A cimeira das Nações Unidas sobre as alterações climáticas (COP26) entrou esta quarta-feira numa nova fase, com a partida dos chefes de Estado e de Governo e o início das discussões temáticas. O quarto dia oficial da cimeira de Glasgow foi dedicado ao debate em torno da relação entre a economia e o combate às alterações climáticas, com o ministro das Finanças britânico, Rishi Sunak, e a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, a subirem ao palco para discutir como é que o sistema financeiro global pode trabalhar em prol do ambiente.

Rishi Sunak foi o primeiro a tomar a palavra esta quarta-feira na COP26, tendo chegado à cimeira com uma pasta verde na mão — uma versão verde da tradicional pasta vermelha que no Reino Unido se tornou um símbolo do Orçamento do Estado para o ano seguinte, quando este é apresentado publicamente em Downing Street. Ainda antes de começar o discurso, o homem das finanças britânicas deixava uma mensagem forte: é preciso garantir orçamentos públicos “verdes” para que o sistema económico global ajude a combater as alterações climáticas.

No palco, Rishi Sunak congratulou-se com o facto de a cimeira de Glasgow ser “a primeira COP” a sentar à mesa empresários, investidores e governantes com o objetivo de “direcionar a fortuna mundial no sentido da preservação do nosso planeta”. A mensagem central do discurso de Sunak já vinha sendo antecipada pelos jornais britânicos: o ministro das Finanças preparava-se para anunciar que Londres iria ser o primeiro centro financeiro global a atingir a neutralidade carbónica — ou seja, transformar o modelo das operações financeiras baseadas no Reino Unido num modelo que usa o poder económico para promover a sustentabilidade.

Segundo Rishi Sunak, um dos eixos cruciais do combate às alterações climáticas a nível global é a mobilização de financiamento oriundo dos países mais desenvolvidos, com o objetivo de ajudar os países em vias de desenvolvimento a fazer a transição energética. No palco da COP26 foram repetidos alguns dos números já conhecidos neste debate, nomeadamente o compromisso dos países do G20 de mobilizarem 100 mil milhões de dólares todos os anos para ajudar os países mais pobres.

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Mas o combate financeiro às alterações climáticas não se faz apenas pela via do financiamento dos países mais pobres. Para Rishi Sunak, é preciso “reorientar” integralmente o sistema financeiro para a neutralidade carbónica. “Mais e mais consistentes dados climáticos, obrigações públicas verdes, declarações públicas obrigatórias sobre as políticas de sustentabilidade, vigilância de risco climático adequada e padrões de responsabilização adequados a nível global”, elencou Sunak para sublinhar o que é necessário fazer para tornar a economia mais verde, antes de garantir que o Reino Unido quer ser líder nestas medidas e tornar-se no “primeiro centro financeiro global alinhado com a neutralidade carbónica”.

A secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, outra das figuras de alto nível que discursaram esta quarta-feira na COP26, dirigiu-se a decisores políticos, empresários e investidores em termos semelhantes, pedindo uma “transformação total” do modelo económico mundial contemporâneo, baseado no petróleo e estimou que essa transformação custará entre 100 e 150 biliões de dólares nas próximas décadas. Ainda assim, disse Yellen, “em muitos casos é rentável tornar-nos verdes”.

Quem também está esta semana em Glasgow em representação do governo norte-americano, depois de Joe Biden ter participado nos dois primeiros dias da cimeira, é o ex-secretário de Estado dos EUA John Kerry, o homem-forte de Biden para as questões climáticas. Kerry, que representa os EUA nas negociações climáticas, disse esta quarta-feira num evento paralelo que apenas cerca de 65% do PIB global está atualmente colocado ao serviço de políticas climáticas possíveis de implementar. “Isso significa que 35% não está e não o conseguiremos fazer sem esses 35%“, disse Kerry. A mensagem tinha um destinatário escolhido a dedo: a China, que pela voz do seu representante Xie Zhenhuan disse na terça-feira que adotar como objetivo global a limitação do aquecimento do planeta a 1,5ºC seria destruir um consenso gerado em torno dos 2ºC.

Fora do centro de congressos de Glasgow, centenas de ativistas climáticos têm aproveitado a cimeira para organizar protestos e outros eventos paralelos. A Greenpeace, que na terça-feira navegou um dos seus famosos navios de protesto pelo rio Clyde, em cujas margens decorre a cimeira, disse esta quarta-feira que o compromisso financeiro do Reino Unido poderá não passar de “um slogan publicitário” que apenas permitirá que as instituições financeiras continuem a fazer o mesmo de sempre.

Mas o que é certo é que a COP26 está a dar frutos até agora. Os primeiros dois dias, que ficaram marcados pela cimeira de líderes mundiais (com discursos de Joe Biden, Angela Merkel, António Guterres, entre muitos outros, resultaram em compromissos concretos: a neutralidade carbónica da Índia (o terceiro maior poluidor do mundo) até 2070, um acordo para travar a desflorestação até 2030 e um compromisso para cortar em 30% as emissões de metano na próxima década. Segundo um estudo publicado esta quarta-feira, estes compromissos assumidos nos primeiros dois dias da COP26, se forem totalmente implementados como previsto, levarão o planeta a aquecer apenas 1,9ºC até ao final do século, em comparação com os níveis pré-industriais. Isto significa que o primeiro objetivo do Acordo de Paris (manter o aquecimento abaixo dos 2ºC) poderá estar à vista, mas ainda faltam medidas para o baixar até aos 1,5ºC.

A COP26 continua na quinta-feira com um dia dedicado às questões da energia, enquanto à porta fechada as representações nacionais continuam a negociar os aspetos técnicos do documento final da cimeira. Portugal, que não esteve representado por António Costa na fase de alto nível (devido a incompatibilidades de agenda), terá uma delegação liderada pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, em Glasgow a partir de dia 8 de novembro.