Os dez chefes da equipa de urgência de cirurgia do Hospital de Santa Maria demitiram-se esta segunda-feira. A informação foi confirmada ao Observador pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e pelo Sindicato dos Médicos da Zona Sul.
Os médicos já tinham dado àquela unidade hospitalar até esta segunda-feira, 22 de novembro, para que resolvesse os problemas nas escalas de serviço. O documento que foi assinado pelos médicos, apresentado a 10 de novembro, refere que a situação se agravou recentemente depois de os assistentes hospitalares terem recusado ultrapassar as horas extraordinárias estipuladas na lei se se mantiverem as condições atuais.
Todos os chefes de equipa de urgência do hospital de Santa Maria anunciam demissão
Em declarações à Rádio Observador, Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, refere que a demissão “representa vários meses de muita paciência por parte dos responsáveis das equipas das urgências”, que pediram à administração do hospital que se tomassem mais medidas: “Nada aconteceu”.
“Sabemos que há muita matéria que depende da ação governamental”, acrescenta Jorge Roque da Cunha, que depois ataca Marta Temido: “Recentemente [a ministra da Saúde] no Parlamento vem dizer que não há problemas de contratação, que contratou médicos, mas a propaganda, quando confrontada com a realidade, perde sempre”. “Tem de se deixar de tapar o sol com a peneira.”
Santa Maria precisa de “medidas efetivas em vez de tapar o sol com a peneira”, denúncia Sindicato
O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos pede que se tomem “medidas efetivas” — como a contratação de novos médicos — principalmente “num momento em que se está a agravar a incidência da Covid”, sendo previsível que “os serviços hospitalares fiquem sujeitos a maior pressão”.
À Rádio Observador, o presidente do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, João Proença, alerta para o facto de que possa haver mais demissões em outros setores, além da cirurgia.
João Proença afirmou que o Conselho de Administração do CHULN “não deu qualquer resposta às pretensões dos médicos que eram muito claras”, pelo que foi concretizada a demissão.
“Os colegas exigiram que fossem tomadas medidas para que o banco de urgência continuasse a ter uma vida normal, porque só eram duas pessoas, um chefe de equipa e um especialista, e precisavam de seis pessoas diferenciadas”, disse o dirigente sindical à Agência Lusa.
Por outro lado, nove dos dez médicos que se demitiram do cargo de chefia já têm mais de 55 anos e, ao abrigo da lei, podem pedir dispensa do trabalho nas urgências.
João Proença adiantou que os médicos fizeram “uma proposta de linha vermelha” ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHULN), mas como este respondeu de “forma evasiva” decidiram que, a partir de dezembro, vão comunicar que “já não fazem urgência porque têm mais de 55 anos”, além de irem limitar as horas extraordinárias.
Assim, adiantou, “não só deixam de ser responsáveis de equipa como deixam de fazer bancos de urgência”, ao abrigo da lei.
“Isto vai tornar insolúvel o problema do Serviço de Cirurgia do hospital central da área de Lisboa e ainda por cima universitário”, salientou João Proença.
Na carta de demissão, a que a Lusa teve acesso, os cirurgiões adiantavam que a urgência cirúrgica do CHULN “vem-se degradando nos últimos anos, agravada recentemente pela tomada de posição dos assistentes hospitalares do departamento que recusam ultrapassar, nas atuais condições de trabalho, as horas extraordinárias consideradas na lei”.
Depois de se solidarizarem com os assistentes hospitalares, os médicos demissionários consideraram que a escala de urgência de cirurgia geral “não é exequível, segundo o regulamento de constituição das equipas de urgência”.
Hospital assegura que “tudo fará” para manter normal funcionamento da urgência
O Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) assegurou que “tudo fará” para manter o normal funcionamento da sua urgência.
Em comunicado, o centro hospitalar afirma que a Direção Clínica realizou nas últimas duas semanas cinco reuniões, envolvendo os chefes da equipa cirúrgica do Serviço de Urgência Central, assim como os assistentes hospitalares de Cirurgia Geral, com o objetivo de resolver questões levantadas pelos médicos na carta.
O centro hospitalar adianta que, resultante destes encontros, a direção clínica “consensualizou alterações em protocolos de resposta do serviço de urgência, indo ao encontro das reivindicações apresentadas, mudanças assumidas por escrito em documentos enviados pelo diretor clínico a elencar as principais medidas a serem implementadas e a sublinhar disponibilidade para aprofundamento de outras”.
“Ainda assim, os chefes da equipa cirúrgica do Serviço de Urgência Central do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte entendem que não foram resolvidas todas as questões identificadas”, salienta no comunicado.
O centro hospitalar sublinha que mantém “o mesmo espírito negocial construtivo e os mesmos canais de diálogo e procura de soluções”, assegurando que “tudo fará para manter o normal funcionamento da sua urgência e o reforço das suas equipas”.
PR pede “reaproximação de pontos de vista” com chefes demissionários
O Presidente da República expressou “desejo” de que as “estruturas de saúde” se possam “reaproximar” dos chefes de cirurgia que hoje se demitiram do Hospital Santa Maria, defendendo que um “problema no funcionamento da saúde” é “indesejável”.
Falando aos jornalistas depois de ter participado numa conferência no ISCTE, intitulada “O futuro do trabalho visto pelos jovens”, Marcelo Rebelo de Sousa reagiu à demissão dos dez chefes de equipa de cirurgia do Hospital Santa Maria formulando “um desejo”.
“O que eu desejo é que seja possível reaproximar os pontos de vista e ultrapassar esta como outras situações que sejam situações que possam criar engulhos, bloqueamentos, naquilo que é fundamental na vida dos portugueses e que se chama saúde. É sempre importante, neste momento é mais importante”, referiu.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, é necessário aproximar “as estruturas e os responsáveis de saúde destes profissionais de saúde numa área muito sensível que são as urgências”, numa altura em que se procura, simultaneamente, “vacinar mais e mais depressa” e, por outro lado, “acorrer a várias doenças, a várias situações, muitas delas de urgência”.