O novo filme de Ridley Scott, “Casa Gucci”, é diretamente devedor de séries como “Dallas” e “Dinastia”, e de filmes como “Laços de Sangue”, de Terence Young, passados no seio de famílias ricas e poderosas que vivem na maior opulência e  cujos membros se aliam, manipulam, traem e até matam por poder e dinheiro. Só que “Casa Gucci” fala de uma família verdadeira, os Gucci da célebre marca de luxo italiana, baseando-se no “best-seller” de Sara Gay Forden publicado em 2001, “The House of Gucci: A Sensational Story of Murder, Madness, Glamour and Greed” (está mesmo tudo no título).

O livro daria uma suculenta série de “true crime”, mas se assim fosse, ficaríamos privados da interpretação de Lady Gaga como Patrizia Gucci, nascida Patrizia Reggiani, filha do dono de uma empresa de camionagem de Milão e que se casou nos anos 70 com Maurizio Gucci, neto do fundador da casa e herdeiro de metade do seu império. Gaga (aliás, Stefani Germanotta), não é actriz de formação, mas entra como meia de vidro em perna bem torneada no papel da ambiciosa e manipuladora Patrizia, que foi a força por trás da tomada de poder do marido na empresa. Quando este se separou dela, Patrizia, com a cumplicidade da sua vidente, pagou a dois assassinos para o matar, no dia 27 de Março de 1995, acabando na cadeia (foi solta em 2016).

[Veja o “trailer” de “Casa Gucci”:]

Scott faz evoluir Patrizia, e documenta a sua ascensão e queda, através do guarda-roupa. Quando conhece Maurizio (Adam Driver) e decide conquistá-lo para conseguir a sua vida de sonho, ela veste-se como as raparigas da classe média italiana da época. Depois de casada, e à medida que ganha influência e poder na família e no negócio, as suas roupas são cada vez mais vistosas e requintadas, mas sem evitar, aqui e ali, toques “kitsch” que lhe traem a origem social; e uma vez divorciada e afastada da família e da empresa, surge vulgar e “trashy”. Nos píncaros como na decadência, Lady Gaga incarna-a com graça, desenvoltura, malícia voluptuosa e, finalmente, um ressentimento ácido que tem tradução no desmazelo físico da personagem.

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[Veja uma entrevista cm Lady Gaga:]

O filme pouco mais é do que uma “soap opera” de topo de gama, realizado com neutralidade competente e alguns ademanes operáticos por Ridley Scott, que em duas horas e meia sintetiza e troca por miúdos três décadas de conflitos dentro da família pelo controlo da Gucci, que acabaria por ser vendida a um grupo de investidores estrangeiros nos anos 90, e daqueles a que pertenceu, retém hoje só o nome. Com exceção de Salma Hayek, que faz a vidente de Patrizia, todo o restante elenco principal de “Casa Gucci” é composto por atores americanos e ingleses, que se expressam naquele inglês com sotaque italiano caricatural muito hollywoodesco, e muito parodiado nas comédias.

Jeremy Irons surge como o frágil Rodolfo Gucci, antigo galã de cinema e pai de Maurizio, que vive agarrado ao passado a ver os seus velhos filmes, Al Pacino diverte-se a personificar, com uma perna às costas, o afável e matreiro Aldo Gucci, irmão daquele e alma do negócio, e um irreconhecível Jared Leto interpreta Paolo, o inútil e atontado filho de Aldo, como se fosse uma personagem de desenho animado de carne e osso. Mas “Casa Gucci” pertence inteirinho a Lady Gaga, e o pouco estilo, espírito e tempero italiano que tem, a ela lho deve.