Numa das traves do telhado está pendurada uma corda. Lá em cima, numa grua, está um homem que grita indicações cá para baixo. No piso zero um funcionário prende a corda a uma bola gigante cheia de luzes e outro puxa a corda para fazer subir a peça — os braços tremem, são 30 quilos mas parecem bem mais. “Falta a campânula”, ouve-se outra vez lá de cima. A grua balança mas quem está lá dentro facilmente sobe e desce com a ajuda de um comando. Em dois tempos tem nas mãos o gancho vermelho que vai deixar esta bola igualzinha à que penduramos nas árvores de Natal que fazemos em casa. Porém, nem sempre foi assim tão fácil. Antes das últimas obras do CascaiShopping, em 2017, as clarabóias eram mais côncavas e tinham de ser alpinistas a pendurar as iluminações.

Geralmente, é por volta de 15 de novembro que tudo ganha brilho mas, este ano, aquele que foi o primeiro centro regional inaugurado em Portugal — em maio de 1991 — celebra 30 anos e recebe o Natal mais cedo. Foram necessárias cinco noites para colocar tudo no sítio certo. As estruturas começaram a chegar na madrugada de 1 de novembro e só na manhã deste sábado, 6, é que o trabalho ficou completo. É que as montagens só podem decorrer quando o centro comercial fecha ao público, à meia-noite. Daí até pouco antes das oito da manhã, quando o Continente abre as portas e começam a chegar os primeiros clientes, dez pessoas coordenam-se de forma quase automática.

A Bee Plan é a empresa responsável por iluminar e decorar os centros do grupo Sonae Sierra há oito anos. “Para nós o Natal começa a 1 de janeiro. Até maio trabalhamos na parte criativa, temos a produção até outubro e depois um mês para montar tudo”, explica ao Observador Conceição Amorim, diretora executiva. É no armazém com cinco mil metros quadrados cobertos que fica em Vila do Conde que tudo fica guardado após ser desmontado a 6 de janeiro.

As decorações históricas do CascaisShopping são montadas durante a noite Cascais, 3 de Novembro de 2021 ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

© André Dias Nobre/OBSERVADOR

Por estes dias, cerca de 200 pessoas andam de um lado para o outro do País para que nada falhe. No CascaiShopping há 93.940 mil pontos de luz (entre bolas, cortinas e decorações nos varandins), 2000 bolas e 16 árvores. O pinheiro gigante que ultrapassa a varanda do primeiro andar foi construído especificamente para se encaixar naquele local, a praça A, junto à área da restauração.

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Na madrugada de dia 2 de novembro a estrutura já está no sítio, as luzes estão penduradas e ligadas para que possam guiar a colocação das bolas vermelhas. Vários sacos transparentes acumulam-se no chão com bolas de diversos tamanhos. Duas pessoas estão dedicadas a pendurá-las, primeiro na zona de baixo e, depois, em cima de uma grua, começam a distribuição do topo para baixo. O trabalho é demorado e minucioso — é preciso que as bolas sejam distribuídas de forma uniforme e, já agora, que a grua não vá contra os ramos. Às 2h30 metade está decorada. Falta o resto.

As decorações históricas do CascaisShopping são montadas durante a noite Cascais, 3 de Novembro de 2021 ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Nas colunas que ajudam a delinear a zona da restauração penduram-se cortinas de luzes. Mais uma vez, são as gruas que ajudam a subir e descer rapidamente com o material.

O Pai Natal que chegou de helicóptero

Em 2021, o CascaiShopping quis repetir a chegada do Pai Natal de 1991, que apareceu de helicóptero como se fosse a estrela de um filme de Hollywood. No entanto, foi preciso desistir da ideia porque passados 30 anos há demasiadas casas nas imediações e não seria possível cumprir todas as regras de segurança.

Ainda não se sabe como será ou se haverá sequer a parada que assinala o início das funções do Pai Natal no centro, sempre a 1 de dezembro — tudo dependerá da evolução da pandemia de Covid-19 até lá. É provável que, tal como no ano passado, ele continue sem ocupar o trono onde recebe crianças e ouve os seus pedidos de presentes. Se assim for, irão repetir-se as conversas por videochamada.

