A proteína S100B é multifuncional, dentro e fora da célula, umas vezes com funções protetoras, outras com um papel potencialmente prejudicial às próprias células. Agora, uma equipa liderada por investigadores portugueses encontrou-lhe uma nova função: um papel de proteção contra a proteína Tau, cuja acumulação surge em determinadas demências, como a doença de Alzheimer.
Uma das funções da proteína Tau no cérebro (que é aquilo que nos interessa neste caso) é manter a estabilidade dos microtúbulos que compõe o citoesqueleto da célula — ou seja, manter a rede de fibras que dão forma às células, mais ou menos como as varas de um chapéu-de-chuva aberto. De referir que, os microtúbulos são abundantes nos neurónios (células do sistema nervoso central), nomeadamente nos axónios, os prolongamentos dos neurónios que levam a informação a outras células do cérebro ou do organismo.
Doença de Alzheimer atinge precocemente diferentes regiões cerebrais
É fácil, portanto, imaginar que se os microtúbulos não conseguirem manter a estrutura do axónio, a comunicação é dificultada — como ter uma linha de telefone cheia de nós ou cortes. E estabilidade dos microtúbulos é comprometida quando as proteínas Tau reagem fora do padrão normal, em termos químicos: por um lado deixam de manter os microtúbulos organizados; por outro começam a colar-se umas nas outras criando problemas às células.
A boa notícia, segundo a equipa coordenada por Cláudio Gomes, Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas (BioISI), é que a proteína S100B, a protagonista desta história, é capaz de se ligar à proteína Tau e, pelo menos numa primeira fase, impedir que ela se agregue de forma inconveniente para o bom funcionamento das células neuronais. As descobertas foram publicadas na revista científica Nature Communications.
O estudo agora publicado, de investigação fundamental, desvenda assim um novo mecanismo de regulação bioquímica da agregação da proteína Tau através da proteína S100B”, disse ao Observador Cláudio Gomes.
“O trabalho foi desenvolvido combinando técnicas que nos permitiram descobrir que as duas proteínas [S100B e Tau] interagem fisicamente entre si, dentro e fora das células, e que daí resultam efeitos protetores: inibição na agregação de Tau e diminuição do efeito de formas tóxicas da proteína Tau, semelhantes às libertadas para o exterior dos neurónios afetados, sobre as células vizinhas”, explicou ao Observador o professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa).
A descoberta não surge de um acaso, o laboratório que Cláudio Gomes lidera têm-se dedicado a estudar as proteínas que se agregam e causam demências, como o Alzheimer, e as proteínas que com elas interagem — como a S100B. Já em 2018, a equipa do investigador que a proteína teria um efeito protetor na progressão da doença de Alzheimer, nomeadamente na formação das placas amilóides que dificultam a comunicação entre neurónios e acabam por matar as células destes doentes.
Equipa liderada por português descobre proteína do cérebro que protege de Alzheimer
Curiosamente, a S100B é uma proteína cuja produção é desencadeada quando há danos nos tecidos e nas células nervosas, levando a processos de inflamação — e os processos inflamatórios, de forma geral, não são benéficos para os doentes com demência. Mas o que a equipa verificou, na altura, no artigo publicado na revista científica Science Advances, é que a S100B retardava a formação das placas senis. Agora, confirmou que ao ligar-se à proteína Tau também retardava a formação destes agregados.
Destaca também o facto de a proteína S100B se ligar à Tau (controlando-a) tanto dentro como fora das células, o que pode “ser relevante nas fases iniciais do processoneurodegenerativo“, e é algo que a equipa planeia estudar no futuro.
Cláudio Gomes lembra (agora, como já havia feito no passado) que se tratam de trabalhos de investigação fundamental. No fundo, é como aprender o som e o desenho de cada letra antes de se pode começar a ler frases ou poder ler um livro completo (que estará já ao nível de um tratamento com potencial para ser usado).
As doenças neurodegenerativas e a doença de Alzheimer são extraordinariamente complexas — e parte dessa complexidade resulta da diversidade de agregados que se formam no cérebro”, diz o investigador, que não se deixa abater pelo desafio, mas que justifica a dificuldade em ter respostas céleres.
Ainda que só estejamos a ver a ponta do grande icebergue que junta todas as doenças neurodegenerativas e variações, Cláudio Gomes confessa que gostava que as descobertas feitas com a proteína S100B pudessem inspirar o desenvolvimento de fármaco para retardar a doença. “Mas estamos ainda longe dessa fase”, admite.
Por agora, e como sinal positivo há alguns estudos que sugerem que a proteína S100B possa ser usada como um biomarcador para sinalizar as fases mais precoces de Alzheimer, um objetivo igualmente bem vindo, uma vez que a doença é, normalmente, diagnosticada numa fase muito avançada, com muitos neurónios já comprometidos.