Por muito que a calculadora seja uma muleta útil para todo o tipo de piadas, a verdade é que esse paradigma mudou com Fernando Santos. Desde o Euro 2016 e passando pelo Mundial 2018 e pelo Euro 2020, Portugal levava três apuramentos diretos seguidos e sem necessidade de contas, de números ou de playoffs. Este domingo, no Estádio da Luz, o selecionador nacional procurava mais uma qualificação sem necessidade de matemática para provar, mais uma vez, que a sina da Seleção mudou mesmo.

Na Luz, contra a Sérvia, Portugal podia repetir o feito das últimas três competições e carimbar o apuramento direto para o Mundial 2022. Para isso, apesar do empate sem golos contra a Irlanda na passada quinta-feira, só precisava de conquistar um ponto e impedir uma derrota que significava a passagem pelo playoff. Ainda assim, e mesmo com a noção clara de que a seleção sérvia teria de fazer pela vida, Fernando Santos tinha uma teoria sobre a partida: ninguém, nas suas próprias palavras, iria jogar “à maluca”.

Ficha de jogo

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Portugal-Sérvia, 1-2

Qualificação para o Mundial 2022

Estádio da Luz, em Lisboa

Árbitro: Daniele Orsato (Itália)

Portugal: Rui Patrício, João Cancelo, Rúben Dias, José Fonte, Nuno Mendes, Renato Sanches (Rúben Neves, 84′), Danilo (André Silva, 90+1′), João Moutinho (João Palhinha, 64′), Bernardo Silva (Bruno Fernandes, 64′), Cristiano Ronaldo, Diogo Jota (João Félix, 84′)

Suplentes não utilizados: José Sá, Diogo Costa, Nélson Semedo, Diogo Dalot, André Silva, William Carvalho, Rafael Leão, Gonçalo Guedes

Treinador: Fernando Santos

Sérvia: Rajkovic, Milenkovic, Veljkovic (Spajic, 65′), Pavlovic, Zivkovic (Radonjic, 69′), Lukic, Gudelj (Mitrovic, 45′), Milinkovic-Savic, Kostic (Jovic, 89′), Tadic, Vlahovic

Suplentes não utilizados: Dmitrovic, Milinkovic-Savic, Mladenovic, Terzic, Maksimovic, A. Mitrovic, Racic, Grujic

Treinador: Dragan Stojkovic

Golos: Renato Sanches (2′), Tadic (33′), Mitrovic (90′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a João Cancelo (8′), a Gudelj (13′), a João Moutinho (61′), a Pavlovic (66′), a Renato Sanches (67′), a Milenkovic (70′)

“Portugal vai procurar impor o seu registo, a Sérvia também. Não me parece que vá ser um jogo de paciência. Nenhuma equipa vai jogar à maluca. Nem mesmo a Sérvia, que precisa de ganhar, não vai jogar de qualquer maneira. Eles jogam sempre para ganhar mas não acredito que vão ser desequilibrados. Nós também temos de ser equilibrados, manter o foco de querer marcar golos”, explicou o selecionador nacional na antevisão, recordando que Portugal empatou em Belgrado logo no arranque da qualificação, no jogo que ficou muito marcado pelo golo mal anulado a Cristiano Ronaldo já nos descontos.

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Fernando Santos avisou, quase prometeu e cumpriu o desígnio: não quis jogar “à maluca”. Sem Pepe, castigado, e com Matheus Nunes de fora dos 23 convocados, o selecionador nacional deixava Bruno Fernandes, João Palhinha e Rúben Neves no banco e lançava Renato, João Moutinho e Danilo no meio-campo, numa escolha claramente cautelosa. Bernardo Silva, recuperado de lesão, era titular no ataque com Ronaldo e Jota, assim como Nuno Mendes, que cumpriu castigo contra a Irlanda e reaparecia na esquerda da defesa, onde José Fonte fazia dupla com Rúben Dias. Do outro lado, a principal surpresa de Dragan Stojkovic era a ausência de Mitrovic do onze inicial, com o ex-Benfica Zivkovic e o ex-Sporting Gudelj a serem ambos titulares.

Portugal arrancou praticamente a ganhar e chegou à vantagem logo ao segundo minuto, quando ainda nem tinha existido tempo para perceber a forma como cada uma das equipas iria apresentar-se em campo. Gudelj cometeu um erro crasso ainda no meio-campo sérvio, Bernardo recuperou a bola e assistiu Renato, que em posição frontal e já na grande área acabou por abrir o marcador (2′). Em teoria, o golo embrionário da Seleção dava razão a Fernando Santos: a ganhar desde muito cedo, com a margem de conforto de até poder empatar, o meio-campo mais cauteloso e defensivo que tinha sido titular parecia até ser o ideal para responder ao previsível ataque sérvio. Ainda assim, nem tudo correu bem.

