A consultora alemã MusiConsult alega que a reedição da obra de José Afonso é ilegal, mas a família do “cantautor” garante que detém os direitos e a editora discográfica responsável contrapõe que a acusação não tem fundamento jurídico.

“Não tenho nada a comentar, a não ser que estou de consciência tranquila. O meu contrato de licenciamento com a família é fidedigno, a família tem todos os direitos para avançar com estas edições“, afirmou à agência Lusa o editor Nuno Saraiva, da Lusitanian Music, escolhida pela família do músico para reeditar a obra discográfica.

À agência Lusa, Pedro Afonso, filho do músico, afirmou que “a família é detentora dos direitos sobre estas obras, assegurando que estão agora a ser tratadas, editadas e divulgadas”.

Em causa está uma acusação de ilegalidade, expressa em comunicado na segunda-feira pela MusiConsult, uma empresa alemã de consultoria e gestão na área da música, dirigida por Frank Hessing, em nome dos “representantes da empresa que detém o catálogo da Movieplay”, nunca nomeados.

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A consultora alega que as gravações de José Afonso estão licenciadas à Movieplay e à Arte Orfeu e que não foi dada qualquer autorização, nem foi assinado qualquer “contrato de sublicenciamento” para que a Lusitanian Music, de Nuno Saraiva, pudesse reeditar a obra de José Afonso, pelo selo discográfico Mais5.

A consultora fundamenta esta ilegalidade num contrato que a viúva de José Afonso assinou com a Movieplay nos anos 1990.

Em declarações à Lusa, Nuno Saraiva recorda que “a Movieplay foi à falência e os contratos foram resolvidos. Não está nada em vigor” e que Frank Hessing, colaborador da Movieplay nos anos 1990, “não tem qualquer fundamento jurídico legal para se queixar de nada”.

“Quando uma discográfica vai à falência, não pode transacionar bens sem o aval dos artistas. A ter ocorrido qualquer venda, seria ilícita. O Frank Hessing atualmente não identifica sequer esse pseudo-atual detentor seja do que for. […] A família detém todos os direitos e mais alguns: Tem o direito de autor, tem o direito moral e tem os direitos fonográficos“, sublinhou Nuno Saraiva.

Em abril passado, a família de José Afonso (1929-1987) anunciou que tinha decidido, “em parceria com a editora Lusitanian Music, avançar com a edição dos 11 álbuns do compositor, originalmente editados entre 1968 e 1981, mas indisponíveis há vários anos, assumindo a importância cultural de disponibilizar esta música ao mundo“.

Atualmente estão reeditados “Cantares do Andarilho” e “Contos Velhos Rumos Novos” em vários formatos, incluindo nas plataformas digitais, e este mês está previsto sair “Traz outro amigo também”. O plano editorial estender-se-á até 2022.

Em comunicado, a consultora afirma que está “a enveredar esforços para impedir o prolongamento dos danos materiais e morais causados” e que a empresa que detém os direitos tenciona também “disponibilizar ao público edições em vários formatos de qualidade”.

Nuno Saraiva explicou à agência Lusa que tinha sido contactado por Frank Hessing em abril, quando foi anunciada a intenção de reedições discográficas.

Respondi-lhe que a família tem os direitos de autor e direitos fonográficos e, portanto, aguardamos qualquer ação jurídica, que, pelos vistos, não vem, ou até agora não veio nada. Para além deste ruído que é muito desagradável”, disse.

Sobre a possibilidade de também a dita empresa editar a música de José Afonso, Nuno Saraiva responde: “Se isso acontecer, é uma providência cautelar da família que irá obviamente impedir que isso aconteça”.

“Aguardamos tranquilamente qualquer ação judicial que, eventualmente, venha a ser deduzida”, afirmou Pedro Afonso, em nome da família de José Afonso.

José Afonso lançou em 1968 o seu disco de estreia na editora Orfeu, de Arnaldo Trindade, sob o título “Cantares do Andarilho”. Até 1981, editou uma série de álbuns que se tornaram marcos da música portuguesa, como “Cantigas do Maio” (1971) ou “Venham Mais Cinco” (1973) e “Coro dos Tribunais” (1974).

Os 11 discos já tinham sido alvo de reedição pela Orfeu, entre 2012 e 2013, para assinalar os 25 anos da morte do compositor, tendo sido restaurados e remasterizados digitalmente.

Em setembro de 2020, a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) abriu o processo de classificação da obra fonográfica do músico José Afonso por considerar que representa “valor cultural de significado para a Nação”.

A decisão surgiu depois de o parlamento ter aprovado um projeto de resolução do PCP que recomendava ao Governo a classificação da obra de José Afonso como de interesse nacional, com vista à sua reedição e divulgação.

Em abril de 2020, também a Associação José Afonso (AJA) reuniu mais de 11 mil assinaturas numa petição pública que apelava à mesma decisão.

Na altura, em nota divulgada à Lusa, a família de José Afonso manifestava o apoio à classificação da obra e recordava que estava a “colaborar diretamente com o Ministério da Cultura, desde 2018”, para que se desenvolvesse o processo.

Ainda em 2019, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, afirmava publicamente que não foi por falta de vontade que o processo de classificação não se iniciou mais cedo, mas porque não existia acesso aos masters e ao conteúdo das gravações originais de José Afonso.

Quando foi lançada a petição de pedido de salvaguarda, o presidente da AJA, Francisco Fanhais, explicava que se estava perante “um imbróglio jurídico”, porque a Movieplay estava “em situação de insolvência” e não se sabia “do paradeiro dos masters das músicas gravadas pelo Zeca Afonso”, comprometendo a sua reedição.

A agência Lusa solicitou mais informações detalhadas a Frank Hessing e aguarda resposta.