O Presidente da República disse esta terça-feira que não foi informado antes, pelo ministro da Defesa Nacional, do caso de militares alegadamente envolvidos no contrabando de diamantes, porque “pareceres jurídicos” assim concluíram, tratando-se de uma investigação judicial.
“O ministro da Defesa Nacional, hoje, por outras razões, falou comigo, e explicou-me que naquela altura comunicou às Nações Unidas, porque se tratava de uma força das Nações Unidas, que havia suspeitas relativamente a um caso em investigação judicial, e que na base de pareceres jurídicos tinha sido entendido que não devia haver comunicação a outros órgãos, nomeadamente órgãos de soberania, Presidência da República ou parlamento“, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, na cidade da Praia, confirmando a informação avançada esta segunda-feira pelo Observador.
Tráfico de diamantes. Forças Armadas, ministro da Defesa e ONU sabiam de suspeitas, mas Marcelo não
“E também não ao Conselho Superior de Defesa Nacional, na base de se tratar uma investigação em curso e por isso rodeada, naturalmente, de um conjunto de características de segredo de justiça, que contraindicavam essa comunicação. E, portanto, foi o que aconteceu”, explicou o chefe de Estado, em declarações aos jornalistas, à margem da visita de dois dias que realizou a Cabo Verde.
Marcelo Rebelo de Sousa recordou que já na segunda-feira tinha admitido essa hipótese, que disse ter sido confirmada esta terça-feira, ao falar com o ministro João Gomes Cravinho: “Que estando em investigação judicial tivesse sido essa a razão da não comunicação. Isso foi-me confirmado pelo senhor ministro da Defesa Nacional”.
Questionado sobre a interpretação que fez destas decisões, o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas nada quis adiantar.
“Eu não tenho nada que me pronunciar sobre essa matéria. Tenho que apenas dizer o que aconteceu”, respondeu.
Na segunda-feira, poucas horas depois de iniciar a visita a Cabo Verde, para assistir esta terça-feira à tomada de posse do novo Presidente da República, José Maria Neves, o Presidente da República já tinha afirmado que a “excelência” das Forças Armadas não está em causa com as investigações ao alegado “tráfego de diamantes” e sublinhou que a abertura da investigação interna só as “prestigia”.
“Em boa hora as Forças Armadas, logo que tiveram conhecimento da denúncia, que foi no final de 2019, procederam à investigação imediatamente, envolvendo a Polícia Judiciária Militar, depois alargou-se à Polícia Judiciária, naturalmente, pelas implicações mais vastas do que o domínio nomeadamente das Forças Armadas”, explicou Marcelo Rebelo de Sousa.
“E esse trabalho está em curso para se apurar o que é que aconteceu e para se tomar as medidas exemplares que devam ser tomadas. Quer dizer que foram as Forças Armadas as primeiras a perceberem que era preciso assumir essas responsabilidades. E isso só as prestigia, só aumenta o prestígio internacional que têm e que é reconhecido por toda a gente”, acrescentou.
Segundo o Presidente da República, esse reconhecimento existe para com as forças nacionais destacadas na República Centro-Africana (RCA), mas também “nas que estão destacadas um pouco por todo o mundo”.
“Tendo-se a noção exata de que, como em todas as sociedades, há casos isolados que devem ser punidos se for caso disso, mas a generalidade é um exemplo daquilo que é a qualidade, mais do que qualidade, a excelência das nossas Forças Armadas”, disse ainda o chefe de Estado.
A Polícia Judiciária (PJ) executou, a 8 de novembro, 100 mandados de busca e fez 11 detenções, incluindo militares, um advogado, um agente da PSP e um guarda da GNR, no âmbito da Operação Miríade, num inquérito dirigido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa.
Em causa está a investigação a uma rede criminosa com ligações internacionais que “se dedica a obter proveitos ilícitos através de contrabando de diamantes e ouro, tráfico de estupefacientes, contrafação e passagem de moeda falsa, acessos ilegítimos e burlas informáticas”, com vista ao branqueamento de capitais.
Em comunicado, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) revelou que alguns militares portugueses em missões da ONU na República Centro-Africana podem ter sido utilizados como “correios no tráfego de diamantes”, adiantando que o caso foi reportado em dezembro de 2019.