Ainda antes de ficar fechado o primeiro quarto de hora, Vlahovic acertou no poste com um grande remate à meia-volta, depois de aparecer completamente sozinho na grande área (12′), e deu o mote para aquilo que seria o fio condutor da primeira parte. Depois de Cristiano Ronaldo atirar um livre direto por cima (14′), Portugal baixou o bloco, encurtou a distância entre os setores e foi recuando no próprio meio-campo, remetendo-se a defender os ataques adversários sem conseguir ter bola para responder. Zivkovic era o grande inconformado sérvio, causando muitos problemas a Nuno Mendes na direita do ataque, e a equipa de Dragan Stojkovic beneficiava de uma superioridade numérica no corredor central que não permita a Portugal ter posse, sair com a bola controlada e respirar.

O selecionador nacional tentou reagir, com João Moutinho a baixar no terreno para passar a atuar ao lado de Danilo e evitar que Bernardo e Jota tivessem de recuar mais do que o desejado para servirem quase de segundos laterais, mas a Sérvia continuava a encostar Portugal às cordas. O objetivo passava claramente por tentar aproveitar o espaço que o adversário deixava nas costas, por estar muito balançado para o ataque, mas a transição rápida nunca era eficaz e os laterais não conseguiam dar comprimento nos corredores. À passagem da meia-hora, aconteceu o quase inevitável.

Tadic apareceu à entrada da grande área, tirou João Moutinho da frente com uma finta e atirou de pé esquerdo, com a bola a desviar em Danilo antes de ir à baliza, num lance em que Rui Patrício ficou manifestamente mal na fotografia (33′). A Seleção Nacional recuperou o equilíbrio depois do golo sofrido, até porque a própria Sérvia também recuou no relvado e deixou de pressionar tão alto, e Moutinho ainda ficou perto de marcar depois de uma insistência de Cancelo (41′). Ao intervalo, contudo, Portugal estava empatado com a Sérvia na Luz — um resultado que servia, que era útil e que garantia o apuramento direto para o Mundial 2022 mas que era também perigoso, principalmente devido à mobilidade ofensiva dos sérvios e às debilidades defensivas dos portugueses.

Ao intervalo, Fernando Santos não fez qualquer alteração e Dragan Stojkovic decidiu tirar Gudelj, que já tinha cartão amarelo, para lançar Mitrovic. O jogo manteve-se com as mesmas características, já que a Sérvia tinha mais bola e aplicava uma pressão mais elevada, mas Portugal parecia mais confortável e decidido a aproveitar o contra-ataque e o espaço nas costas da defesa para causar estragos. Renato esteve muito perto de voltar a marcar, num lance em que teve espaço para correr e acelerar mas acabou por falhar na cara do guarda-redes (52′), e a Seleção ia procurando manter a estabilidade defensiva enquanto explorava a transição rápida — ainda que, na maioria das vezes, a definição não fosse a melhor e elementos como Jota e Ronaldo estivessem a passar ao lado do jogo em comparação com as exibições de Bernardo ou Renato.

Já depois da hora de jogo, Fernando Santos mexeu pela primeira vez e trocou João Moutinho e Bernardo por João Palhinha e Bruno Fernandes, deixando uma clara ideia para dentro de campo: ficaram Ronaldo, Jota e Renato para assegurar o contra-ataque, entrou Palhinha para blindar o meio-campo e permaneceu Danilo para recuar para junto dos centrais, assumir a defesa a três e dar liberdade a Nuno Mendes e João Cancelo. Portugal melhorou ligeiramente com as alterações, até porque a Sérvia precisou de algum tempo para se habituar à integração de Radonjic e Spajic, e a partida perdeu algumas características com faltas consecutivas, vários cartões amarelos e muita luta no meio-campo.

À beira do fim, aconteceu o que tinha sido adiado ao longo de todo o jogo. Tadic cruzou na direita e Mitrovic cabeceou ao segundo poste (90′), garantindo o apuramento direto à Sérvia e atirando Portugal para o playoff de acesso ao Mundial 2022. A Seleção Nacional foi vítima de si mesma, do onze demasiado cauteloso que apresentou e de uma ausência total de fio condutor que continua a tornar uma equipa teoricamente forte numa equipa pragmaticamente banal. As notícias de uma mudança de sina eram manifestamente exageradas — e algo terá de mudar ou ser mudado para que um novo capítulo comece.