A confiança entre PS e PCP está “minada” e a geringonça “tal qual” existiu nunca mais se repetirá. Ainda assim, o PCP estará, depois das eleições, disponível para voltar a aprovar Orçamentos do Estado socialistas se contiverem “medidas positivas”: “É tão claro como isto”.

Foi este o ponto de situação à esquerda que Jerónimo de Sousa foi traçar, esta quarta-feira, em entrevista à RTP. O mantra para o futuro, e para a campanha que se segue, está definido: “O grau de convergência determina o nível de compromisso”, disse e repetiu o secretário-geral do PCP. Ou seja: o futuro das relações entre os dois partidos dependerá do “nível de compromisso” que existir — leia-se, que o PS quiser mostrar — e que não existiu nas negociações que levaram ao chumbo deste Orçamento.

Quanto à autópsia do documento, Jerónimo apontou todas as baterias ao PS: a dado ponto, insistiu, os socialistas “desistiram” de tentar mais aproximações e o PS — passe “o processo de intenções” que admitiu estar a fazer — deixou de “querer” ver o Orçamento aprovado. A tentação, concluiu, foi partir para eleições, para se “livrar destes incómodos” que seriam os partidos de esquerda.

E para o PCP a decisão de chumbar o OE — e com isso, de acordo com a decisão pré-anunciada de Marcelo Rebelo de Sousa, fazer cair o Governo — foi pacífica? Jerónimo admitiu que a discussão no comité central foi “muito rica e fértil”, mas a conclusão acabaria por ser “unânime”.

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Depois de um processo em que o não cumprimento das promessas do PS levou a um “minar” da confiança entre os partidos, os comunistas “perderam a inocência”, assumiu. E, mesmo com a ameaça da dissolução do Parlamento já a pairar sobre os parceiros, o PCP chuta essa “responsabilidade” para o Presidente da República: a consequência direta não seria partir para eleições e, pelo PCP, ter-se-ia seguido uma tentativa de “reformulação” do documento.

Para Jerónimo, para quem a geringonça “valeu a pena” pelos avanços registados nesses anos mas “não se repetirá” nos mesmos moldes, os eleitores perceberão a decisão do PCP.

E será isso porque as perdas constantes dos comunistas nos últimos ciclos eleitorais mostram uma rejeição do eleitorado da geringonça? Os comunistas recusam essa leitura. Jerónimo ainda admitiu que pode haver alguns “descontentes”, mas apontou para outra explicação: a sociológica.

Sem o tecido industrial de outros tempos e com cada vez menos trabalhadores operários no país — o eleitorado alvo do PCP –, as dificuldades eleitorais existiriam com ou sem geringonça (ou, como lhe chama o PCP, sem “a nova fase da vida política nacional”).