Na época passada, um vasto e prolongado surto de Covid-19 anulou as expectativas e os objetivos do ambicioso projeto do Benfica. Com o regresso de Jorge Jesus, com contratações sonantes como as de Otamendi, Vertonghen, Waldschmidt e Darwin, com a reeleição de Luís Filipe Vieira, os encarnados tinham iniciado um projeto ambicioso — que, mesmo antes do azar dos contágios, já tinha começado a tropeçar. É esse fantasma, o das expectativas goradas, que paira por estes dias na Luz.

O Benfica começou bem a temporada, esteve na liderança da Liga praticamente desde o início, registou uma vitória histórica contra o Barcelona na Liga dos Campeões e estava a apresentar um futebol entusiasmante, positivo e, acima de tudo, goleador. A partir do jogo contra os catalães, contudo, o castelo de cartas começou a desmoronar: os encarnados sofreram a primeira derrota da época contra o Portimonense, foram a prolongamento contra o Trofense na Taça de Portugal, perderam com o Bayern Munique na Luz, venceram o Vizela com um golo aos 90+8′ e empataram consecutivamente com o V. Guimarães e o Estoril, ficando numa situação complexa na Taça da Liga e perdendo o primeiro lugar do Campeonato. De um momento para o outro, tal como na temporada passada, parecia que as expectativas tinham sido demasiado grandes para a possibilidade de concretização.

Ficha de jogo

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Bayern Munique-Benfica, 5-2

Fase de grupos da Liga dos Campeões

Allianz Arena, em Munique (Alemanha)

Árbitro: Szymon Marciniak (Polónia)

Bayern Munique: Neuer, Pavard, Tanguy Nianzou, Upamecano, Alphonso Davies (Omar Richards, 65′), Goretzka, Kimmich (Sabitzer, 71′), Gnabry (Sarr, 85′), Sané (Müller, 71′), Coman (Jamal Musiala, 65′), Lewandowski

Suplentes não utilizados: Fruchtl, Cuisance, Marc Roca, Tolisso, Stanisic

Treinador: Julian Nagelsmann

Benfica: Vlachodimos, Lucas Veríssimo, Morato, Vertonghen, Gilberto, Meïté, João Mário (Paulo Bernardo, 77′), Grimaldo (Gonçalo Ramos, 77′), Pizzi (Rafa, 64′), Yaremchuk (Darwin, 64′), Everton (Diogo Gonçalves, 64′)

Suplentes não utilizados: Svilar, Helton Leite, Radonjic, Weigl, Otamendi, Gedson, Ferro

Treinador: Jorge Jesus

Golos: Lewandowski (26′, 61′ e 84′), Gnabry (32′), Morato (38′), Sané (49′), Darwin (74′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Upamecano (50′), a Tanguy Nianzou (69′)

Esta terça-feira, na Luz, o Benfica procurava agigantar-se novamente como fez contra o Barcelona e em 70 minutos contra o Bayern Munique. Na Alemanha, na segunda ronda europeia perante os bávaros, a equipa de Jorge Jesus tentava contornar a mini-crise do mês de outubro e voltar a encarreirar. Ainda assim, o treinador retirava a pressão ao grupo e garantia que, na verdade, os jogos que seriam decisivos para o eventual apuramento para os oitavos da Liga dos Campeões seriam os restantes, na Catalunha e em casa contra o Dínamo Kiev.

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“As equipas poderosas, por muito que não estejam tão poderosas num jogo como são capazes, têm sempre uma qualidade superior em relação à maior parte dos adversários. Todos pensam em ganhar contra todos os adversários mas sabemos a realidade dos factos. Sabemos que podemos ganhar mas vamos defrontar uma equipa que nos vai obrigar a defender muito, a sair de zonas de pressão, algo que se calhar não vamos conseguir, e a cenários de jogo com que até agora não fomos confrontados. Teoricamente estamos preparados, vamos ver na prática”, atirou Jesus.

