No passado mês de setembro, o Governo anunciava, após uma reunião de conselho de ministros, que havia sido aprovada uma resolução em que se iria atribuir aos CTT, por ajuste direto, a concessão do serviço universal postal por sete anos, a partir de janeiro de 2022.
O atual contrato de concessão termina a 31 de dezembro. Com o aproximar do fim desse contrato, aguardava-se a decisão do Governo sobre os passos seguintes para o futuro do serviço universal.
E não apenas surpreendeu com a decisão de que os CTT serão a escolha por ajuste direto, como esta semana ficou a conhecer-se a resolução do Conselho de Ministros que tira poderes à Anacom, na fixação dos preços, como também na definição dos critérios de qualidade de serviço para o futuro. Os CTT e a Anacom, no passado, tiveram guerras — algumas das quais acabaram em tribunal — por causa de decisões do regulador nesses dois capítulos.
O Ministério das Infraestruturas justificou ao Observador que a decisão de fazer ajuste direto se deve “à inexistência de concorrência, por motivos técnicos, uma vez que não existe qualquer outra empresa dotada de rede com capilaridade equivalente à dos CTT à qual seja exequível adjudicar as prestações que constituem o serviço postal universal (SPU), com qualidade de serviço e com uma relação de proximidade às populações, designadamente as populações dos territórios de baixa densidade do interior e das regiões autónomas”.
Na resolução do Conselho de Ministros acrescenta-se que “é, pois, seguro afirmar que não existe alternativa ou substituto razoável à prestação do SPU em território nacional pela CTT”, realçando-se que os CTT dispõe da maior parte da quota de mercado do tráfego postal total (85,5%), sendo de mais de 90% a fatia de mercado relativamente ao tráfego abrangido pelo serviço universal.
“Nestes termos, conclui-se pela inevitabilidade de proceder a um ajuste direto para a celebração do contrato de concessão do SPU”, lê-se ainda na mesma resolução.
Assim, o Governo decidiu não apenas não avançar com a repartição do serviço por áreas geográficos, como se estudou, como optou por fazer ajuste direto. O Observador tentou obter uma posição da Autoridade da Concorrência sobre esta opção, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo. Também não houve concorrentes dos CTT a responder diretamente à questão ao Observador. A DHL Expresso comentou apenas que “concentramo-nos no nosso principal negócio logístico e procuramos o crescimento orgânico. Contudo, analisamos sempre as oportunidades potenciais que surgem e só nos envolvemos de forma seletiva se verificarmos que tal encaixa na nossa estratégia”. Os CTT também não responderam ao Observador, mas depois da publicação da resolução mostraram satisfação por algumas das decisões. Os CTT estão, aliás, em litígio com a Anacom sobre algumas decisões anteriormente tomadas pelo regulador, estando os processos ainda a decorrer em tribunal.
Caberá aos CTT propor os termos da concessão que se prevê iniciar em janeiro de 2022 por um período de sete anos (até 2029). O Governo nomeou uma comissão de avaliação responsável pelo caderno de encargos e pela análise da proposta dos CTT. O Ministério das Infraestruturas revelou ao Observador que a comissão já foi nomeada devendo a publicação do despacho decorrer em breve em Diário da República.
A comissão é presidida por Pedro Brito Veiga Moniz Lopes (professor da Faculdade de Direito de Lisboa), sendo seus vogais o jurista Pedro Gonçalo Coelho Nunes de Melo (1.º vogal). Maria José Lima Barbosa dos Santos Branco (2.ª vogal), adjunta na secretaria de Estado das Comunicações, estará em representação do membro do governo responsável pela área das comunicações. Filipe Manuel Matias Duarte será o vogal suplente, em representação do Governo. A Anacom terá um representante, cabendo ao regulador a assessoria técnica.
Uma concessão prolongada e perto do fim
Os CTT são os atuais concessionários do serviço universal postal, através de um contrato que terminava inicialmente em dezembro de 2020 e que o Governo resolveu prolongar para o ano de 2021, justificando a decisão com a crise pandémica.
