou os militares até ao interior da casa onde estava Maria de Jesus, a irmã e outra empregada. A mulher de Rendeiro explicou calmamente que o “esposo” não se encontrava em “território nacional, desconhecendo qual o país em que se encontrava”, segundo se lê no documento que consta no processo consultado pelo Observador. Falou, no entanto, na possibilidade de o antigo banqueiro estar no Reino Unido, embora tenha alegado desconhecer o dia em que saiu de casa. Ainda assim, admitiu que falava com ele por telefone.

Os militares correram a casa e nem sinal de Rendeiro, que à data já tinha anunciado que não regressaria a Portugal. No entanto, Maria de Jesus disponibilizou-se a acompanhar os militares a outra morada em Lisboa, que as autoridades podiam desconhecer. Assim, a mulher do arguido e a cunhada acompanharam os militares, já perto das 13h00, a uma casa na Rua da Misericórdia, em Lisboa. Mas também ali não havia sinal do fundador e antigo presidente Banco Privado Português (BPP).

Os militares regressaram então à Quinta do Patino e deixaram as duas irmãs por volta das 14h45. O vigilante do condomínio disse às autoridades que não via Rendeiro há pelo menos duas semanas e nos seus registos nada havia sobre as suas passagens por ali desde então.

Maria de Jesus Rendeiro viria a receber a visita da Polícia Judiciária mais de uma semana depois, na sequência de um despacho da juíza a atender ao requerimento do banco BPP: era preciso assegurar que as obras de arte arrestadas há cerca de dez anos, e que vão permitir ressarcir os lesados do processo, estavam no mesmo sítio. Estas obras, porém, ainda não foram avaliadas.

Foi depois desta visita que a PJ alertou para o facto de haver obras em falta (pelo menos 15) e de duas delas não terem correspondência com o auto da apreensão, podendo, no limite, ter sido falsificadas. O tribunal ainda deu tempo à fiel depositária das obras para localizá-las, enquanto a defesa pedia ao tribunal as fotografias das obras apreendidas para poder fazer a verificação. Até agora, apenas sete das obras foram localizadas. Esta sexta-feira, Maria de Jesus Rendeiro deverá comparecer em tribunal para explicar à juíza por que razões as mudou de sítio.

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O advogado do BPP, Miguel Coutinho, pediu ao tribunal que ordenasse uma busca à casa na Quinta Patino, cujo usufruto Maria de Jesus comprou ao filho do presidente da Antral, Florêncio Almeida. Mas a juíza considera que essa é uma diligência que deve ser feita no âmbito do processo crime que sugeriu abrir mais recentemente, devido às dúvidas sobre o paradeiro e a autenticidade das obras arrestadas há uma década. Neste processo, Maria de Jesus poderá responder pelos crimes de descaminho e desobediência.

João Rendeiro é procurado pela polícia depois de terem sido emitidos dois mandados de detenção internacionais onde constam os crimes de falsidade informática, branqueamento e fraude fiscal: um para ficar em prisão preventiva no processo em que foi condenado a dez anos de cadeia e outro para cumprir uma pena de cinco anos e oito meses de prisão.