Ora, no Allianz Arena, o treinador encarnado surpreendia e deixava quatro habituais titulares no banco: Otamendi, Weigl, Rafa e Darwin eram todos suplentes e cediam os lugares a Morato, Meïté, Pizzi e Everton, sendo que Radonjic também saía do onze e era substituído por Gilberto. As mudanças, porém, não estavam alheias ao facto de Jesus achar que as decisões serão tomadas com o Barcelona e o Dínamo Kiev — Otamendi, Weigl e Rafa eram precisamente os jogadores que estavam em risco de exclusão se vissem cartão amarelo. Do outro lado, Julian Nagelsmann dava descanso a Müller e lançava Gnabry, Sané e Coman em simultâneo no apoio a Lewandowski (que fazia o 100.º jogo na Liga dos Campeões), sendo que era ainda forçado a colocar Tanguy Nianzou, de apenas 19 anos, no eixo defensivo face às lesões de Lucas Hernández e Süle.

O Benfica procurou começar o jogo de forma descomplexada e ambiciosa, tal como havia feito na Luz, e até poderia ter inaugurado o marcador nesse período mais otimista: logo nos primeiros instantes, Pizzi atirou contra um adversário já na grande área (2′) e Lucas Veríssimo falhou o desvio por centímetros depois de um livre cobrado por Grimaldo (2′). Os encarnados tiveram mais bola, mais posse e mais presença no meio-campo oposto nos primeiros cinco minutos, realizando uma pressão elevada e intensa que não só desagradou Julian Nagelsmann como empurrou o Bayern para trás, permitindo à equipa respirar com qualidade nas ações.

Ainda assim, e de forma mais ou menos natural, os alemães responderam e ficaram muito perto de aumentar a vantagem num lance que acabou por ditar o modus operandi para toda a primeira parte — Coman desequilibrou na direita e assistiu Gnabry, que rematou na grande área e só não marcou porque Vlachodimos não deixou (6′). O lado direito do ataque do Bayern, o lado esquerdo da defesa do Benfica, seria o grande epicentro das ocorrências do primeiro tempo, com Coman a causar muitas dificuldades a Grimaldo num noite que ia sendo de clara inspiração para o francês. Everton estava a ter uma exibição positiva no ataque e recuava pouco para ajudar a defender, Morato não conseguia dividir-se entre a cobertura a Gnabry e o apoio à ala e o lateral espanhol não tinha argumentos para parar a fantasia do avançado.

Contudo, o Benfica manteve-se ligado ao jogo principalmente até ao final do quarto de hora inicial e chegou mesmo a colocar a bola no fundo da baliza, num lance em que Lucas Veríssimo desviou depois de um canto na esquerda mas o golo foi anulado por fora de jogo de Pizzi (15′). Vlachodimos teve de voltar a aplicar-se para defender um remate em jeito de Alphonso Davies (19′), Pavard rematou por cima (20′) e o Bayern começou a apertar até conseguir quebrar a muralha encarnada: Kimmich abriu na direita, Coman voltou a deixar Grimaldo pregado ao chão com um conjunto de fintas e Lewandowski, ao segundo poste, respondeu da melhor forma ao cruzamento do francês (26′).

Poucos minutos depois, sem que o Benfica tivesse propriamente tempo para se recompor, os alemães conseguiram aumentar a vantagem. Kimmich voltou a pegar na batuta para rasgar o jogo com um passe em profundidade, Lewandowski recebeu tombado na direita da grande área e tocou para Gnabry, que finalizou com um desvio sublime de calcanhar (32′). O avançado alemão ficou perto de bisar pouco depois, num lance em que Vlachodimos voltou a ser crucial (36′), mas o Bayern aproveitou os instantes finais da primeira parte para descansar da pressão intensa e elevada e permitir alguma posse de bola controlada aos encarnados. A equipa de Jorge Jesus procurava principalmente Yaremchuk, tanto nas saídas curtas como nas saídas mais diretas, mas o avançado ucraniano estava sempre demasiado sozinho ou tomava as decisões menos corretas, como aconteceu numa jogada em que decidiu rematar quando poderia ter combinado com Grimaldo ou Pizzi (36′).