As decorações históricas do CascaisShopping são montadas durante a noite Cascais, 3 de Novembro de 2021 ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

© André Dias Nobre/OBSERVADOR

Os desejos variam muito. Há crianças que entregam a chucha ao Pai Natal em troca da promessa do brinquedo que desejam, pais que trazem os filhos para tirarem a foto tradicional — o bebé mais pequenino tinha 15 dias — e miúdos que desarmam a pessoa que se esconde debaixo do fato vermelho. Num ano, exatamente no mesmo dia, o Pai Natal ouviu uma criança pedir um pónei e logo a seguir outra a pedir que o pai saísse da prisão. Ao contrário do que se possa pensar, muitos não anseiam por coisas materiais. Noutra ocasião, uma criança perguntou ao Pai Natal se podia ajudar o pai, gravemente doente, a sair do hospital. Dias depois regressou com ele, numa cadeira de rodas, para agradecer aquilo que achava ter sido obra do Pai Natal.

O presépio é a última fase da instalação da Bee Plan. Muita coisa é feita manualmente por artesãos, carpinteiros e serralheiros. Em 2021 a inspiração é a época vitoriana e tudo está mais colorido em relação ao ano anterior, com temática nórdica. Há figuras que mexem e um elemento que nunca pode faltar no CascaiShopping, uma lagoa para onde as pessoas atiram moedas e pedem desejos. Ninguém sabe quem foi o primeiro mas a verdade é que a tradição se mantém até hoje. Quando a época natalícia termina, o dinheiro é recolhido e oferecido a uma instituição que muda todos os anos.

As decorações históricas do CascaisShopping são montadas durante a noite Cascais, 3 de Novembro de 2021 ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Houve uma época em que as decorações eram trocadas entre centros da Sonae Sierra. O que num ano estava no Colombo, no seguinte podia estar no ArrábidaShopping e por aí fora. Porém, agora cada espaço tem o seu estilo.

“Mudamos as tendências de quatro em quatro anos e, se não temos a certeza se algo se encaixa em determinado local, fazemos um teste. Produzimos um protótipo e experimentamos tudo no mês de junho”, conta Conceição Amorim.

As decorações históricas do CascaisShopping são montadas durante a noite Cascais, 3 de Novembro de 2021 ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

© André Dias Nobre/OBSERVADOR

A Bee Plan existe há 23 anos, também cria projetos para lá da fronteira. Por cá, depois de estar tudo iluminado, Conceição gosta de visitar os centros comerciais sem se identificar e de ir verificar se tudo está bem. As equipas que trabalham em cada centro são geralmente as mesmas e já conhecem bem os espaços mas há sempre detalhes a modificar. “Se for uma decoração mais tecnológica pede umas pessoas, se for mais tradicional já pede outras.”

Nem sempre apostar no que é diferente se revela uma ideia vencedora. Num dos anos o CascaiShopping teve direito a bolas futuristas mas, após realizar um inquérito, o centro percebeu que os clientes não gostaram. As iluminações tradicionais regressaram no ano seguinte.

Proibido de tocar sino

São duas da manhã e o silêncio só é interrompido pelos avisos sonoros das gruas. Nos corredores vão passando funcionários da limpeza com mopas. A tarefa é inglória e terá de ser repetida muitas vezes até às 8h00. Há neve falsa espalhada no chão, caída das árvores de Natal que se preparam para subir até ao telhado e aí ficarem suspensas a conviver com as bolas gigantes. A operação é demorada também porque as peças são montadas no local para que não haja o risco de se partirem no transporte.

No armazém de descargas ainda está muita coisa embalada. Todas as manhãs, quando o centro abre, não há vestígios do que se passou ali durante a noite. O que está pronto ilumina-se. O que ainda não está é retomado novamente à meia-noite.

As decorações históricas do CascaisShopping são montadas durante a noite Cascais, 3 de Novembro de 2021 ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

© André Dias Nobre/OBSERVADOR

Quando o supermercado começa a receber clientes, às 8h00, e as restantes lojas, às 10h00, há uma banda sonora que se ouve em todos os recantos. Em novembro vão sendo introduzidas canções de Natal, intercaladas com outros temas para que não haja uma mudança brusca. Em dezembro é 100% Natal do início ao fim. No final do ano volta a mistura.

Isso nem é o que chateia mais os lojistas. O que eles não aguentam é o sino do Pai Natal, que sai da administração, passa pela restauração e vai até ao seu trono sempre a badalar. Foi preciso chegar a um consenso: agora, quando está sentado no cadeirão, o Pai Natal está proibido de tocar no objeto.

O CascaiShopping teve várias obras e ampliações ao longo de três décadas e continua a ser o centro comercial de eleição de quem mora naquela zona. Muitas famílias vão todas juntas ver as decorações, há quem leve fotos de infância e tente recriar com filhos a mesma imagem com o Pai Natal. Em 2021 é preciso redobrar a atenção a todos os pormenores. No próximo Natal as iluminações serão todas diferentes.

“O tema ainda é segredo”, garante Conceição Amorim.