Esta prorrogação levou, aliás, os CTT a entrar um pedido de compensação de 44 milhões de euros. O caso encontra-se ainda a ser decidido pelo tribunal arbitral, não havendo ainda conclusão. Tal como não há sobre outro pedido dos CTT – de mais 23 milhões de euros – para ser compensado pelo impacto da pandemia.
Com estes processos ainda por decidir, o Governo já avançou que vai agora dar aos CTT por ajuste direto nova concessão por sete anos. E tem pouco mais de mês e meio para assinar novo acordo, sob pena de ter de prolongar novamente o contrato em vigor.
Ao Observador o Ministério de Pedro Nuno Santos assume que há tempo. “O Governo pretende concluir este processo até ao final de 2021”, diz fonte oficial do Ministério das Infraestruturas, que tem a tutela do setor postal.
O PSD, no entanto, interroga-se sobre se este prazo será possível. Num requerimento com perguntas ao Ministério das Infraestruturas, a que o Observador teve acesso, o grupo parlamentar social-democrata questiona: “Por que razão o Governo atrasou o tratamento do assunto, associado ao termo do contrato de concessão dos CTT em final de 2020, obrigando ao seu prolongamento em 2021, não sendo
evidente que não tenha necessidade de nova prorrogação? São invocadas razões de interesse público. Quais?” Os deputados da bancada do PSD, encabeçados por Paulo Moniz, acrescentam mais um conjunto de perguntas, nomeadamente “como se justifica esse atraso tendo em conta que a Anacom apresentou no início de 2020 (há cerca de 20 meses!…) o relatório da consulta pública sobre o assunto desenvolvida em 2019? E a criação de um grupo de trabalho em fevereiro do ano corrente, que participação teve e que conclusões apresentou no relatório que o Governo diz ter aprovado e que desconhecemos?”.
Em fevereiro, o Governo criou um grupo de trabalho para estudar o serviço postal universal, não tendo as conclusões sido tornadas públicas.
E depois disso em setembro decidiu não apenas pelo ajuste direto na renovação do contrato de concessão, como aproveitou para tirar poderes à Anacom na área postal.
Anacom com menos poderes depois de ataque de Costa
O Governo quer retirar poderes à Anacom no que respeita à fixação dos preços dos serviços postais integrados no contrato de concessão, bem como à definição dos critérios para a qualidade dos serviços. Mediante proposta da Anacom, mas a decisão final caberá ao Governo.
Essa pretensão está escrita na resolução do Conselho de Ministros. “Determinar que os parâmetros de qualidade do SPU e os objetivos de desempenho passam a ser definidos pelo concedente, mediante proposta da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom)”, mas mantém-se nas competências do regulador definir “o limiar mínimo para a densidade da rede postal”, determinando-se, desde já, que terá de haver uma “estação de correio por cada concelho”.
Também se determina que “os preços são aprovados pelo Governo, sob proposta da concessionária e após análise da Anacom”.
Ao Eco, o ministério de Pedro Nuno Santos explicou que o Governo entendeu “que essa competência devia ser sua”.
Para que essa mudança de poderes seja possível o Governo tem de propor a alteração à Lei Postal. Ao Observador, fonte oficial do Ministério garante que “a Resolução do Conselho de Ministros determina que o Governo irá proceder às alterações da Lei Postal que se revelem necessárias para a execução do disposto na referida Resolução”.
Isto acontece depois de António Costa ter atirado à Anacom, no Parlamento, criticando, então, pelo atraso no leilão do 5G (que entretanto terminou).
Costa atacou poderes dos reguladores. Mas tem mesmo de viver com autoridades independentes
Agora, o Governo pretende retirar poderes à Anacom. E também isso é questionado pelo PSD. “Terá o Governo ponderado devidamente a retirada de poderes à Anacom em matéria de regulação de preços e de qualidade de serviço (QdS), sendo que o proposto contraria totalmente o estabelecido nos artigos 13o e 14o da Lei Postal, aprovada pela Assembleia da República, que atribuiu explicitamente competências à Anacom nessas questões, que é agora afastada de decisão sobre a matéria, a resolver aparentemente por decreto-lei?”