Até ao intervalo, e aproveitando esse período de menor intensidade por parte dos bávaros, o Benfica conseguiu reduzir. João Mário cobrou um livre estudado, Grimaldo cruzou na esquerda e Morato, subindo mais alto do que todos os outros, cabeceou para marcar o primeiro golo que o Bayern Munique sofreu na atual edição da Liga dos Campeões (38′). Já mesmo perto dos descontos e confirmando o papel de um dos elementos mais importantes da partida, Vlachodimos agigantou-se e defendeu uma grande penalidade de Lewandowski depois de Lucas Veríssimo ter desviado com a mão um remate de Goretzka (45+1′).

Na segunda parte, Jorge Jesus preparou Gonçalo Ramos mas não lançou desde logo o avançado, regressando o intervalo com o mesmo onze com que tinha iniciado a partida. Do outro lado, Julian Nagelsmann também não fez qualquer alteração mas o Bayern Munique não cometeu o erro do primeiro tempo e entrou em campo a toda a velocidade — antes de estarem cumpridos cinco minutos, Kimmich voltou a abrir a defesa contrária com um passe para a esquerda, Davies recebeu na área e amorteceu para uma zona mais recuada, onde Sané apareceu a rematar de primeira e à meia volta para aumentar a vantagem alemã (49′).

Esses instantes, contudo, chegaram para perceber que a segunda parte seria completamente distinta da primeira. O jogo já não estava partido, já não era tão discutido no meio-campo e ia sendo totalmente controlado pelo Bayern Munique, que atuava quase por inteiro nas proximidades da grande área adversária. O Benfica procurava continuar a pressionar alto mas obtinha poucos dividendos desse esforço e passou mesmo o período mais complicado na partida nesta fase, acabando por ceder o quarto golo, novamente por intermédio de Lewandowski e na sequência de mais uma abertura de Kimmich (61′).

Os dois treinadores começaram a mexer a partir da hora de jogo, com Jorge Jesus a lançar Diogo Gonçalves, Rafa e Darwin e Julian Nagelsmann a responder com Jamal Musiala e Omar Richards. Os bávaros foram tirando progressivamente o pé do acelerador, sem que o Benfica conseguisse propriamente aproveitar para respirar ou ter mais bola, mas o facto de balançarem toda a equipa para a frente deixava espaço atrás — e aí, na velocidade, os encarnados conseguiam fazer estragos. Depois de uma perda de bola do Bayern, João Mário conduziu pelo corredor central em transição rápida e abriu em Darwin, que à saída de Neuer conseguiu bater o guarda-redes para reduzir a desvantagem (74′). Logo depois do golo, Jesus lançou Paulo Bernardo, médio de apenas 19 anos que fez a estreia na equipa principal do Benfica através da Liga dos Campeões.

Até ao fim, Lewandowski ainda teve tempo para carimbar o hat-trick, num lance em que recebeu a bola diretamente de Neuer e fez o chapéu a Vlachodimos (84′), e o Bayern Munique garantiu a vitória que também carimbou a passagem aos oitavos de final. Já o Benfica, para além de ter sofrido a segunda derrota na fase de grupos, viu o Barcelona ganhar ao Dínamo Kiev na Ucrânia e caiu para o terceiro lugar, precisando agora de ganhar em Camp Nou para ainda sonhar com o apuramento. Jorge Jesus disse que os encarnados estavam preparados na teoria e que ainda era preciso ver o que iria acontecer na prática — mas esqueceu-se de que Kimmich, que esteve em quatro dos cinco golos dos alemães, é o mestre da prática.